Boyhood - Da infância à juventude (2014) |
Aclamado
unanimemente no último Festival do Rio, quando teve todas as suas sessões
lotadas, apontado como forte candidato ao Oscar, incensado pela crítica
profissional em diversos veículos, Boyhood
(que por aqui ganhou o subtítulo Da
infância à juventude) é o filme da temporada, aquele que todo mundo já viu
ou vai ver. Algo como foi Gravidade no
ano passado. Fiquei pensando que talvez fosse este o cinco-estrelas que me
faltou na edição do evento. Somente agora consegui vê-lo no circuito. E
continuei pensando... talvez fosse.
Tirei
duas conclusões. Primeira: estou velho, chato, ranzinza, insensível,
praticamente às raias da indiferença. Daí chego à segunda: deve ser por isso
que cada vez entendo menos esse frenesi que público e crítica fazem em torno de
certos filmes, recebidos como a reinvenção do cinema, obras-primas
incontestáveis, fenômenos de criatividade e realização. O filme não me disse
nada. Não houve um único e desgraçado segundo ao longo de suas quase três horas
de duração que tenha dialogado comigo, me emocionado ou me surpreendido de
alguma forma. O problema nada tem a ver com a longuíssima metragem:
simplesmente é difícil suportar uma história que se arrasta sem apresentar
qualquer conflito.
Até
quem ainda não viu Boyhood deve saber
do que se trata. Este é o filme que o diretor Richard Linklater levou 12 anos
para concluir, período de tempo ao longo do qual acompanhou o amadurecimento e
envelhecimento do ator principal, Ellar Coltrane (que tem pouquíssimos e
esparsos créditos na carreira, estreou em Dinheiro
e má companhia, 2002, e fez Nação
fast-food, 2006). Em torno dessas mudanças, de personalidade, mentalidade e
aparência física, criou um roteiro que se desenvolve ao longo do mesmo espaço
de tempo. Assim, quando o filme começa, Mason (Coltrane) tem 6 anos; quando
termina, está com 18, no começo da vida adulta, prestes a ingressar na
universidade.
Reunião de família. Para falar de quê, mesmo? |
Por
pouco mais de uma década de sua vida, Mason vivencia problemas familiares, as
constantes mudanças de endereço da mãe (Patrícia Arquette), os encontros
esporádicos com o pai (Ethan Hawke), a difícil convivência com os dois novos
padrastos: um atraente professor universitário que se transforma quando bebe, a
ponto de agredir a mãe do menino; e um militar, a primeira namorada, o primeiro
fora, o primeiro bullying etc. Ou
seja, cenas de uma vida comum. Paralelamente, o diretor monta um interessante
painel da sociedade e dos hábitos norte-americanos, por extensão refletidos em
várias partes do planeta, entrelaçando a vida de Mason com fatos marcantes ocorridos
na última década, como a eleição de Barack Obama e a febre provocada pelo
lançamento de mais um livro da saga de
Harry Potter (no caso, o penúltimo, Harry
Potter e o enigma do príncipe).
Boyhood ganhou fama
muito antes de ficar pronto ou ser lançado por conta da proposta de
"cinema-verdade" encampada pelo diretor. Ele acompanhou o ator
principal, Ellar Coltrane, durante o mesmo período em que se passa a história. Reuniu
a mesma equipe uma vez por ano, rodou vários curtas-metragens que juntou depois
para dar forma ao longa, e até tomou certas precauções, como confiar a direção a
Hawke caso ele morresse nesse meio-tempo! O problema é que nem essa idéia é
original. Nikita Mikhalkov fez coisa muito semelhante em Anna dos 6 aos 18 (1994), em que acompanhou o crescimento de sua
filha no mesmo período que Linklater, com a vantagem de que lá era possível
observarmos as mudanças sociopolíticas vivenciadas pela comunidade russa,
durante o processo de esfacelamento do comunismo e o surgimento das novas
repúblicas –
ou seja, mostrando como o indivíduo comum pode ser afetado por força das circunstâncias, mudando de vida e de pensamento. Há também um
filme tcheco recente, Algo como a
felicidade (2007), em que também assistimos ao crescimento dos dois filhos
da protagonista, igualmente sob um viés político. E nenhum deles é uma
superprodução interminável. Nesse sentido, portanto, o projeto de Linklater afunda
na mesmice e o detalhe temporal só ganhou tanto destaque por se tratar de um
filme de Hollywood.
Este será o maior aperto da vida de Mason. |
Mas
o que me aborreceu mesmo em Boyhood foi a total falta de conflito da trama. A vida de Mason, por mais que tenha
problemas, é de uma regularidade impressionante. Toda certinha, sempre em linha
reta, nada fora do lugar, nenhuma transgressão, nada para manchar o currículo.
O menino não quebra a vidraça do vizinho, não puxa o rabo do gato, nem rouba torta da janela dos outros. O rapaz não pega o carro escondido, não perturba as meninas,
não experimenta drogas –
no máximo, extravasa sua rebeldia usando brinco e desafiando a autoridade do
padrasto. Ou seja, Mason não comete nenhuma besteira que as pessoas normalmente
cometem, sua existência é "limpa", careta. Deve ser uma vida bem
chata. Esse aspecto também tira muito da força do roteiro, afinal, quem é que
cresce e passa por uma fase fundamental na construção da personalidade sem
fazer alguma bobagem, sem errar, sem criar desafetos?
Podem
argumentar que não era essa a intenção de Linklater, não era criar um épico
existencial, e sim, como é praxe em suas obras, pintar um retrato das relações
humanas a partir de um tema fincado no mundo real. Tudo bem, que seja e nada de
errado nisso. De todo o modo, não muda a impressão ruim que tive do filme.
Muito palavrório, pouca substância. Também não há problemas de relacionamento. Por
exemplo, quando o padrasto beberrão começa a se tornar violento, o que poderia
gerar alguma tensão, o assunto é logo "resolvido" e abandonado. Muita
gente fala que o filme, em algum grau, reflete a vida de todos nós e por isso é
fácil se identificar com ele. Pode ser, mas não me vi ali em momento algum. Não
me reconheci em nenhuma situação, não descobri a solução para nenhum conflito
interno ali.
Ao
final de Boyhood, fiquei com a
impressão de ter passado três horas vendo um documentário sobre como ser um bom
rapaz, como a vida humana pode ser medíocre, tão carente de grandes emoções,
tão... comum! Prefiro ver uma história em que o personagem faça um monte de
bobagem, mas aprenda com os erros: aí reside o impulso moral que justifica a
existência do herói romântico e, de quebra, oferece uma visão de mundo bem mais
ampla, muito mais aberta a discussões e ensinamentos, do que essa vidinha
asséptica e absolutamente sem graça de Mason. Uma decepção. Sinceramente, um
saco, saquíssimo. Vida medíocre por vida medíocre, prefiro a minha. É tão
amorfa quanto a de Mason, mas, pelo menos, tem uma boa dose de perversão para
dar tempero.