quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Como rir de um suicídio

A morte de um homem nos Bálcãs (2012)
Em O terceiro tiro (56), o corpo de um homem é constantemente enterrado e desenterrado por uma série de personagens diversos, cada qual com um interesse próprio em dar sumiço no defunto. É uma pequena jóia do humor negro, uma rara comédia na carreira do mestre Hitchcock. Esta parece ter sido a inspiração para outra comédia de humor negro, produzida em 2012 na Sérvia, país cuja cinematografia é praticamente desconhecida por aqui.

Convenhamos que um filme chamado A morte de um homem nos Bálcãs não atrai maior curiosidade, sobretudo depois de lermos a sinopse. Um homem se mata diante de sua webcam e nos momentos seguintes acompanhamos a reação de seus vizinhos, que não sabem o que fazer ou como agir diante da situação inusitada. Inusitadas também são a realização, e mais ainda o resultado obtido com esse material. Mérito para o diretor Miroslav Momcilovic, em seu terceiro trabalho na direção. É desconhecido por aqui, mas tem jeito de que um dia vai pintar como nome a ser observado em algum Festival do Rio. A julgar por este trabalho, bem merece atenção maior.

Aqui temos uma ligeira variação do clássico macabro de Hitch. No caso, o corpo permanece insepulto em um canto da sala, enquanto os demais moradores que entram no apartamento (ou o invadem?) se mostram, primeiro, perplexos diante do que vêem mas, num segundo momento, passam a tratar o morto com indiferença. Quase todos desconhecem detalhes de sua vida. Sabem apenas que era um compositor (aparentemente sem muito sucesso), sem família (ninguém sente sua falta ou reclama o corpo). À medida que o tempo avança, vão se construindo insuspeitas intimidades entre o morto e os vivos. 

Parece uma festa, mas é uma cena de crime.
O primeiro a encontrar a cena é Aca, o zelador. Ele cobiça uma caixa de ferramentas alemãs que, segundo ele, o suicida havia lhe prometido meses antes. Logo se junta o beberrão Vesko, mais interessado em esvaziar a adega local do que em chorar por alguém que efetivamente não conhecia, mas de quem subtrai uma quantia em dinheiro (uma dívida, segundo ele). A seguir, chega o agente funerário, ansioso por encomendar o corpo e também faturar uns cobres por fora. E assim, cada elemento da seqüência parece mais interessado em resolver assuntos particulares do que chorar a morte de um semelhante. Os paramédicos preferem resolver assuntos pessoais ao celular e ver futebol na TV (um jogo do Cesena! Deve ser a maior projeção que este pequeno time italiano já recebeu). Chegam a encomendar uma pizza. O trânsito de Belgrado deve ser um dos mais confusos da Europa, porque o roteiro faz uma piada recorrente a ele (todos estão sempre atrasados por causa de um engarrafamento!). Mas é quando chegam os policiais que o "truque" da webcam é revelado, já que, até então, ninguém sabia que tudo estava sendo gravado. A partir daí, há uma mudança brusca no comportamentos dos personagens. Toda a trama acontece em enxutos 80 minutos.

Se por um lado a realização não chega a ser original toda a trama se passa em um plano só, sem cortes, com câmera fixa, o que é sempre difícil de realizar, e o próprio Hitchcock fez coisa parecida em Festim diabólico (48) , por outro consegue extrair o máximo de sua narrativa teatral, encenada como se o público estivesse assistindo da platéia as (poucas) ações que ocorrem no cenário único, com posicionamento bem marcado de personagens. Eles quase não se movem e se mantêm no mesmo lugar. Embora o roteiro tenha sido escrito diretamente para cinema, cabe perfeitamente ser levado para os palcos, desde que feitas as devidas e óbvias adaptações. A força do filme é o coloquialismo dos diálogos, que responde pela graça da situação, alguns geniais. Quando uma vizinha fofoqueira entra no apartamento e olha a biblioteca cheia de livros do falecido, comenta: "Não é a toa que se matou! É o que acontece com quem lê muito!" A trilha sonora é apenas incidental e todo o elenco está muito à vontade nos papéis, e mesmo os personagens que aparecem pouco têm seus momentos de brilho, como o entregador de pizza.

Alguns espectadores poderão achar cansativo e repetitivo, mas o filme certamente terá seus admiradores. Uma boa surpresa. 

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