quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Billy The Kid encontra o Pernalonga


Talvez por estar intimamente ligado à idéia de construção da identidade nacional norte-americana, o filme de faroeste seja normalmente associado a um tipo de narrativa mais sóbria, solene, com espaço para a construção psicológica de seus personagens e humor quase inexistente. Mas é claro que há exceções. Faroestes cômicos podem ser tão interessantes quanto os mais sérios. Este Cactus Jack, o vilão se apropria do universo do tradicional bangue-bangue para contar uma comédia alucinante. Acaba sendo mais próximo às narrativas amalucadas de Chuck Jones do que à poesia contemplativa de Sérgio Leone.

A primeira aproximação entre estes dois universos já começa pelo enredo, que nada tem de original e, de tão surrado, já foi até mesmo parodiado em desenhos do Pica-Pau passados no velho oeste. Um jovem recebe do prefeito a missão de levar uma donzela até outra cidade. Ela é filha de um mineiro que tem negócios com o alcaide e, se não conseguirem chegar ao destino, é ele quem vai herdar a grana que está na diligência. Para impedir que o casal cumpra sua jornada, o prefeito contrata os serviços de um mercenário atrapalhado, o tal Cactus Jack. De armadilha em armadilha, todos os planos do bandido para surpreender o casal acabam frustrados. Até que chega um dos finais mais doidos e caricatos já vistos em um faroeste. É diversão garantida, mas para isso o espectador deve aceitar que está vendo uma comédia ambientada nas paisagens desérticas e poeirentas das pradarias ianques, e não um representante legítimo da escola de faroestes do cinema norte-americano.

A abertura até faz pensar que se trata mesmo de um filme sério. Começa de forma clássica, com belas imagens aéreas das paisagens tradicionais do velho oeste, sustentadas por uma trilha sonora semelhante a que se ouve em produções do gênero. Mesmo as cenas iniciais, mostrando as ações fracassadas do vilão Cactus Jack, seguem a cartilha do faroeste. Depois de 20 minutos, porém, a coisa muda e o estilo passa a ser o dos desenhos animados. A citação ao Pica-Pau ali em cima não é gratuita. Repare na caracterização do vilão, que em tudo lembra o Zeca Urubu: o figurino, todo preto dos pés à cabeça, a risadinha de canto de boca, o jeitão atrapalhado. Mas são as piadas visuais que mais aproximam o filme de um divertido cartoon. Há sacadas que já vimos nas aventuras do Pica-Pau e aqui são encenadas “ao vivo”: a pedra gigante que rola e esmaga o vilão; o falso túnel pintado na rocha que engole a diligência dos heróis, mas não permite a passagem do bandido; a camada de cola lançada na ponte para que o casal fique preso, com as previsíveis e naturais conseqüências; os preparativos para explodir o galpão; e a figura do cavalo de Cactus Jack, quase um Pé-de-Pano (a montaria do Pica-Pau) da vida real. É um dos melhores “atores animais” já vistos em cena. A cena final com as acrobacias ao som da música original do Looney Tunes não deixa dúvida sobre a grande brincadeira que o competente diretor Hal Needham quis fazer.

E ele foi bem-sucedido, não só pelo resultado final, mas também por contar com um elenco que entendeu o espírito da coisa e parece se divertir ao longo do filme. No papel principal, Kirk Douglas atua com indisfarçável gaiatice compondo um personagem que, de certa forma, é uma paródia a tantos outros que ele já interpretou em faroestes de verdade, como Duelo de titãs e A um passo da morte. Um ainda muito jovem Arnold Schwarzenegger faz Handsome Stranger, um sujeito inocente e de bom coração que recebe a missão de conduzir a insinuante filha do mineiro, vivida com contida sensualidade por Ann Margret, que passa o filme inteiro tentando seduzir o grandalhão. Consagrado nos anos 80 por seus papéis em fitas de ação, Schwarzenegger começou a carreira fazendo comédias involuntárias (estreou em Hércules em Nova York, 1970) e aqui repete o tipo de poucas palavras, um simplório apatetado. Só em ver o futuro ex-governador da Califórnia no desabrochar de seu estrelato já é uma curtição.

Embora nunca tenha sido lançado em VHS, o filme se tornou conhecido no Brasil graças a suas reprises regulares na TV aberta, entre meados dos anos 80 e dos 90. Virou cult e depois sumiu. Agora, acaba de ser redescoberto em DVD pela Paragon, um dos selos do grupo Continental.

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