quinta-feira, 2 de maio de 2013

O dia que durou 20 anos

Um dia (2011)

Pergunte a um fã de Ulisses, a monumental obra escrita por James Joyce e publicada em 1922, o que ele fará no dia 16 de junho. Provavelmente ele irá a alguma celebração do Bloomsday, data festiva criada por aficionados do desafiador romance concebido pelo autor irlandês. É durante as 24 horas deste dia que flui a consciência do protagonista Leopold Bloom. Guardadas as devidas proporções de significância cultural, bem que um outro romance, mais atual, e muito menos ousado em termos lingüísticos, poderia ensejar festejos parecidos. Os entusiastas de Um dia, de David Nicholls, poderiam se reunir todos os anos, sempre no dia 15 de julho, para o, simplesmente, Oneday, seguindo a trilha de Emma Morley e Dexter Mayhew, os protagonistas da obra. O livro foi campeão de vendas à época de seu lançamento; já o filme, uma das melhores adaptações de obras literárias para o cinema, lançado no ano passado, dividiu opiniões.

Para quem ainda não conhece a história, eis o resumo. Tudo começa em 15 de julho de 1988, quando Emma e Dexter, dois jovens recém-formados, se excedem nas comemorações pelo diploma e acabam passando uma noite juntos. Eles não sabem se tornarão a se ver, já que em breve irão se mudar e enfrentar os dilemas da vida adulta, com as responsabilidades e problemas inerentes a este rito de passagem. Então, cada um segue seu rumo, mas, ao longo dos 20 anos seguintes, eles irão se reencontrar sempre no mesmo dia, sem perceber que aquilo que a princípio se desenhou como uma grande amizade vai, aos poucos, se transformando em outra coisa. Ou vai ver sempre esteve ali, mas nenhum deles percebia ou admitia.

Emma e Dexter: o amor aos 20 anos.
No caso, a vida não é o que acontece enquanto se faz planos, mas sim, o que não é contado nas páginas do livro e do que só ficamos sabendo pelos relatos dos dois. É assim que os personagens e suas trajetórias vão sendo construídos aos olhos do leitor, embora tal artifício, que funciona muito bem no romance, perca um pouco de força na adaptação. Emma é uma garota que sonha em fazer a diferença no mundo, enquanto Dexter prefere viver o momento, sem pensar nas conseqüências imediatas de suas decisões. Suas trajetórias sempre se cruzam, nos momentos mais díspares; eles entram e saem de variados empregos, conhecem outras pessoas, casam e separam. Ou seja, não é aquele romance tradicional, "derramado", mas uma história bastante plausível, que pode acontecer com muitos espectadores, o que garante fácil comunicação com o público.

Uma das grandes dificuldades de transpor um livro para o cinema, sobretudo quando se trata de obra famosa e muito querida por seus leitores, é manter a essência da história de forma a não frustrar os fãs. É sempre arriscado cortar certas passagens ou diminuir o impacto de algumas seqüências. No caso de Um dia, esse risco foi minimizado, já que foi o próprio Nicholls quem escreveu também o roteiro da adaptação. Ou seja, sabia o que tinha nas mãos e onde e no que mexer. Ele também não era nenhum novato no ofício, já havia escrito roteiros para várias telesséries e seu trabalho anterior foi o sensível Quando você viu seu pai pela última vez?. O resultado é uma adaptação bastante competente, enxuta, que mantém a força da história que se lê no papel, embora, repito, o recurso das elipses temporais funcione melhor no livro.

O amor é o mesmo, mas os cabelos... Quanta diferença!
Anne Hathaway, melhor aqui do que no posterior Os miseráveis, que lhe deu o Oscar, personifica a própria Emma, conferindo todas as nuances da personagem, da euforia sonhadora da juventude à leve amargura da idade adulta sempre com doçura e refinamento. Infelizmente, Jim Sturgess não acompanha, optando por uma atuação contida, quando o Dexter do livro é bem mais descontrolado. Patrícia Clarkson brilha como sua mãe, na única cena em que aparece.

No todo, Um dia é um filme agradável de ver, que mantém o foco do espectador, mesmo que ele não conheça o romance original. E o final novamente me arrancou lágrimas. No fundo, acaba sendo mesmo um pouco da história de cada um de nós. E os românticos do mundo já podem organizar o seu Oneday.

2 comentários:

  1. Como te disse, amo de paixão o livro mas o filme não tomou meu coração do mesmo jeito. Anyway, o Sturgess e a Hathaway deixa tudo mais bonitinho <3

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  2. Eu, ao contrário, achei o filme uma boa adaptação, meio corrido em algumas partes, mas captou bem a essência do livro.

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