Obaba (2005) |
"Se
há uma cidade da qual o mundo não sentirá a menor falta, esta cidade é
Dogville." A última fala de Nicole Kidman na obra-prima Dogville, de Lars Von Trier, pode ser
aplicada também a Obaba, vilarejo perdido nas montanhas ibéricas imaginado pelo
escritor Bernardo Atxaga no livro Obabakoak
(não lançado no Brasil) e levado às telas por Montxo Armendariz. No
entanto, ao contrário da comunidade concebida por Von Trier, esta aqui não
atrai o espectador, não apresenta sequer conflitos que justifiquem sua
existência.
Filmes
que se dividem em episódios normalmente são irregulares por natureza, mas Obaba se esmera na arte de enfileirar
histórias e situações sem que haja qualquer sentido oculto no final das contas.
Já começa enganando o espectador, que pensa estar diante de uma trama de
suspense. Uma jovem conduz seu carro por uma estrada sinuosa, à noite, quando
encontra um homem atravessando a pista com um lagarto na mão (!). Ela pergunta
quanto falta para chegar a Obaba e recebe a estranha resposta: "87
curvas". Essa obsessão numérica tornada clara pelo informante - logo
depois, a jovem confessa que tudo na cidade era medido por grandezas numerais,
não por precisões referenciais, como duas quadras ou quatro ruas - aparece em
outros momentos isolados do filme, sem, contudo, acrescentar nada de efetivo ao
clima ou ao desenvolvimento, tanto da história, quanto dos personagens. Assim
ela chega ao local e se hospeda no único hotel da cidade, administrado pelo
mesmo homem que lhe fornecera a informação horas antes. A jovem está lá para
finalizar um trabalho acadêmico da faculdade de Cinema, e, sem uma razão muito
convincente, decide escavar o passado daquele lugar, ouvindo as histórias de
vida dos poucos moradores que ainda restaram.
O
roteiro vai, então, montando a narrativa em dois planos alternados. No
principal, vemos flashes de diversos pequenos episódios envolvendo alguns
antigos habitantes, todos centralizados de certa forma na figura da professora
(Pilar López de Ayala), responsável por um escândalo na cidade, e cuja vida se
entrelaça à de seus alunos, cada qual guardando um segredo que será devidamente
explicado ao longo do filme. O plano secundário mostra o gradual envolvimento
da estudante com os moradores restantes, que reconstroem o passado da cidade a partir de suas lembranças, que podem ser autênticas ou degradadas pela memória e até por motivos particulares. No processo, a jovem se sente indelevelmente atraída
por Obaba, ainda que a cidade nada tenha de especial. O suspense não se instala e a trama caminha a passos trôpegos.
Jogo do erro único: há algo perturbador nesta foto. |
Embora
haja elementos suficientes para instigar o espectador, eles simplesmente não
são bem desenvolvidos, gerando certa frustração. Por exemplo, se a finalidade
dos muitos lagartos que rastejam pela cidade acaba sendo explicada nas
entrelinhas, por outro lado, a obsessão do hoteleiro pelos répteis soa
gratuita, sem uma motivação firme que a sustente. A imagem perturbadora que a
estudante flagra na antiga foto do colégio pode denotar um fato cruel,
defendido como lenda contada pelos mais antigos, ou ser apenas uma travessura
sem maiores conseqüências. O espectador decide em que acreditar.
Obaba termina sendo
um filme sobre nada. Poderia ter rendido uma história envolvente, um drama
pontuado de mistério, mas se perde em uma narrativa lenta e desinteressante.
Quem resolver embarcar na viagem feita pela heroína talvez descubra um universo
tão poético quanto trágico. Não foi o meu caso. A elogiar, a beleza das
locações e de Bárbara Lennie, que interpreta a jovem pesquisadora e foi
indicada ao Goya de Atriz Estreante em 2006 (e esteve em A pele que habito, de Almodóvar). A
produção ainda concorreu em outras 9 categorias, incluindo Filme, Diretor,
Atriz Coadjuvante (Pilar) e Roteiro Adaptado, e ganhou o prêmio de Melhor Som.
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