Setenta anos de perseguição sem censura. Até agora. |
Os desenhos já
não são mais exibidos há anos nos canais de TV locais. É claro que no Brasil
nunca houve qualquer restrição, porque lembro-me de assisti-los com freqüência
quando criança. Não sei se pela época mais livre e permissiva daquele tempo, os
bons e velhos anos 80, ou se pela minha natural ingenuidade infantil, jamais vi
indícios de preconceito ou apologias contrárias à moral e aos bons costumes.
Para mim, eram apenas desenhos animados, e é como continuo vendo-os ainda hoje,
já adulto e, portanto, quando poderia identificar um discurso nazi-fascista
dissimulado em meio às peripécias da dupla.
Naturalmente, a
proibição chamou a atenção para os desenhos, que, em condições normais,
passariam despercebidos em meio a outros de alguma coletânea. Mesmo porque
estão disponíveis na internet para quem quiser ver e tiver um pouco de
paciência para procurá-los. Mas o leitor do CineComFritas que, como eu, ficou curioso para saber o que há de tão errado nos desenhos, não precisa perder tempo caçando ambos na rede: pode assisti-los diretamente aqui no blog.
O primeiro, Mouse cleaning, de 1948, foi
vetado sob a alegação de promover conteúdo de sugestão racista, já que o gato aparece com o rosto pintado de preto, uma cena bem rápida, quase no final. Veja abaixo e tire suas conclusões.
Forçando demais a barra, e fazendo um esforço de associação de idéias e imagens, podemos perceber uma mensagem subjetiva: admite-se que os "negros" sejam enxotados de suas casas, ou de casas alheias, em nome de uma atmosfera de "limpeza" e ordem. Crianças entenderiam assim?
O outro desenho
censurado foi Casanova cat, de 1951. Contra este, pesam mais
argumentos, todos insustentáveis: excesso de violência (aqui há tanto quanto em
qualquer outro desenho da dupla), racismo, incentivo ao tabagismo e não sei
como também não o acusaram de apologia ao homossexualismo! Você pode ver - ou
não - tudo isso no vídeo abaixo.
De
novo é preciso forçar a barra e ver um resquício subliminar de racismo, com os
"negros" servindo de instrumento de riso usado pelos
"brancos". E de novo: alguma criança estabeleceria esse tipo de
relação? Admito que só fiz essas interpretações porque fui direcionado a tanto.
A maldade está, como sempre, nos olhos do adulto, que prefere o caminho fácil
da censura ao diálogo aberto com os filhos, explicando que não existem
diferenças entre as raças.
Apesar da
gritaria dos fãs, a Warner emitiu uma nota em que reafirma sua intenção de não
voltar atrás na decisão do veto: "A empresa sentiu que certo conteúdo
seria inapropriado para o público alvo (crianças) e por isso excluiu
alguns trechos." Fãs escreverem em uma rede social revoltados com a
censura, defendendo que não é possível corrigir erros do passado simplesmente
ignorando-os, para fingir que nunca existiram. "É uma vergonha omitir
peças históricas numa coleção", protestou um. A cultura de um tempo sempre
se reflete nos elementos artísticos de sua época. Se ela traz resquícios de um
pensamento que hoje seria moralmente condenável, é porque ele estava presente
na sociedade de então. Querer passar a borracha em um passado que traz
constrangimento aos nossos dias belicosos guiados pelo politicamente correto,
em que até o humor é patrulhado para não ferir sensibilidades de algumas fatias
da sociedade, é assumir a repressão orwelliana prevista em 1984, quando, sob as ordens do
Grande Irmão, a história era constantemente apagada e reescrita, mantendo a
fantasia de que tudo era perfeito e limpo.
A capa da coleção incompleta. |
A melhor resposta que o público pode dar a essa arbitrariedade, e,
ao mesmo tempo, demonstrar seu descontentamento com a interferência de uma
suposta "autoridade superior" que pode decidir o que deve ou não ser
visto, é deixar de comprar a coletânea e fazê-la encalhar nas prateleiras. Será
que a Warner recolherá o produto e o lançará completo, como se espera de uma
peça de coleção?
Nenhum comentário:
Postar um comentário