quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A primeira baixa

A presidente Dilma Rousseff gosta de se referir à Copa do Mundo do Brasil como "a Copa das Copas", em parte para valorizar o produto, em parte para responder às provocações de Joseph Blatter, o mandachuva da Fifa, para quem as obras estão sempre atrasadas e fora do padrão de organização da entidade. Certamente, ao usar tal alcunha, Dilma não se refere aos aspectos organizacionais do evento, tais como aeroportos, mobilidade urbana, rede hoteleira etc. Se tivesse de pitaquear sobre algum desses temas, é muito provável que a presidente se pusesse a perolar sem chegar a qualquer conclusão efetiva. Todos nós, brasileiros, sabemos qual será a suposta herança da Copa do Mundo. As obras de ampliação dos aeroportos, por exemplo, tão aguardadas pela população, irão se limitar aos esperados "puxadinhos" provisórios, que serão desfeitos tão logo acabe a competição. Em Salvador, as obras de fundação da via metroviária foram interrompidas e provavelmente terminarão esquecidas, já que não haverá interesse maior depois da Copa – afinal, a justificativa para tais melhorias já terá passado, e os anseios populares não contam, afinal de contas.

A tal "Copa das Copas", tão decantada pela presidente aos quatro cantos, só vai ocorrer mesmo dentro das quatro linhas, e neste sentido Dilma tem toda a razão. Todas as seleções campeãs do mundo estarão participando, algo que poucas vezes aconteceu na história da competição. A grande concentração de craques mundiais também é um atrativo e tanto para o torcedor brasileiro, que se acostumou a vê-los pela televisão. Alguns já jogaram aqui por ocasião da Copa das Confederações, casos de Balotelli (Itália), Hernández (México), Suárez (Uruguai), Xavi e Iniesta (Espanha). Outros atuaram uma vez em amistosos, como Rooney (Inglaterra) e Cristiano Ronaldo (Portugal). Mas a maioria vai mesmo fazer sua estréia em gramados brasileiros, e entre eles é claro que se inclui a estrela principal, Lionel Messi (Argentina), talvez o fator que justifique uma inusitada torcida nacional pela seleção dos hermanos, pelo menos até que cheguem a uma hipotética final com o Brasil.

Falcao García: menos uma estrela na "Copa das Copas"?
Da constelação de grandes jogadores, duas ausências já estão garantidas. Uma é a do marrento sueco Ibrahimovic, que, em um arroubo de humildade, declarou que qualquer torneio que não conte com sua presença em campo não merece ser visto. Outra, confirmada nos últimos dias, é a do colombiano Falcao García, que se contundiu gravemente em jogo do Campeonato Francês na semana passada. O relatório médico foi implacável: seis meses de estaleiro, o que tira o atacante automaticamente da Copa. O próprio Falcao postou em uma rede social que está otimista na recuperação, apesar de tudo, e que ainda tem esperança de disputar o torneio. Mas é difícil. Ainda que o jogador não apresente o mesmo peso de outros craques de primeira grandeza do panteão mundial do futebol, como os já citados, e ainda Neymar, Drogba, Van Persie etc., sua ausência se fará sentir, sobretudo, por ser o grande nome da Colômbia, que caiu em um grupo relativamente fácil e que tem no atacante o fator de desequilíbrio frente a adversários de calibre mais fraco. Sem ele no comando do ataque, a Colômbia até pode conseguir sucesso na Copa, mas sem dúvida será uma tarefa mais parelha  e mesmo as chances de ir mais adiante ficam comprometidas.

Pela sua idade (27 anos), Falcao García ainda tem chances de disputar mais um mundial, talvez o de 2018, na Rússia. O grande adversário passa a ser a instabilidade de sua seleção. A Colômbia é uma dessas equipes que apresenta safras sazonais de bons jogadores, e nem sempre tem presença garantida em um mundial, ao contrário do que normalmente acontece com as potências do continente. Pode ser que a próxima geração não seja tão bem entrosada ou talentosa a ponto de ganhar uma vaga no campo. Pode ser que Falcao chegue ao próximo mundial já distante de sua melhor forma  como está hoje, seria sem dúvida uma das grandes atrações da torcida e do mundial. O fato é que, se não puder jogar uma Copa, ao menos Falcao estará em boa companhia, já que é grande a lista de craques que nunca a disputaram.

