A lei de Hannah (2012) |
Faroestes
estrelados por mulheres não são exatamente novidade. Já eram feitos nos anos 50
(Ardida como pimenta, 53, com Doris
Day). Na década de 90, foram três quase em seguida (Três mulheres e um destino, 94; Rápida
e mortal, 95, com Sharon Stone; e A forasteira,
95, com a brasileira Vanusa Spindler). Recentemente houve Bandidas (2008, com Penélope Cruz e Victória Abril). Então, este A lei de Hannah seria apenas mais um do
lote. Mas há um elemento distintivo: a forma como a protagonista é apresentada.
Hannah só é mulher para fins de gênero, sem que isso determine qualquer traço
de seu comportamento.
O
avanço feminino em diferentes campos da sociedade é inquestionável e
irreversível. Como uma arte que reflete seu tempo, o cinema reproduz tal avanço
na reconstrução de suas personagens femininas, seja apresentando uma
complexificação da protagonista, que passa a enfrentar dilemas mais próximos de
sua realidade, seja introduzindo novos formatos de heroínas, que não ficam
simplesmente de braços cruzados esperando pelo príncipe encantado: arregaçam as
mangas, vão à luta, buscam direitos e tentam se reposicionar no mundo. A
mocinha frágil e sonhadora não existe mais, nem tem mais espaço. É assim que o
faroeste, um gênero por essência masculino, também se reinventa e, acompanhando
os tempos que correm (é uma produção recente), dispensa as prostitutas de saloon e as vaqueirinhas indefesas e dá
voz a Hannah, uma caçadora de recompensas que se põe em pé de igualdade com os
homens do lugarejo de Dodge City, no Kansas, em 1878.
O
roteiro parte do mais surrado clichê do gênero. Quando criança, Hannah viu seus
pais serem mortos e seu irmão seqüestrado por uma quadrilha. Doze anos depois,
já adulta, retorna à cidade e busca os assassinos de sua família, enquanto
captura bandidos procurados para se manter financeiramente. Em sua cruzada,
contará com a ajuda do jovem xerife Wyatt Earp, do delegado Doc Holliday e de
uma amiga.
Em
sua trilha por justiça, Hannah desconsidera seu sexo. Ela é mulher, sim, mas não faz
disso um privilégio frente às adversidades que precisa superar para alcançar
seu intento. Hannah não se preocupa em seduzir os inimigos, em tentar ganhar a
confiança deles usando seus atributos femininos, não vai para a cama com eles
visando se vingar no momento do orgasmo. Da mesma forma, sua condição de mulher
é praticamente ignorada pelo bando que ela persegue, e que, por sua vez, também
tenta eliminá-la na tradicional cena de duelo. Há uma única referência a isso,
quando o líder da quadrilha vê Hannah em posição de tiro e diz, entre dentes:
"Ela não passa de uma mulher." O que poderia inflamar um discurso de supremacia
masculina se limita a uma frase perdida em meio aos diálogos e ao barulho das
balas que se segue. Ou seja, Hannah alcança a ampla e utópica igualdade que muitas
feministas se esgoelam para defender, sem, contudo, apresentar propostas realmente igualitárias para isso. Ela é, antes e acima de tudo, uma pessoa em busca de
vingança. É mulher por determinação genética, mas isso não faz a menor
diferença na forma como se comporta perante o mundo.
Antes de Wyatt Earp, era Hannah quem punha ordem no Oeste. |
Alguns
podem afirmar que o personagem é absurdo, que jamais haveria espaço para alguém
como Hannah na "vida real", sobretudo em um universo tão viril quanto
o romanceado Velho Oeste. Pode até ser. Mas é inegável que ela está
perfeitamente conectada com os tempos atuais, não importa que a história se
passe no século XIX. Não deixa de ser uma forma de "modernizar" o
gênero, normalmente rejeitado pelo público feminino, que pode, assim, se
sensibilizar e se interessar por ele.
Quem
assina a direção, correta mas sem qualquer ousadia, é Rachel Talalay, de
carreira breve e desastrosa no cinema. Estreou com A hora do pesadelo 6 (1991), fez a seguir o fracassado O fantasma da máquina (1993) e o hoje esquecido
Tank girl - Detonando o futuro (1995).
Encontrou na televisão um nicho seguro, dirigindo inúmeros episódios de séries (Ally McBeal, O vidente), incluindo esta produção,
feita para o canal Sony. Sara Canning (também de séries, Diários de um vampiro e Smallville,
entre outras) dá vida a Hannah, coadjuvada luxuosamente por Billy Zane e Danny
Glover.
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