Dizem que alguns grandes filmes
nunca são bem recebidos na época de seu lançamento e apenas anos depois, quando
posteriormente reavaliados, é que têm seu valor artístico reconhecido. Isso
aconteceu com O touro indomável, por
exemplo. Talvez seja este o destino de Drive,
que rachou opiniões desde seu lançamento em circuito no país. Longe da
unanimidade, foi aclamado como obra-prima por uns e desprezado por outros. A
essa altura, muita gente já o viu, seja no cinema, seja em DVD, seja baixado na
rede. Somente agora consegui vê-lo e assim, de cabeça fria, sem o frenesi da
estréia, pude observá-lo com atenção.
A primeira surpresa veio antes de
eu assisti-lo. O filme ganhou prêmio de direção no Festival de Cannes, o que
por si só já seria um bom chamariz. Afinal, quantos filmes de
ação arrancam láureas em festivais importantes? Mas, depois de conferi-lo,
entendi o motivo da premiação. Embora não seja equivocado classificá-lo neste
gênero, Drive oferece, em sua
essência, muito mais do que uma simples fitinha de aventura põe à disposição de
seus apreciadores.
Como o filme de ação que se
vende, Drive é quase nulo. Falta-lhe
a dinâmica acelerada que caracteriza as produções do gênero. Há poucas cenas
tradicionais desse tipo de fita, como perseguições (a rigor, só uma, mas muito
bem realizada), socos, pontapés (não é desse estilo), tiroteios, explosões. Não
seria equivocado classificá-lo como suspense, já que a preparação dos fatos tem
mais importância e ocupa mais tempo do que as ações em si. Diante disso, sem
medo de cair no ridículo, eu me arriscaria a chamá-lo de filme de ação
psicológica, ou seja, o foco não é tanto o que acontece ou o que os personagens
fazem, mas a maneira como acontece e o que eles pensam. Também não é exagero
classificá-lo como um faroeste urbano contemporâneo, estabelecendo paralelos
entre o caubói imortalizado por John Wayne, sobretudo em Os brutos também amam e também nos filmes de John Ford, e a figura
do Piloto sem nome, que não tem origem, chega a determinado lugar, cumpre a
missão que lhe é designada ou que ele mesmo se encarrega de assumir, e vai
embora seguindo em rumo incerto, tão anônimo quanto na chegada. Na ausência das
pradarias, há as estradas povoadas por “cavalos-vapor”.
Como cinema simplesmente, é muito
bom, equilibrando de maneira certeira diversos aspectos técnicos, com destaque
para a montagem competente (que substitui a esquizofrenia das fitas de aventura
por um ritmo mais pausado e, ao mesmo tempo, ágil), a fotografia que valoriza
as cenas noturnas e a edição de som, categoria pela qual concorreu ao Oscar. Como
roteiro adaptado, é ainda melhor, tornando mais clara a narrativa elíptica do
romance original homônimo de James Sallis que lhe serviu de base, lançado no
Brasil pela Leya, cuja capa copia o cartaz do filme, a velha mania oportunista
do mercado editorial, de tentar capitalizar em cima do sucesso da adaptação,
sendo que Drive nem foi tão bem de
público por aqui.
No caso, o Piloto trabalha como
dublê de filmes de ação B de Hollywood e, nas horas vagas, serve como motorista
de fuga para assaltos, desde que os bandidos aceitem suas exigências. Vive
solitário em Los Angeles
até o dia em que conhece a nova vizinha, Irene, uma jovem mãe solteira, por
quem se sentirá atraído. Quando o marido dela sai da prisão e se recusa a
aplicar um último golpe para pagar uma dívida, o Piloto assume o caso para si.
É quando a história se encaminha para o final explosivo e em que se apresentam algumas
das cenas mais bonitas visualmente do filme.
É mais uma interpretação
convincente de Ryan Gosling, um dos astros da vez em Hollywood que vem
emplacando um filme depois do outro (Jogo
de poder, Amor a toda prova, Entre segredos e mentiras), rumo a uma
breve indicação ao Oscar. Carey Mulligan, de Educação, faz a mãe solteira, também se firmando no estrelato.
Completam o elenco o comediante Albert Brooks em raro papel sério (foi
esquecido pelo Oscar, havia quem apostasse nele como um dos finalistas a
coadjuvante), o bom Bryan Cranston (da série Breaking bad), Ron Perlman e Christina Hendricks (a ruiva de Mad men, lindíssima, com poucas cenas e
menos ainda falas).
Já falei do roteiro, que foi
escrito por um iraniano, Hossein Amini, cujo recente Branca de Neve e o caçador, também de sua autoria, pode depor
contra, mas tem coisas boas no currículo, como o belíssimo Paixão proibida (1996), com Kate Winslet, Asas do amor (1997), Killshot
– Tiro certo (2008), entre outros. Além de tornar a história mais
palatável, ainda modificou pequenos detalhes que somam ao resultado final. Por
exemplo, no livro, o marido de Irene (Irina, no original) é violento com ela e
a agride regularmente, mas no filme este aspecto foi eliminado. Também a origem
dos personagens, explicada em longos trechos em flashbacks, desapareceram na
adaptação, o que poderia resultar aborrecido e artificial. Mas não poupa o
espectador de cenas violentas, que a mim particularmente chegaram a incomodar.
O diretor, o dinamarquês Nicolas
Winding Refn, tem mão certeira para filmes de ação, e contava com a experiência
de ter assinado outros três títulos de destaque antes deste aqui, todos em certo
nível mais descontrolados e nervosos: Pusher
(1996), o mais conhecido, é o único deles disponível em DVD; Bronson (também roteirista, 2008), com
Tom Hardy, sobre um detento que se acha com a personalidade de Charles Bronson;
e O guerreiro silencioso, sobre um
guerreiro de um tempo mítico (passa de vez em quando na TV a cabo).
No fim das contas, não é difícil
imaginar porque Drive não fez sucesso
junto ao público. Quem foi assisti-lo esperando encontrar altas doses de
adrenalina, certamente saiu frustrado. É porque sua ação se dá em nível
existencial, com algumas cenas mais vibrantes para temperar. Tem forte
potencial cult. É um filme de ação para cinéfilos.
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