É o primeiro desfalque da "Copa das Copas" dentro do campo. Porque, fora, nem vale a pena listar todas as baixas.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Quando Thelma e Louise saíram para dançar

Simplesmente uma mulher (2012)
Duas mulheres com problemas conjugais se tornam amigas por força das circunstâncias, abandonam os respectivos lares e caem na estrada em busca de uma vida melhor. A sinopse parece a de Thelma e Louise, mas cabe perfeitamente em Simplesmente uma mulher, do franco-argelino Rachid Bouchareb. Embora realizados com mais de 20 anos de diferença, é impossível não lembrar do road movie de Ridley Scott, que, em essência, troca as armas usadas pelas protagonistas daquele filme pelos movimentos corporais e sensuais da dança do ventre.

Lançado em 1991, Thelma e Louise pode ser considerado um clássico daquela década. Gerou imitações, citações (há um curta brasileiro, Célia e Rosita, que aproveita a idéia central, mas em tom de paródia), além de alçar ao estrelato um jovem Brad Pitt, que fazia uma ponta como um cafajeste. O libelo feminista de Scott conquistou platéias pelo mundo, ganhou prêmios, incluindo um Oscar de Roteiro Original, e ganhou ainda mais força ao longo do tempo sobretudo por nunca ter tido continuações ou, alegria, irmãos!, uma refilmagem. Na trama, duas mulheres (Susan Sarandon e Geena Davis) fogem de seus maridos violentos e inúteis e de suas vidinhas modorrentas a bordo de um Thunderbird 66. Pelas estradas, encontram a liberdade, mas também muitos problemas.

Em Simplesmente uma mulher, o ponto de partida é semelhante. Marilyn trabalha como garçonete e faz aulas de dança do ventre no final do dia. Ela é a melhor aluna da classe, mas ainda não se sente segura para fazer apresentações individuais remuneradas. Seu marido está desempregado e usa o pouco dinheiro que tem nas mesas de sinuca e nos botecos da vizinhança. A gota d'água é quando ele se apropria de metade do recém-pago salário de Marilyn e sai para jogar. Do outro lado, vive Molly, uma jovem árabe que se casou por conveniência e agora sofre a rejeição de sua sogra, já que não pode engravidar. As duas se encontram por acaso e se unem para redefinirem suas vidas. Seguem no carro de Marilyn por estradas desconhecidas, mas o passado irá persegui-las por algum tempo. A solução, no entanto, virá pelo viés da dança, longe de qualquer precipício.

Molly e Marilyn dançam para não dançar.
O enfoque aqui é menos na relação problemática das duas mulheres com seus respectivos maridos e mais na metáfora da dança do ventre como elemento fundamental para o "renascimento" de ambas - vale lembrar que ela é uma expressão muito forte na cultura árabe, simbolizando a fertilidade, e, por extensão, a vida e a perpetuação da espécie. A fuga de Marilyn e Molly não ganha os contornos policiais do filme de Scott porque não é esse o objetivo. Os dramas conjugais pelos quais as amigas passam parecem, por vezes, um pretexto para fazer a história decolar, já que os problemas decorrentes da dupla ausência não rendem mais do que boletins de ocorrência na polícia local.

Bouchareb filma tudo com certa frieza, sem imprimir uma marca mais distinta nas cenas, mas consegue bons momentos nas seqüências de dança. Naturalmente, a iraniana Golshifteh Farahani (de Frango com ameixas, uma das atrizes mais lindas do cinema) mostra mais intimidade com os movimentos, enquanto Sienna Miller custa a se acertar, uma falha na construção de uma personagem que é considerada a melhor aluna de sua academia de dança! 

