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A morte de um homem nos Bálcãs (2012) |
Em
O terceiro tiro (56), o corpo de um
homem é constantemente enterrado e desenterrado por uma série de personagens
diversos, cada qual com um interesse próprio em dar sumiço no defunto. É uma
pequena jóia do humor negro, uma rara comédia na carreira do mestre Hitchcock.
Esta parece ter sido a inspiração para outra comédia de humor negro, produzida
em 2012 na Sérvia, país cuja cinematografia é praticamente desconhecida por
aqui.
Convenhamos
que um filme chamado A morte de um homem
nos Bálcãs não atrai maior curiosidade, sobretudo depois de lermos a
sinopse. Um homem se mata diante de sua webcam e nos momentos seguintes
acompanhamos a reação de seus vizinhos, que não sabem o que fazer ou como agir
diante da situação inusitada. Inusitadas também são a realização, e mais ainda
o resultado obtido com esse material. Mérito para o diretor Miroslav
Momcilovic, em seu terceiro trabalho na direção. É desconhecido por aqui, mas
tem jeito de que um dia vai pintar como nome a ser observado em algum Festival
do Rio. A julgar por este trabalho, bem merece atenção maior.
Aqui
temos uma ligeira variação do clássico macabro de Hitch. No caso, o corpo
permanece insepulto em um canto da sala, enquanto os demais moradores
que entram no apartamento (ou o invadem?) se mostram, primeiro, perplexos diante
do que vêem mas, num segundo momento, passam a tratar o morto com indiferença.
Quase todos desconhecem detalhes de sua vida. Sabem apenas que era um compositor
(aparentemente sem muito sucesso), sem família (ninguém sente sua falta ou
reclama o corpo). À medida que o tempo avança, vão se construindo insuspeitas intimidades entre o morto e os vivos.
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Parece uma festa, mas é uma cena de crime. |
O
primeiro a encontrar a cena é Aca, o zelador. Ele cobiça uma caixa de
ferramentas alemãs que, segundo ele, o suicida havia lhe prometido meses antes.
Logo se junta o beberrão Vesko, mais interessado em esvaziar a adega local do
que em chorar por alguém que efetivamente não conhecia, mas de quem subtrai uma
quantia em dinheiro (uma dívida, segundo ele). A seguir, chega o agente
funerário, ansioso por encomendar o corpo e também faturar uns cobres por fora. E assim, cada elemento da seqüência parece mais interessado em resolver assuntos particulares do que chorar a morte de um semelhante. Os paramédicos preferem resolver assuntos
pessoais ao celular e ver futebol na TV (um jogo do Cesena! Deve ser a maior
projeção que este pequeno time italiano já recebeu). Chegam a encomendar uma pizza. O trânsito de Belgrado deve ser um dos mais confusos da Europa, porque o roteiro faz uma piada recorrente a ele (todos estão sempre atrasados por causa de um engarrafamento!). Mas é quando chegam os policiais que o "truque" da webcam é revelado, já que, até então, ninguém
sabia que tudo estava sendo gravado. A partir daí, há uma mudança brusca no
comportamentos dos personagens. Toda a trama acontece em enxutos 80 minutos.
Se
por um lado a realização não chega a ser original – toda a trama se
passa em um plano só, sem cortes, com câmera fixa, o que é sempre difícil de
realizar, e o próprio Hitchcock fez coisa parecida em Festim diabólico (48) – , por outro consegue extrair o máximo
de sua narrativa teatral, encenada como se o público estivesse assistindo da
platéia as (poucas) ações que ocorrem no cenário único, com posicionamento bem marcado de
personagens. Eles quase não se movem e se mantêm no mesmo lugar.
Embora o roteiro tenha sido escrito diretamente para cinema, cabe perfeitamente
ser levado para os palcos, desde que feitas as devidas e óbvias adaptações. A
força do filme é o coloquialismo dos diálogos, que responde pela graça da
situação, alguns geniais. Quando uma vizinha fofoqueira entra no apartamento e
olha a biblioteca cheia de livros do falecido, comenta: "Não é a toa que
se matou! É o que acontece com quem lê muito!" A trilha sonora é apenas
incidental e todo o elenco está muito à vontade nos papéis, e mesmo os
personagens que aparecem pouco têm seus momentos de brilho, como o entregador
de pizza.
Alguns
espectadores poderão achar cansativo e repetitivo, mas o filme certamente terá
seus admiradores. Uma boa surpresa.
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