quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Quando Thelma e Louise saíram para dançar

Simplesmente uma mulher (2012)
Duas mulheres com problemas conjugais se tornam amigas por força das circunstâncias, abandonam os respectivos lares e caem na estrada em busca de uma vida melhor. A sinopse parece a de Thelma e Louise, mas cabe perfeitamente em Simplesmente uma mulher, do franco-argelino Rachid Bouchareb. Embora realizados com mais de 20 anos de diferença, é impossível não lembrar do road movie de Ridley Scott, que, em essência, troca as armas usadas pelas protagonistas daquele filme pelos movimentos corporais e sensuais da dança do ventre.

Lançado em 1991, Thelma e Louise pode ser considerado um clássico daquela década. Gerou imitações, citações (há um curta brasileiro, Célia e Rosita, que aproveita a idéia central, mas em tom de paródia), além de alçar ao estrelato um jovem Brad Pitt, que fazia uma ponta como um cafajeste. O libelo feminista de Scott conquistou platéias pelo mundo, ganhou prêmios, incluindo um Oscar de Roteiro Original, e ganhou ainda mais força ao longo do tempo sobretudo por nunca ter tido continuações ou, alegria, irmãos!, uma refilmagem. Na trama, duas mulheres (Susan Sarandon e Geena Davis) fogem de seus maridos violentos e inúteis e de suas vidinhas modorrentas a bordo de um Thunderbird 66. Pelas estradas, encontram a liberdade, mas também muitos problemas.

Em Simplesmente uma mulher, o ponto de partida é semelhante. Marilyn trabalha como garçonete e faz aulas de dança do ventre no final do dia. Ela é a melhor aluna da classe, mas ainda não se sente segura para fazer apresentações individuais remuneradas. Seu marido está desempregado e usa o pouco dinheiro que tem nas mesas de sinuca e nos botecos da vizinhança. A gota d'água é quando ele se apropria de metade do recém-pago salário de Marilyn e sai para jogar. Do outro lado, vive Molly, uma jovem árabe que se casou por conveniência e agora sofre a rejeição de sua sogra, já que não pode engravidar. As duas se encontram por acaso e se unem para redefinirem suas vidas. Seguem no carro de Marilyn por estradas desconhecidas, mas o passado irá persegui-las por algum tempo. A solução, no entanto, virá pelo viés da dança, longe de qualquer precipício.

Molly e Marilyn dançam para não dançar.
O enfoque aqui é menos na relação problemática das duas mulheres com seus respectivos maridos e mais na metáfora da dança do ventre como elemento fundamental para o "renascimento" de ambas - vale lembrar que ela é uma expressão muito forte na cultura árabe, simbolizando a fertilidade, e, por extensão, a vida e a perpetuação da espécie. A fuga de Marilyn e Molly não ganha os contornos policiais do filme de Scott porque não é esse o objetivo. Os dramas conjugais pelos quais as amigas passam parecem, por vezes, um pretexto para fazer a história decolar, já que os problemas decorrentes da dupla ausência não rendem mais do que boletins de ocorrência na polícia local.

Bouchareb filma tudo com certa frieza, sem imprimir uma marca mais distinta nas cenas, mas consegue bons momentos nas seqüências de dança. Naturalmente, a iraniana Golshifteh Farahani (de Frango com ameixas, uma das atrizes mais lindas do cinema) mostra mais intimidade com os movimentos, enquanto Sienna Miller custa a se acertar, uma falha na construção de uma personagem que é considerada a melhor aluna de sua academia de dança! 

Um filme simpático e bem-feitinho, que teve pouca visibilidade no cinema, onde ficou apenas duas semanas em cartaz, e pode ser descoberto agora em DVD.

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