quinta-feira, 3 de julho de 2014

Hollywood elege os (seus) melhores

Regularmente alguma publicação especializada em cinema organiza e divulga listas dos melhores filmes de todos os tempos. Invariavelmente os títulos se repetem, sobrando pouco espaço para surpresas ou adições de obras mais modernas – nem poderia ser muito diferente, afinal, quem assiste e acompanha cinema conhece a qualidade duvidosa dos filmes produzidos hoje em dia. A tela da vez foram as páginas da revista The Hollywood Reporter. O veículo pediu que artistas, diretores, roteiristas, técnicos, enfim, gente do cinema, apontassem os cem melhores filmes de todos os tempos.

Não sei se a intenção era fazer a lista definitiva, ou a mais próxima possível do que se poderia chamar de perfeição, já que foi organizada pelas pessoas que, em tese, entendem bastante do ofício. Afinal, para Hollywood, é lá que se produzem os melhores filmes do mundo. Mas a relação trouxe algumas ousadias. Se por um lado os velhos clássicos foram lembrados, por outro, títulos francamente comerciais dividem espaço com as grandes obras reverenciadas ao longo dos anos. É a pitada de polêmica que sempre movimenta esse tipo de listagem e gera discussões entre os cinéfilos.

La famiglia enfim chega ao topo.
O primeiro lugar foi ocupado por O poderoso chefão (1972), de Francis Ford Coppola, desbancando o quase sempre favorito nesse tipo de lista, Cidadão Kane (1941), que terminou em terceiro lugar, logo depois de O mágico de Oz (1939). Aliás, a segunda parte do épico sobre a família Corleone também garantiu um lugar entre os dez mais, ficando em sétimo. Duas produções recentes ficaram em quarto e quinto lugares, respectivamente: Um sonho de liberdade (1994) e Pulp fiction – Tempo de violência (1994), seguidas por Casablanca (1942). Fechando a lista, E.T. – O extraterrestre (1982), 2001 – Uma odisséia no espaço (1968) e A lista de Schindler (1993).

Daí para diante é que aparecem mesmo aquelas surpresas, filmes que, em sã consciência, ninguém ousaria ou arriscaria relacionar em qualquer lista dita séria de melhores de todos os tempos. Já escrevi aqui uma vez: quando uma relação dessa natureza obedece a critérios estritamente pessoais, não há o que estranhar, afinal, cada pessoa tem suas preferências e o direito de opinião é sagrado, por mais esdrúxula que ela pareça. Mas, partindo daquele que é considerado o coração da indústria do entretenimento, chama a atenção. Quem poderia imaginar que De volta para o futuro (1985, em 12º) seria considerado um dos cem melhores filmes de todos os tempos? É grande diversão, sem dúvida, até provoca reflexões no espectador, mas daí a ser posta à frente de obras consagradas como Cantando na chuva (1952, em 26º) e Um estranho no ninho (1975, em 30º)? Há outros filmes inusitados: Clube dos cinco (1985, em 27º), A princesa prometida (1987, em 31º), Curtindo a vida adoidado (1986, em 36º) e Coração selvagem (1990, em 89º), de David Lynch.

A doce Amélie ficou em 60º lugar.
É notável também a ausência de grandes filmes, como Ben Hur e A doce vida, que ficaram esquecidos, bem como qualquer coisa de diretores como Fellini e Bergman, presenças garantidas em qualquer lista de melhores que se preza. E é óbvio que filme brasileiro ficou de fora, mostrando que os caminhos supostamente abertos por Cidade de Deus ainda não chegaram a lugar algum em termos de reconhecimento do cinema tupiniquim. Mas, para Hollywood não dizer que só olhou para o próprio umbigo, há três honrosas exceções que vieram de outras partes do mundo: o francês O fabuloso destino de Amélie Poulain conseguiu a melhor posição, em 60º lugar; o mexicano O labirinto do fauno ficou em 96º; e o estupendo Os sete samurais, de Kurosawa, fecha a relação.

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