quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Os tons do erotismo

A trilogia: prazer de ler.

Lançado há pouco menos de um mês, o livro Cinqüenta tons de liberdade não demorou nada para chegar ao topo da lista dos mais vendidos da revista Época, sendo seguido pelos outros dois volumes da série, Cinqüenta tons de cinza e Cinqüenta tons mais escuros (oficialmente não há o trema dos títulos, mas já expliquei que me recuso a seguir esse acordinho imposto, a não ser por motivos profissionais). É claro que o sucesso da trilogia já motiva uma nova onda de literatura erótica, gênero que historicamente sempre foi meio relegado por editoras e público em geral, mas que agora, diante do apelo comercial obtido, pode enfim ter a visibilidade que merece. O que o dinheiro não faz, não é verdade? Deixa-se a falsa moral de lado em nome da arrecadação.

Ainda não li nenhum dos livros, coisa que pretendo fazer em breve. Então, não tenho como avaliar a qualidade literária do material, que não deve ser das melhores, a julgar por algumas críticas que já li na mídia, de gente gabaritada, profissionais da escrita. A essa altura todo mundo sabe do que se trata a série. A jovem virgem Anastásia Steele desperta o interesse do bon vivant Christian Grey, que a leva a uma intensa jornada repleta de sexo sadomasoquista. Dizem que o livro tem despertado o lado mais secreto das fantasias femininas e, em casos extremos, até salvado muitos casamentos. Será verdade ou exagero da mídia? O fato é que a história caiu no gosto popular, vemos pessoas empunhando os livros nos ônibus, nos metrôs e em espaços públicos, sempre mulheres, ao que parece, o público-alvo da trilogia, sem medo nem vergonha. Também baseado no que já li em reportagens e entrevistas publicadas na imprensa, parece que o andamento da história é considerado lento para o público masculino, com muita falação, muito tempo gasto até se chegar ao que realmente interessa. Ou seja, mais próximo de fato do erotismo feminino, que gosta desse jogo de conquista, da sedução que vai surgindo aos poucos, ao passo que nós somos mais diretos, não temos paciência para esse envolvimento todo.

A autora E. L. James.
A autora Erika Leonard James (que adotou o pseudônimo E. L. James, não sei se por sugestão do seu editor ou se para aproveitar o uso cabalístico de suas iniciais, como os bem-sucedidos J. K. Rowling ou George R. R. Martin) já declarou que pretendeu reproduzir no livro algumas fantasias que povoavam sua cabecinha. Ela não é uma meninota. Beirando os 50 anos (aparentando menos), essa ex-executiva da televisão inglesa é casada e tem dois filhos. Ela abandonou o emprego para se dedicar à literatura. Fã confessa da série Crepúsculo, diz ter lido os quatro livros da “saga” em apenas cinco dias, o que lhe serviu de combustível para sua história. Ela diz que queria escrever uma espécie de versão alternativa para os personagens, mas inserindo sexo, elemento praticamente ausente do universo imaginado por Stephanie Meyer.

Primeira edição de Jake e Mimi (2002)
O maior mérito da trilogia, no entanto, está fora das “quatro páginas”. De uma hora para outra, a literatura erótica entrou na pauta do dia e passou a ser vendida e consumida pelo público, sobretudo pelas mulheres, que, historicamente, sempre foram as leitoras mais assíduas desse gênero – já escrevi e repito, homem não tem muita paciência com descrições e detalhes, prefere ler pornografia de baixa qualidade nas revistas afins. Há uma mudança de comportamento em curso, com o erotismo sendo enfim debatido e entendido como um ramo natural da humanidade e não como assunto tabu. E vejo com ainda muito otimismo essa suposta popularização do universo BDSM, já que as pessoas têm a oportunidade de conhecer mais e entender que é um estilo de vida, uma preferência sexual como qualquer outra, e que seus praticantes são pessoas comuns, nossos amigos e vizinhos. Podem não se sentir atraídas, o que é normal, mas ao menos tomarão conhecimento e talvez nem olhem torto para o colega de trabalho se ele se declarar fã de amarrações e dominações. A maior herança que a série vai deixar é a redenção dos bondagistas, e a autora corrobora essa posição: “(...) Isso não quer dizer que quem pratica BDSM tem um passado tortuoso, de maneira alguma. Eu acho que, se há uma relação segura e consensual, ótimo. O que acontece na cama, pela casa ou em qualquer lugar, é da conta de cada um, não tenho nada com isso. Esse comportamento de Christian funciona para essa história. Eu não tinha idéia de aonde eu iria chegar quando comecei a escrever. Apenas que o BDSM seria o pano de fundo.” E completa com sua opinião sobre a prática: “É incrivelmente sexy”. (As declarações entre aspas foram retiradas de entrevistas concedidas por E. L. James à imprensa e disponíveis na internet.)

É claro que os direitos já foram vendidos para o cinema e o primeiro filme deve ser lançado em breve. Fala-se em Kristen Stewart como protagonista, certamente para aproveitar o gancho de a autora dos livros ser fã da saga vampiresca, e também capitalizando em cima do sucesso da atriz, que ainda precisa provar que pode sobreviver fora da pele de Bella Swan. Espera-se que não tenha o mesmo destino de outro livro que usava o BDSM como pano de fundo, aliás, muito mal, o policial Jake e Mimi, de Frank Baldwin, publicado em 2002, cujos direitos chegaram a ser negociados e falava-se em Angelina Jolie, mas o projeto implodiu e nunca saiu do papel. Por falar nele, o livro acabou de ser relançado com outra capa e outro título, Algemas de seda, obviamente para surfar na mesma onda da recente trilogia.

Os Cinqüenta tons são erotismo soft para as massas. Quem quiser, pode se arriscar em clássicos do gênero, como A história de O, As onze mil varas, Justine ou Os sofrimentos da virtude ou qualquer título da coleção recém-lançada pela Hedra. Deixe seus preconceitos de lado e vá à livraria mais próxima. Afinal, ler sempre foi um grande prazer.




2 comentários:

  1. Particularmente não li e não gostei: não acho graça nesse tipo de literatura :S

    (mas conta o que achar depois de ler ;)

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  2. Talvez eu goste por um ou outro aspecto, mas já sei que não vou achar nada de muito interessante.

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