Um filme simpático e bem-feitinho, que teve pouca visibilidade no cinema, onde ficou apenas duas semanas em cartaz, e pode ser descoberto agora em DVD.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Todos os indicados ao Oscar 2014

Contrariando expectativas, não coube a 12 anos de escravidão o recorde de indicações ao Oscar 2014, cujos nomeados em todas as categorias foram divulgados nesta quinta-feira (16/1). O filme do inglês Steve McQueen, vencedor do Globo de Ouro de Drama na semana passada, concorre em 9 categorias, uma a menos que os supostos favoritos, a ficção científica Gravidade, de Alfonso Cuarón, e a comédia dramática Trapaça, de David O. Russel, que chega forte à premiação. Na diversidade temática dos concorrentes deste ano, há ainda espaço para filmes tão díspares quanto Ela, nova bizarrice de Spike Jonze, Nebraska, belo e melancólico road movie assinado por Alexander Payne, e Capitão Phillips, taquicárdico suspense com Tom Hanks, dirigido por Paul Greengrass. Alguns títulos esperados ficaram de fora, como Walt nos bastidores de Mary Poppins, lembrado apenas para trilha sonora (e Tom Hanks não emplacou nem aqui nem por Capitão Phillips), e O mordomo da Casa Branca, que chegou a ser apontado como virtual vencedor em um primeiro momento. Terminou esquecido de tudo, e nem Oprah Winfrey recebeu a nomeação que era esperada.

Outras apostas se confirmaram nas indicações para ator (Leonardo Di Caprio está lá), atriz (Cate Blanchett já deve estar ensaiando o discurso de agradecimento, tamanho seu favoritismo), mas também sobraram surpresas entre as coadjuvantes: lembraram de Sally Hawkings de Blue Jasmine e June Squibb, a octogenária desbocada da história de Payne. Também se lembraram de Barkhad Abdi, que é amador, mas está muito bem como o líder dos piratas de Capitão Phillips.

Mas a disputa promete ser acirrada mesmo entre os filmes estrangeiros. A grande beleza (Itália) e A caça (Dinamarca) parecem travar um duelo particular pelo favoritismo, mas não se pode esquecer de Alabama Monroe - O círculo quebrado (Bélgica), um belo filme que corre por fora e pode surpreender com a divisão de votos de um e outro.

Veja os indicados em todas as categorias do Oscar 2014.

FILME
Trapaça
Gravidade
12 anos de escravidão
Nebraska
Capitão Phillips
Clube de compras Dallas
O lobo de Wall Street
Ela
Philomena

DIRETOR
David O. Russel (Trapaça)
Alfonso Cuarón (Gravidade)
Steve McQueen (12 anos de escravidão)
Alexander Payne (Nebraska)
Martin Scorsese (O lobo de Wall Street)

ATOR
Christian Bale (Trapaça)
Chiwetel Ejiofor (12 anos de escravidão)
Bruce Dern (Nebraska)
Matthew McConaughey (Clube de compras Dallas)
Leonardo Di Caprio (O lobo de Wall Street)

ATRIZ
Amy Adams (Trapaça)
Sandra Bullock (Gravidade)
Judi Dench (Philomena)
Cate Blanchett (Blue Jasmine)
Meryl Streep (Álbum de família)

ATOR COADJUVANTE
Bradley Cooper (Trapaça)
Michael Fassbender (12 anos de escravidão)
Barkhad Abdi (Capitão Phillips)
Jared Leto (Clube de compras Dallas)
Jonah Hill (O lobo de Wall Street)

ATRIZ COADJUVANTE
Jennifer Lawrence (Trapaça)
Lupita Nyongo (12 anos de escravidão)
June Squibb (Nebraska)
Sally Hawkings (Blue Jasmine)
Julia Roberts (Álbum de família)

FILME ESTRANGEIRO
A grande beleza (Itália)
A caça (Dinamarca)
Alabama Monroe – O círculo quebrado (Bélgica)
Omar (Palestina)
A imagem que falta (Camboja)

FILME DE ANIMAÇÃO
Frozen – Uma aventura congelante
Meu malvado favorito 2
Os Croods
Ernest e Celestine
Vidas ao vento

ROTEIRO ORIGINAL
Trapaça
Nebraska
Clube de compras Dallas
Ela
Blue Jasmine

ROTEIRO ADAPTADO
12 anos de escravidão
Capitão Phillips
O lobo de Wall Street
Philomena
Antes da meia-noite

FIGURINOS
Trapaça
12 anos de escravidão
O grande mestre
O grande Gatsby
A mulher invisível

FOTOGRAFIA
Gravidade
Nebraska
O grande mestre
Balada de um homem comum
Os suspeitos

