quinta-feira, 27 de junho de 2013

Quatro décadas com o diabo no corpo

O exorcista (1973)
Eu ia usar outro título, "O capeta que nós amamos", mas temi ferir sensibilidades religiosas dos eventuais leitores ou ser acusado de não respeitar as crenças alheias. Apesar de provocativo, seria mais adequado, já que é raro um fã de filme de horror não gostar de O exorcista. Muitos o consideram o melhor filme do gênero, embora caiba discussão nesse particular. Há quem prefira O iluminado (1981), de Kubrick, outros defendem que O bebê de Rosemary (1968), de Polanski, é a obra-prima do gênero, e há ainda aqueles que citam Monstros (1932), de Tod Browning. Independente da escolha, fato é que O exorcista, de todo o modo, figura em qualquer lista de melhores filmes de horror de todos os tempos. Em 2013, ele completa 40 anos de seu lançamento e a data é festejada por cinéfilos e admiradores.

Meu primeiro contato com a história se deu no começo da década de 90, período em que eu começava a formar minha cinefilia, ia conhecendo os grandes filmes da história do cinema - primeiro de ler sobre eles em guias de vídeo, depois, aos poucos, alugando-os e assistindo-os em casa; era a época em que eu "assaltava" a locadora todo final de semana - e, como faço até hoje na maior parte das vezes, parti do material impresso, no caso, o romance homônimo escrito por William Peter Blatty, que descobri em um sebo, já que o título estava esgotado nas livrarias, e assim permanece até hoje. Li o livro em três dias, literalmente: após passar incólume pela chatíssima primeira parte, mergulhei na história e devorei as duas partes seguintes, sempre durante o dia, já que a narrativa era por demais assustadora para que eu a lesse à noite. Fiquei arrepiado e muito curioso em conferir a adaptação. Aqui, minha memória me trai e não lembro se vi o filme dublado em alguma exibição na TV ou se aluguei a fita - na época era VHS mesmo. Fato é que não me decepcionei, muito pelo contrário. O filme era realmente apavorante, e diferente de outras coisas que eu já tinha visto no gênero porque tratava de uma premissa plausível, o fato de alguém ser possuído por uma força maligna.

Em 2003, O exorcista foi relançado mundialmente nos cinemas, para festejar os 30 anos de sua estréia, na
Capa das primeiras edições (1972)
chamada "versão do diretor", ou seja, com cenas adicionais, que aumentavam a sua metragem de 122 para 135 minutos, incluindo a hoje famosa "cena da aranha", e tornavam mais assustadores alguns detalhes de composição climática, como vultos demoníacos escondidos nas partes escuras de algumas cenas. Talvez por se tratar de um filme antigo, conhecido por muita gente e sem maior apelo comercial, ficou pouquíssimo tempo em cartaz. Fui conferi-lo (em uma sessão praticamente deserta, o que tornou a experiência de vê-lo na tela grande mais aterradora) e o filme não havia perdido nada de seu impacto, a remontagem o tornou ainda melhor, e mais assustador. Essa versão acabou se tornando a oficial que saiu depois em DVD. A Warner já havia distribuído o filme pouco tempo antes em uma edição especial, repleta de extras, infelizmente não legendados em português, com destaque para o excelente documentário 
O medo de Deus, produzido pela BBC, em que são exibidas as cenas deletadas que depois foram incorporadas à narrativa. Por via das dúvidas, tenho ambas as versões na minha coleção. Lá fora, a Warner já prepara uma edição comemorativa em Blu-Ray (tudo agora é nesse formato, a indústria quer impô-lo de qualquer jeito, obrigando os colecionadores a trocarem seus equipamentos) repleta de extras inéditos (outra coisa que me surpreende, a cada edição especial lançam mais material inédito, será um poço sem fundo? Ou as distribuidoras o negligenciam deliberadamente, sempre de olho no que podem faturar em casos assim?). No Brasil, ainda não se fala nela.

