The lunchbox (2013) |
Quem
descobriu o cinema indiano a partir dos musicais festivos e coloridos típicos
de Bollywood e se tornou fã deles vai estranhar um bocado este The lunchbox. Saem de cena as
coreografias inusitadas, os figurinos esvoaçantes e as paixões bobinhas movidas
a canções vibrantes e entra a Índia real, com seu trânsito caótico, seus
transportes públicos lotados e povoada de pessoas de carne e osso, vivendo seus
dramas comuns a todos nós. A vida como ela é.
O
primeiro estranhamento já começa no título, que não foi traduzido pela
distribuidora. A princípio, é um mau sinal, que denota falta de confiança no
produto oferecido. Afinal, para que perder tempo traduzindo o título de um
filme que ficará tão pouco tempo em cartaz? Se a expectativa de longevidade no
circuito é desanimadora, é porque, no fundo, a história é ruim, não vai
empolgar o público, ninguém vai querer ver... Mesmo em DVD ficará esquecido no
canto escuro da prateleira... Por outro lado, pode ter sido também uma
estratégia comercial, visando conferir à fita um interesse além do que faria
supor uma tradução.
Literalmente,
"lunchbox" é caixa de almoço, ou, cá entre nós, marmita, quentinha.
E, convenhamos, quem ia se animar a ver uma coisa chamada "A
marmita"? Assim, a opção por manter o título original acabou se revelando
um acerto. E o melhor é que também não entrega nada do que se vê na tela, o que
permite que o espectador vá descobrindo a história por sua conta.
No fundo das quentinhas, pode estar um coração. |
O
roteiro reflete ecos de Nunca te vi,
sempre te amei (1987), quase um clássico moderno do romantismo dirigido por
David Jones, mas tem vida própria. Saajan Fernandes (Irrfan Khan, de As aventuras de Pi e mais de cem créditos no cinema) é um funcionário federal às
vésperas da aposentadoria que sempre encomenda quentinhas de um restaurante
próximo a seu local de trabalho. Um dia, passa a receber por engano as refeições
preparadas pela dona de casa Ila, que pensa as estar enviando para o marido.
Fernandes e Ila começam a se corresponder por meio de bilhetes enviados juntos
das refeições e dão início a uma amizade que os ajuda a preencher certas
ausências: ela vive um casamento desinteressado; ele é um viúvo, sem maiores
expectativas sentimentais. O que começa como um equívoco do destino pode ser a
chave para grandes mudanças.
É
importante destacar que o serviço de entregas de comida mostrado no filme,
conhecido como Dabbawhala, existe de fato, é bastante popular em Mumbai (cidade
onde se passa a história) e, ao contrário do que acontece na ficção, é famoso
por jamais cometer erros, ou seja, um engano como o que desencadeia a trama
dificilmente aconteceria. É neste ponto que o roteiro se desenvolve, levando
com que uma falha do "sistema" seja compensada pelo encontro que
promove entre duas pessoas que, em condições normais, dificilmente teriam suas
vidas interligadas. É por essa pequena desordem de um aspecto do mundo que se
reordena o mundo particular dos personagens.
O amor é um prato que deve sempre ser servido quente. |
À
medida que os bilhetes vão sendo trocados, percebemos as sutis mudanças que
acompanham a personalidade de Fernandes e Ila. Sempre muito zeloso de seu
serviço, Fernandes, a princípio, rejeita o novo funcionário que lhe incumbem de
treinar, e que herdará sua vaga tão logo se aposente. Não tem paciência com o
rapaz, recusa-se a atendê-lo e a ensiná-lo o ofício. Aos poucos, contudo, vai se
humanizando e simpatizando com seu jovem substituto, metaforizando as transformações
que se operam em seu interior. Fechado pelo luto que carrega de sua falecida
esposa, Fernandes revalida suas emoções enquanto vai descobrindo novas
possibilidades afetivas.
Há
uma fala, repetida duas ou três vezes no filme, que sintetiza o destino final
do improvável casal: "Já li em algum lugar que o trem errado muitas vezes
para na estação certa". O público se identifica com os protagonistas, cada
qual escravizado por suas solidões, e torce por um desfecho satisfatório. Mas
não estamos em Hollywood e as coisas não são tão óbvias. Assiste-se a tudo com
um pequeno aperto no coração. E se o trem não parar? E se a estação não fizer
parte daquela rota?
The lunchbox é, também, um
ótimo retrato de uma filmografia diversificada e vigorosa, que acerta tanto nas
paixonites dançantes de belos elencos fotogênicos quanto no desenho sensível de
emoções sinceras de pessoas comuns. Vale conhecer. Pode não ser Bollywood, mas é
cinema da melhor qualidade.
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