quinta-feira, 14 de maio de 2015

O som da minha voz

Obediência (2012)
Tinha lido alguns elogios a este filme de nome bem simples (mas para o qual inventaram uma tradução inadequada para o original, "Compliance", algo como submissão, complacência ou em observação) e fui assisti-lo com grande expectativa. Embora o resultado final seja até certo ponto satisfatório, teve um detalhe básico que me incomodou muito e que me atrapalhou um tanto na apreciação da história e, sobretudo, na forma como se desenvolve.

Tudo indica que vai ser mais um dia comum no ChickenWich, uma lanchonete genérica do KFC, especializada em frango: os funcionários vão chegando aos poucos, a gerente Sandra confere as mercadorias e descobre que não terão picles nem bacon porque houve um erro de pedido, a adolescente espevitada Rebecca se gaba dos três namorados que têm ao mesmo tempo enquanto se arruma. Tudo na santa paz. Um telefonema no meio da tarde, contudo, põe fim a essa normalidade. Alguém que se identifica como policial diz que foi feita queixa contra uma das funcionárias, acusada de roubar dinheiro da bolsa de uma cliente que acabou de sair do local. Rebecca (Becky) é então detida nos fundos do depósito e passa  a ser confrontada pela sua chefe, inflamada pelas acusações feitas pelo suposto policial. Ela é obrigada a se despir, ficar sob a vigilância de outros funcionários homens, tudo comandado pelo telefone durante horas e sem perspectiva de solução, sem contar com qualquer simpatia ou compreensão de mais ninguém. Até que a situação vai se tornando mais tensa, e o que parecia uma queixa formal se transforma em crime de assédio e estupro.

Não sei se vale a pena resguardar o truque do roteiro, porque lá pelo meio ele se revela (mas não vou contá-lo aqui, fiel ao meu princípio de evitar spoilers), mas não é difícil o espectador perceber que alguma coisa ali está muito mal-contada, algo não encaixa na história. A partir dessa percepção, é possível imaginar miríades de opções que expliquem aquela situação, todas válidas, mas, infelizmente, nenhuma se enquadra no caso em questão.

Na lanchonete de frango, fazem galinhagem com a funcionária.
O grande problema do filme, para mim, porém, está logo no início, um equívoco de comportamento que chega a irritar: ninguém parece perceber o absurdo da situação! Uma garota é acusada de roubo, mesmo a distância, sem ninguém para reconhecê-la, é interrogada, encarcerada, revistada (sic), tudo sem nem sombra de qualquer presença policial, a não ser uma voz, e ninguém questiona, ninguém procura averiguar a veracidade da coisa, tá falado e pronto! É o pânico absoluto que move os personagens a se comportarem como autômatos? A simples menção do nome "polícia", mesmo que não haja evidência alguma de confirmação, é suficiente para causar transtornos e fazê-los agirem feito imbecis. Respeito à autoridade é uma coisa, mas lavagem cerebral é outra. Sinceramente, para mim, é difícil comprar essa história, quando um mínimo de descortino e lucidez resolveria o caso. É o que faz um dos personagens, o único que parece pensar direito e que aparece pouco na trama, para desespero da lourinha, que não sabe o que fazer nem com quem contar para se safar daquela situação. 

O roteiro do também diretor Craig Zobel é baseado em uma dezena de casos semelhantes, ocorridos em diversas lanchonetes nos Estados Unidos. Não deixa de ser assustador pensar que a situação se repetiu com freqüência sem que nada fosse feito ou ninguém tomasse ciência do que acontecia de fato. Ann Dowd (da série The leftovers), que faz Sandra, ganhou prêmio de atuação do National Board of Review, mas o melhor desempenho é mesmo o de Dreama Walker como a assustada Becky. 

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