DIREÇÃO DE ARTE
Trapaça
Gravidade
12 anos de escravidão
Ela
O grande Gatsby

MAQUIAGEM
Clube de compras Dallas
O cavaleiro solitário
Vovô sem vergonha

CANÇÃO
"The moon song" (Ela)
"Let it go" (Frozen – Uma aventura congelante)
"Happy" (Meu malvado favorito 2)
"Ordinary love" (Mandela – Longa caminhada até a liberdade)
"Alone yet not alone" (Alone yet not alone)

TRILHA SONORA
Gravidade
Ela
Philomena
A menina que roubava livros
Walt nos bastidores de Mary Poppins

MONTAGEM
Trapaça
Gravidade
12 anos de escravidão
Capitão Phillips
Clube de compras Dallas

EFEITOS ESPECIAIS
Gravidade
O hobbit – A desolação de Smaug
O cavaleiro solitário
Homem de ferro 3
Star trek – Além da escuridão

SOM
Gravidade
Capitão Phillips
O hobbit – A desolação de Smaug
O grande herói
Até o fim

EFEITOS SONOROS
Gravidade
Capitão Phillips
O hobbit – A desolação de Smaug
O grande herói
Balada de um homem comum

DOCUMENTÁRIO
O ato de matar
A praça
A um passo do estrelato
Cutie and the boxer
Dirty wars

DOCUMENTÁRIO CURTO
Cave digger
Facing fear
Karama has no walls
The lady in number 6: music saved my life
Prison terminal: the last days of private Jack Hall

CURTA-METRAGEM
Aquel no era yo
Avant que de tout perdre
Helium
Pitääkö mun kaikki hoitaa?
The Voorman problem

CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO
Feral
Get a horse!
Mr. Hublot
Possessions
Room on the broom

O Oscar, este ano, ocorre no domingo de carnaval, 2 de março, e o resultado você confere aqui, no CineComFritas.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Como rir de um suicídio

A morte de um homem nos Bálcãs (2012)
Em O terceiro tiro (56), o corpo de um homem é constantemente enterrado e desenterrado por uma série de personagens diversos, cada qual com um interesse próprio em dar sumiço no defunto. É uma pequena jóia do humor negro, uma rara comédia na carreira do mestre Hitchcock. Esta parece ter sido a inspiração para outra comédia de humor negro, produzida em 2012 na Sérvia, país cuja cinematografia é praticamente desconhecida por aqui.

Convenhamos que um filme chamado A morte de um homem nos Bálcãs não atrai maior curiosidade, sobretudo depois de lermos a sinopse. Um homem se mata diante de sua webcam e nos momentos seguintes acompanhamos a reação de seus vizinhos, que não sabem o que fazer ou como agir diante da situação inusitada. Inusitadas também são a realização, e mais ainda o resultado obtido com esse material. Mérito para o diretor Miroslav Momcilovic, em seu terceiro trabalho na direção. É desconhecido por aqui, mas tem jeito de que um dia vai pintar como nome a ser observado em algum Festival do Rio. A julgar por este trabalho, bem merece atenção maior.

Aqui temos uma ligeira variação do clássico macabro de Hitch. No caso, o corpo permanece insepulto em um canto da sala, enquanto os demais moradores que entram no apartamento (ou o invadem?) se mostram, primeiro, perplexos diante do que vêem mas, num segundo momento, passam a tratar o morto com indiferença. Quase todos desconhecem detalhes de sua vida. Sabem apenas que era um compositor (aparentemente sem muito sucesso), sem família (ninguém sente sua falta ou reclama o corpo). À medida que o tempo avança, vão se construindo insuspeitas intimidades entre o morto e os vivos. 

Parece uma festa, mas é uma cena de crime.
O primeiro a encontrar a cena é Aca, o zelador. Ele cobiça uma caixa de ferramentas alemãs que, segundo ele, o suicida havia lhe prometido meses antes. Logo se junta o beberrão Vesko, mais interessado em esvaziar a adega local do que em chorar por alguém que efetivamente não conhecia, mas de quem subtrai uma quantia em dinheiro (uma dívida, segundo ele). A seguir, chega o agente funerário, ansioso por encomendar o corpo e também faturar uns cobres por fora. E assim, cada elemento da seqüência parece mais interessado em resolver assuntos particulares do que chorar a morte de um semelhante. Os paramédicos preferem resolver assuntos pessoais ao celular e ver futebol na TV (um jogo do Cesena! Deve ser a maior projeção que este pequeno time italiano já recebeu). Chegam a encomendar uma pizza. O trânsito de Belgrado deve ser um dos mais confusos da Europa, porque o roteiro faz uma piada recorrente a ele (todos estão sempre atrasados por causa de um engarrafamento!). Mas é quando chegam os policiais que o "truque" da webcam é revelado, já que, até então, ninguém sabia que tudo estava sendo gravado. A partir daí, há uma mudança brusca no comportamentos dos personagens. Toda a trama acontece em enxutos 80 minutos.

