Se não ficasse na prateleira de
lançamentos, provavelmente O
desaparecimento de Alice Creed seria um desses filmes menores que terminam relegados
aos cantos escuros e somente são descobertos pelos ratos de locadora. Tomara
que sua atual acessibilidade sirva para que um grande número de pessoas possa
assisti-lo e se surpreender, assim como aconteceu comigo.
Pela estrutura narrativa e a
concepção cênica, pensei que fosse adaptação de alguma peça de teatro, mas não,
é uma idéia original, concebida e escrita pelo próprio diretor que se assina
como J. Blakeson e faz sua estréia no formato depois de dois curtas-metragens, Pitch perfect e The appointment (não confundir com um homônimo que concorreu ao
Oscar da categoria, aliás, existem inúmeros outros de mesmo título), mas com
certa experiência em roteiro – escreveu Abismo
do medo 2. É provável que o ambiente claustrofóbico deste último tenha
influenciado na construção da atmosfera deste aqui, um dos filmes mais tensos que
eu vi nos últimos tempos.
Só o tempo poderá responder se
Blakeson será um diretor original ou mais um imitador de Guy Ritchie, como há
tantos no cinema inglês moderno. Por enquanto, ele ganha pontos, mostrando
vigor e criatividade, tanto na condução do elenco quanto na parte técnica, com
ângulos inusitados, tomadas de cima, e bom ritmo.
Nos primeiros minutos, o
espectador fica perdido com a agilidade das ações. Tudo é muito rápido: a
preparação do cativeiro, o seqüestro, o encarceramento da vítima, as fotos que
são tiradas para fins de chantagem. Não se perde tempo com conversas inúteis
nem com palavrório vazio. Quando os diálogos surgem, são precisos e explicam o
máximo em poucas palavras. Ficamos sabendo então que a vítima é a jovem Alice Creed,
filha de um milionário local. Os dois meliantes se conheceram na prisão e um
deles é antigo caso amoroso de Alice, mas aparentemente não houve mágoas quando
terminaram, ela teria sido “escolhida” simplesmente porque ele sabia de sua
condição social. Os bandidos planejam fugir para a Flórida com o dinheiro do
resgate, mas as coisas podem tomar outro rumo quando um deles descobre que seu
comparsa é conhecido da vítima.
O diretor tranca seus três
intérpretes em um cenário opressivo, mal-iluminado, sujo, e obtém ótimos
resultados, ampliando a sensação de tensão e desconforto que atravessa todo o
filme. Quase toda a história se desenrola no pequeno esconderijo dos bandidos,
e quando a trama se encaminha para o final, abre-se espaço para um exterior
indiferente, de cores igualmente esmaecidas, sem o brilho redentor que, em
Hollywood, provavelmente seria usado como metáfora óbvia.
A atuação do trio é outro
elemento que valoriza o resultado final. Eddie Marsan (o instrutor de
autoescola de Simplesmente feliz e
que aparece debaixo de pesada maquiagem em Branca
de Neve e o caçador como um dos anões) confirma ser um dos melhores atores
ingleses da atualidade, sempre nervoso e violento, prestes a explodir. Menos
conhecido, Martin Compstas (nada de relevante na carreira, muita produção local,
televisão, curtas) se contrapõe a ele com um tipo entre o apavorado e o
apatetado, quase arrependido de estar no meio daquela situação. Gemma Artenton,
em seu primeiro papel de destaque antes de se tornar mais conhecida por Príncipe da Pérsia e o recente O retorno de Tamara, segura as pontas em
um papel difícil, em que aparece nua, é humilhada, espancada, ameaçada, ou seja,
se expõe de forma visceral, sem medo.
Para os fetichistas, o filme é
uma caçarola de prazeres proibidos, a ser degustada sem culpa: há fartas doses
de podolatria (com direito a closes tarantinescos e tudo), um pouco de
onfalolatria, bondage (Alice passa grande parte do filme algemada à cama,
amordaçada e com um saco na cabeça), struggling,
e toda a situação evoca a fantasia clássica de seqüestro e submissão, que os
sadomasoquistas apreciam – por esse aspecto, o filme pode ser rejeitado pelo
público feminino, que terá muita resistência em embarcar na história e, menos
ainda, se identificar com a protagonista, ainda que ela mostre heroísmo e força
quando exigida.
Toda a história segue a lógica do
imprevisível, nada é como o espectador espera que aconteça, e garante o
interesse até a cena final. Uma ótima opção no mar de fitinhas descartáveis que
entopem o setor de lançamentos. Vale conhecer.
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