quinta-feira, 23 de maio de 2013

Do além, com amor


Namorado gelado, coração quente! (1993)
Interessante como um filme pode mudar tanto no nosso conceito passados alguns anos depois de o assistirmos pela primeira vez. Alguns melhoram, mas chega a ser constrangedor percebermos como certos títulos que nos empolgaram outrora simplesmente não resistem a uma revisão.

Foi no ano de 2000 que descobri este Meu namorado é de morte na TV aberta. Na ocasião, dei quatro estrelas para ele, achei extremamente engraçado, criativo, cheio de referências. Por muito tempo figurou na minha lista de melhores filmes menos conhecidos. Guardei a experiência nos recônditos da memória e, como geralmente acontece, nunca o revi. Dia desses topei com uma reprise na TV a cabo e me aventurei enfim a conferi-lo de novo. Saí decepcionado e, mais ainda, intrigado: afinal, o que eu tinha visto ali?

A primeira surpresa foi saber que o filme tem outro título nacional, ao que parece, o oficial com o qual foi lançado em VHS e também exibido de vez em quando na TV a cabo: Namorado gelado, coração quente!, assim mesmo, com ponto de exclamação e tudo. A premissa é mais do que explorada pelo cinema norte-americano. Rapaz tímido e atrapalhado mantém uma paixão secreta pela menina mais bonita da turma, de quem, por coincidência, é vizinho desde criança, só que nunca teve coragem de se declarar. Quando se aproxima a noite do baile de formatura, ele pensa em convidá-la, e chega a armar um plano, com a ajuda do melhor amigo, para impressioná-la, e, assim, fazer com que ela desista de ir com seu namorado, o valentão da escola. Só que o plano dá errado e o mancebo morre. Ao chegar no céu, ele descobre que sua morte foi um engano e que terá uma segunda chance. Ele então volta ao mundo terreno disposto a conquistar sua amada. Com um detalhe: agora, ele é um morto-vivo.

O filme é apresentado como se o espectador estivesse lendo uma história em quadrinhos, com cenas desenhadas e alguns cortes simulando o virar das páginas, um recurso do qual, infelizmente, o diretor parece se esquecer na maior parte do tempo, não o utilizando com a freqüência imaginada. Não há preocupação de problematizar coisa alguma, é só uma bobagem adolescente que a gente vê e esquece (hoje eu digo isso, mas na época eu sairia indicando o filme para todo mundo!); forçando a barra, dá para enxergar uma mensagem romântica por trás da obviedade do roteiro, de que a força do amor é capaz de fazer superar tudo, até a morte. Mas não acho que algum espectador vá se interessar em perceber tal sutileza. Considerando o público-alvo para o qual é endereçado, no entanto, acaba sendo uma diversão inofensiva, sem muitas baixarias, embora traga algumas piadas mais grossas, como quando o herói percebe que seu corpo está apodrecendo e se desfazendo, e há as conseqüências imaginadas. Há boas tiradas de humor negro, como quando o rapaz reaparece na casa dos pais e todos o tratam como se estivesse tudo bem, mesmo sabendo que ele está morto! Ou ainda quando a mãe rouba corpos no cemitério e os guarda na geladeira para que o filho possa se alimentar. Amor de mãe não conhece limites mesmo.

O grande barato acaba sendo observar o começo de carreira de dois futuros astros. O namorado valentão da garota é interpretado por Matthew Fox, ele mesmo, o eterno Dr. Jack de Lost, série que, ao que parece, livrou o ator da condenação de repetir sempre o mesmo tipo de personagem bad boy. É sua estréia no cinema, em papel temporão (já estava com 27 anos!), após começar fazendo algumas participações em séries de TV. Como todo brucutu que se preza, é claro que ele tem um "capanga" mal-encarado para bater e fazer medo nos alunos menos populares da escola. A incumbência cabe a Philip Seymour Hoffman (sem o nome do meio nos créditos), futuramente consagrado pelo Oscar por Capote e reconhecido como um dos grandes intérpretes de sua geração. E não é que o seu físico parrudo poderia mesmo tê-lo condenado a personagens similares? Escapou graças ao talento.

Capote e Dr. Jack barbarizavam na juventude.
Já o casal protagonista não teve o mesmo sucesso. Andrew Lowery esteve em A cor da noite, do ano seguinte, e limitou-se a rodar telesséries sem maior importância, encerrando a carreira em 2003. Já a bela Traci Lind pode se orgulhar de ter um Wenders no currículo (O fim da violência, 1998) e nada mais. Também se aposentou um pouco mais tarde, em 2007. Ou seja, o romance entre a patricinha e o zumbi acabou em maldição!

A idéia original do filme foi praticamente reaproveitada no recente e horrível Meu namorado é um zumbi, lançado ano passado. Ao final, subtraí uma estrela da minha primeira qualificação (só não faço isso quando o filme recebe a cotação máxima) e fiquei pensando que já fui um cinéfilo muito mais aberto a surpresas. Deve ser uma conseqüência natural da idade. Ou vai ver eu é que estou ficando muito chato.

2 comentários:

  1. Este nunca vi mas adoro rever filmes do tempo em que tinha tempo pra acompanhar a Sessão da Tarde. Algumas vezes me decepciono mas, normalmente, eu baixo meu nível de exigência. rsrs

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  2. Sheilinha, saudades de você aqui :). Eu normalmente mantenho minhas impressões iniciais quando revejo um filme, mas este realmente me decepcionou. Acho que depois de ver tanta coisa parecida, o que nos pareceu inteligente e criativo perde um pouco do impacto.

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