Se por um lado a realização não chega a ser original toda a trama se passa em um plano só, sem cortes, com câmera fixa, o que é sempre difícil de realizar, e o próprio Hitchcock fez coisa parecida em Festim diabólico (48) , por outro consegue extrair o máximo de sua narrativa teatral, encenada como se o público estivesse assistindo da platéia as (poucas) ações que ocorrem no cenário único, com posicionamento bem marcado de personagens. Eles quase não se movem e se mantêm no mesmo lugar. Embora o roteiro tenha sido escrito diretamente para cinema, cabe perfeitamente ser levado para os palcos, desde que feitas as devidas e óbvias adaptações. A força do filme é o coloquialismo dos diálogos, que responde pela graça da situação, alguns geniais. Quando uma vizinha fofoqueira entra no apartamento e olha a biblioteca cheia de livros do falecido, comenta: "Não é a toa que se matou! É o que acontece com quem lê muito!" A trilha sonora é apenas incidental e todo o elenco está muito à vontade nos papéis, e mesmo os personagens que aparecem pouco têm seus momentos de brilho, como o entregador de pizza.

Alguns espectadores poderão achar cansativo e repetitivo, mas o filme certamente terá seus admiradores. Uma boa surpresa. 

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Os melhores e os piores de 2013

Vi 450 filmes em 2013, 50 a menos que em 2012. Uma diferença que parece pequena, mas acaba se revelando significativa em termos de qualidade. Foi mais difícil montar a lista de melhores que a de piores, e isso considerando que há muita coisa ruim sendo feita, muito filme ruim vendido como a quintessência da genialidade contemporânea, quando na verdade a maioria é de enganadores que querem ser reconhecidos de qualquer jeito. Alguns desses entraram na relação dos piores. Ou seja, mesmo me arriscando cada vez mais, vendo quase tudo que me cai à frente, acabei sendo agraciado pela sorte e pude descobrir ótimos filmes, alguns deles comentados aqui no blog. E na gangorra do cinema brasileiro, cada ponta foi ocupada por um título respectivo.

OS MELHORES


7 caixas: o melhor do ano é um paraguaio legítimo.
7 CAIXAS – Vem do Paraguai o melhor filme que vi em 2013. Seus grandes trunfos são extraídos de sua simplicidade: é movimentado, divertido, tem ótimos personagens e roteiro redondo. Grande sensação do Festival do Rio, dá aula nos blockbusters norte-americanos. Merece ser conhecido.

GATA VELHA AINDA MIA – Regina Duarte e Bárbara Paz travam um duelo de interpretações nessa comédia de humor negro, estréia em longas de Rafael Primot, a partir de uma peça de teatro de sua autoria (ainda não encenada). Um sopro novo no cinema brasileiro.

A DAMA ENJAULADA – O filme-descoberta em DVD do ano. Uma trama tensa a serviço de um roteiro que permite diversas leituras. O novato James Caan e a veterana Olivia de Havilland se destacam em meio a um elenco homogêneo.

SPRING BREAKERS - GAROTAS PERIGOSAS – Esteticamente criativo, o filme de Harmony Korine se vale de belíssimas imagens para debater a falta de perspectivas da juventude atual. Fotografia digital deslumbrante, sublimando a violência de algumas passagens. Um colírio para retinas fatigadas.

AO SOM DO MAR, À LUZ DO CÉU – Produzido pela ESPN e exibido em quatro partes, este documentário faz mais do que contar a história do futebol de areia no Rio de Janeiro: traça um nostálgico painel de uma época e de uma cidade em plena efervescência dos anos 70 e 80.