Quem nunca sentiu medo vendo essa cena? Sai, capeta!
Em 1974, O exorcista se tornou o primeiro (e, a rigor, até hoje único) filme de horror a ser indicado ao Oscar. Além da categoria principal, concorreu em outras nove, ganhando como Roteiro Adaptado (escrito pelo próprio Blatty, que também assinou e dirigiu a terceira parte, além de roteirizar a preqüência de 2004, O exorcista - O início) e Som. Mas ficou famoso também pela série de coincidências envolvendo sua produção e os artistas e técnicos que participaram de sua realização. Todos, de uma forma ou de outra, foram vítimas do que posteriormente ficou conhecido como "Maldição do Exorcista". As mais famosas e comentadas citam a morte do ator Jack MacGowran, que faz Burke Dennings, uma semana após a estréia do filme, e acidentes e mortes misteriosas envolvendo a equipe técnica. Há outros fatos conexos. Linda Blair, então uma promissora estrelinha de 14 anos, em seu primeiro papel de destaque, foi indicada ao Oscar de Coadjuvante, mas nunca decolou na carreira, que acabou restrita a produções B e obscuras. O diretor William Friedkin, que vinha de outro sucesso, Operação França, caiu em desgraça e passou mais de três décadas no semi-ostracismo, somente se recuperando perante a crítica no ano passado, quando rodou Killer Joe - Matador de aluguel. A "maldição" alcançou até o Cine Copacabana, que abrigou o relançamento em 2003: no final daquele ano, ele foi desativado, e hoje no lugar funciona uma academia de ginástica, das mais caras, aliás. Ou seja, não se crê em bruxas, mas...

Diante do desanimador cenário em que se encenam atualmente as produções de horror, a maioria nem merecendo ser chamada assim, O exorcista ganha ainda mais em importância. Firmou-se como um clássico inquestionável do gênero, que manteve a força mesmo com a diluição de sua fórmula nas continuações. Também rendeu inúmeras imitações e uma paródia, A repossuída (1990), com Leslie Nielsen e a própria Linda Blair, já decadente, defendendo uns trocados se expondo ao ridículo e fazendo piada com o papel que a consagrou. Ainda que tenha envelhecido em alguns aspectos, continua a causar calafrios. Experimente assisti-lo à noite, sozinho em casa.

4 comentários:

  1. hahahah

    Olha a provocação dos títulos do post!

    Vi o filme quando foi relançado em 2003. Morava pertinho do cinema e nunca fiz as 7, 8 quadras com tanto medo e tão grudada no meu ex-marido! Poderia começar a falar agora das minhas crenças e da questão de ser ou não apenas ficção, mas deixa pra outro momento.

    Curiosamente, minha mãe assistiu no cinema quando estava grávida de mim, no final de 74/começo de 75 - antigamente, se os filmes demoravam pra chegar no Brasil, imagina no interior!

    Deu vontade de baixar "O iluminado" e ver o filme inteiro porque, TODA VEZ que tentei, dormi em algum momento!

    Beijão, delicioso fds.

    P.S. Vai no Maracanã domingo??

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  2. Realmente, Sheila, eu só não saí com medo da minha sombra do cinema porque, como escrevi, fui vê-lo à tarde. Até pensei em assisti-lo à noite, para ficar uma experiência mais completa, mas desisti. Era isso ou conseguir dormir depois!

    Sobre "O iluminado", se um dia você conseguir vê-lo até o fim, recomendo que depois procure assistir ao documentário "Quarto 237", que revela, segundo fãs e admiradores do filme, segredos ocultos que podem ser encontrados e interpretados ao longo da narrativa. Curioso que é a segunda vez que vejo alguém falar mal desse filme do Kubrick. E confesso que até hoje nunca vi ninguém elogiá-lo! Será mais marketing que outra coisa?

    Não irei ao Maraca domingo. Ingresso era muito caro... E jogo de seleção normalmente é mais complicado, muita multidão pro meu gosto.

    Beijão - ótimo final de semana.

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  3. Oi Giu,

    Aff, esqueci de voltar aqui pra ver sua resposta! rsrs

    Não entendi: "Curioso que é a segunda vez que vejo alguém falar mal desse filme do Kubrick. E confesso que até hoje nunca vi ninguém elogiá-lo! Será mais marketing que outra coisa?". Você se refere a "O iluminado"? Não o acho ruim, o problema é que sempre passa em horários soníferos...

    Beijão.

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  4. Ah, bom, agora que você explicou... Pensei que você o achasse tão chato que sempre dormia durante a exibição (rs).

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