UM TIGRE DE PAPEL – Eleito um dos dez melhores filmes latino-americanos dos últimos 20 anos. Documentário que alia a forma ao conteúdo para contar a história sociopolítica e cultural da Colômbia por meio da vida de um artista fictício, Pedro Manrique Figueroa. Brincadeira inteligente realizada de forma original.

OS MISERÁVEIS – É possível que os conhecedores da obra clássica de Victor Hugo torçam o nariz para esta primorosa adaptação musical. Mas a realização é tão notável que fica difícil não ver suas inúmeras qualidades. Grandes momentos e final belíssimo.

OS NOMES DE GESHEN – Um filme israelense que trata de homossexualidade. Só isso já valeria a ousadia do roteiro, que, no entanto, é muito mais. Trata-se de uma bela história de amor em todas as suas formas e da nossa capacidade de aceitação do próximo e de suas diferenças.

AZUL É A COR MAIS QUENTE – Kechiche usa três horas intensas para mapear a radiografia de uma paixão, tendo como fio condutor o amadurecimento afetivo, profissional e pessoal de uma jovem de nossos dias. As cenas de sexo são apenas o tempero de uma história desnorteante.

ODETE – Com requinte narrativo, João Pedro Rodrigues constrói um estudo sobre a solidão, a perenização do amor e sobre como ele é capaz de interligar vidas aparentemente desconexas.

OS PIORES

João Miguel entra pelo cano em Periscópio: o pior do ano.
PERISCÓPIO – Que triste ver o cinema brasileiro encabeçando a lista dos piores do ano. Mais triste ainda é ver João Miguel pagando o maior mico de sua carreira estrelando essa trama que se equilibra entre o ridículo e o irritante do sempre presunçoso Kiko Goifman.

THE MOORING – Um roteiro absolutamente sem sentido, sustentando uma trama sem pé nem cabeça, mero encadeamento de cenas violentas e gratuitas. Elenco péssimo. A roteirista Hallie Todd faz o papel da professora e morre no meio, talvez com vergonha da idiotice que escreveu.

SONAR – Chegou cheio de expectativa no Festival do Rio, mas se revelou mais uma dessas fitinhas supostamente geniais, como há tantas por aí. Praticamente sem história, apenas um tedioso desfilar de cenas que, em alguns casos, beiram o constrangedor.

A HOSPEDEIRA – Um fiasco. O livro de Stephanie Meyer já é de uma chatice ímpar, enrolando uma total falta de assunto por quase 600 páginas. A adaptação não melhora as coisas em nada, a história continua lenta e confusa. Pobre do William Hurt, o que ele ainda tem de fazer para ganhar a vida!

DOCE DE COCO – Produção catarinense de 2008, que ficou inédita no resto do país e só chegou a mim graças à Lei da TV Paga, que favoreceu sua exibição. Mas devia permanecer no limbo. Absolutamente sem graça, ainda prejudicado por um final sombrio, que envereda pela crítica social. Tem uma atriz bonita (Maria Carolina Vieira) e mais nada.

MEU NAMORADO É UM ZUMBI – Uma salada de gêneros (comédia, terror, ficção científica) servida sem qualquer tempero. Houve quem o comparasse à "saga" Crepúsculo, só que o romance de Bella e Edward é uma obra-prima perto desse aqui.

TORTURAS ORGÁSTICAS NA CLÍNICA SATANISTA – O título bizarro do ano. O filme já assusta a partir do título e a realização é muito pior. Brincadeira amadora sem qualquer compromisso com a lógica. Nem as cenas eróticas, que deveriam ser um atrativo, funcionam.

O JOGO DA COELHINHA – Outro filme barato e descartável, feito para chocar, na linha de Um filme sérvio. Praticamente sem enredo, apenas uma longuíssima sessão de tortura. O único "mérito" é a coragem da atriz em se expor, de cabeça raspada e tudo.

OS AMANTES PASSAGEIROS – Almodóvar já havia errado com A pele que habito, seu trabalho anterior, e voltou a decepcionar nesse filme nulo de criatividade, com roteiro preguiçoso que nunca decola e brinda o espectador com cenas constrangedoras. Retrocesso na carreira do mestre.

TIO KENT – O diretor Joe Swanberg confunde filme independente com filme indigente. A trama nunca chega a despertar qualquer interesse do espectador. Além disso, é lenta e irritantemente amadora.