quarta-feira, 7 de julho de 2010

Sessão suspensa

Em virtude de compromissos pessoais e profissionais inadiáveis, não foi possível a atualização deste espaço. Contamos com vossa compreensão.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Lírios d'água

Este filme foi exibido no Festival do Rio de 2006 com o título de Ninféias dentro da Mostra Gay. Na ocasião, o filme suscitou o interesse imediato dos cinéfilos mais libertinos graças à sinopse sugestiva: o despertar sexual de francesinhas de 15 anos. Ele entrou em circuito restritíssimo – apenas uma sala, e logo no Barra Point, ou seja, não era para ninguém ver mesmo – e, pelo menos por enquanto, não foi lançado em DVD. Fui assisti-lo em um Festival Varilux de Cinema Francês, tradicional mostra que acontece todos os anos por aqui.

O filme trata do assunto que consta na sinopse, e vale repetir: o despertar sexual de francesinhas de 15 anos. É isso mesmo, só que não apenas. Seria extremamente comercial e filosoficamente oco caso a história se resumisse a isso. E, sabemos, os amigos da terra de Balzac e Proust nunca se limitariam a realizar uma história se não pudessem se debruçar sobre ela e tingi-la de cores psicológicas, ainda que esmaecidas. O próprio título pode ter sido alterado quando do lançamento nos cinemas para evocar a poesia inerente à natureza do roteiro.

Não há muita originalidade na maneira como o tema é desenvolvido. O cinema francês mesmo já nos legou várias histórias semelhantes e Hollywood de vez em quando nos brinda com a mesma temática. O maior diferencial, assim, passa a ser o ponto de partida esportivo. Marie, uma adolescente desajustada, da qual nunca se vê a família (sabe-se que ela tem problemas em casa, o que é citado em uma cena, mas este detalhe não parece importar na construção do personagem nem no desenrolar da história), se sente atraída pela capitã da equipe escolar de nado sincronizado. Este é provavelmente o primeiro filme do mundo a enfocar o universo deste esporte. O que também acaba não fazendo diferença, pois poderia ser qualquer outro, até futebol – a escolha é óbvia, para que se justifique a citação do título e haja uma associação de idéias entre as ninfas e a água. O problema é que uma competição de nado sincronizado é tão bonita de se ver, e há fortes motivos estéticos para tal, quanto chato de acompanhar. Eta esporte sem emoção! Mas como serve apenas de pano de fundo, isso não atrapalha. Ao mesmo tempo em que precisa lidar com sua paixão mal-resolvida, a jovem Marie vai descobrindo as dores do crescimento, e termina se aborrecendo com sua melhor amiga, Anne, cujo comportamento infantil se choca com suas angústias afetivas – ela é gordinha, nem é especialmente bonita (lembra a ex-ginasta Luíza Parente com alguns quilos a mais), mas, mesmo assim, nutre uma paixão secreta pelo bonitão do colégio e sonha ser correspondida. Quando Marie se aproxima de Floriane (a atriz mais bonita do elenco, Adele Haenel), experimenta um turbilhão de emoções contraditórias, mas é com ela que irá descobrir seus primeiros impulsos sexuais.

Qual é o interesse em assistir a um filme que trata de um assunto já muito explorado pelo cinema, já que, à parte o aspecto esportivo, não traz nada de novo? O frescor com que a história é conduzida e a sinceridade das atuações. Há uma tensão sexual que permeia a maioria das cenas e pulsa viva em vários momentos: a masturbação entre Marie e Floriane, toda implícita, mas sugerida por olhares e expressões faciais, belamente coroada pela lágrima solitária que rola pelo rosto da segunda; o visível desconforto de Marie nas vezes em que acompanha os encontros entre Floriane e o namorado; a obsessão de Marie por Floriane, que alcança sua significação máxima na cena em que ela, após retirar um saco da lata de lixo da amada, mastiga o resto de uma maçã, tentando sentir nele o gosto da garota.

Um filme de erotismo contido, juvenil – e, talvez por isso, explosivamente sensual.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Sem reservas

Calma, o blog ainda é sobre cinema. Ao contrário do que o título da postagem sugere, não vou comentar sobre a falta de opções do Dunga no banco da Seleção Brasileira. Mas vou tratar de outro assunto igualmente insípido, sem emoção e nem um pouco entusiasmante. Mais uma das desenxabidas refilmagens que Hollywood insiste em realizar. Já escrevi uma coluna certa vez criticando essa moda que parece não passar mais em terras ianques, talvez para disfarçar a falta de criatividade geral que grassa por lá. O alvo, desta vez, é um simpático filme alemão, Simplesmente Martha, que foi exibido no Festival do Rio em 2002, entrou em cartaz no circuito alternativo, mas nunca foi descoberto como deveria, nem quando passou na televisão (mas aí se explica: a Globo escondeu o filme num Intercine qualquer, quando poderia tê-lo apresentado no Supercine, dando-lhe mais visibilidade). Mas, como está disponível em DVD, segue desde já a recomendação. Já o similar norte-americano...

A história centra-se em uma irascível chefe de cozinha (interpretada por Catherina Zeta-Jones, talvez o único atrativo do filme), que vê sua posição de estrela do restaurante onde trabalha ser ameaçada após a chegada de um outro cozinheiro, tão talentoso quanto ela. O papel é defendido de forma correta, mas sem maiores nuances, por Aaron Eckhart. Paralelamente, ela precisa tomar conta da sobrinha pré-adolescente (Abigail Breslin, a Pequena Miss Sunshine), que perdeu a mãe em um acidente de carro. Entre pratos de massa e receitas exóticas, não é difícil imaginar o que acontece na história.

Há vários erros na concepção do projeto. O primeiro, e mais óbvio, foi a refilmagem por si só. Acho impressionante a mania que os americanos têm de quererem copiar tudo que seja bom e vindo de fora, quererem fazer do jeito deles, às vezes simplificando bastante a trama, que é exatamente o que acontece aqui. No original, o novo cozinheiro era italiano, o que servia como realce ao inevitável choque intercultural. Aqui, tentam uma variação – o chefe bonachão, que canta ópera na cozinha, em oposição à chefe chata, que leva uma vida regrada e não admite ser contrariada, nem ouve reclamações do clientes, preferindo partir para o confronto quando dizem que seu bife não é mal-passado o suficiente. Mas não funciona, porque não acrescenta nada ao conflito de egos dos personagens. Também a menina é passiva demais, e sua dificuldade de adaptação a nova casa quase inexiste, há uma ou outra frase mais ácida dita por ela, mas os problemas sequer se impõem de fato. A trilha sonora, que poderia ser um ponto forte, é outro erro, já que copia rigorosamente todas as canções do filme original – nem músicas novas tiveram capacidade de criar! Pior: tratam-se de regravações, ou seja, com outro timbre, outro andamento, no que também perde na comparação com o original alemão. Lá, as músicas compõem um consistente pano de fundo para o estado de espírito dos personagens; aqui, é tudo vazio e redundante. E, como não poderia deixar de ser, o final foi também modificado, edulcorado, bem como americano gosta, destruindo de vez a força do roteiro original. Um desperdício de bons atores. Não sei como Catherina aceitou participar de um projeto tão equivocado, que não resulta em nada memorável.

Pensando bem, em termos de criatividade, até que a Seleção do Dunga apresenta mais alternativas do que o roteiro chinfrim dessa comedinha de segunda.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

A noite fantástica

Enquanto esteve sob ocupação nazista, a França produziu uma infinidade de filmes que, se não podem exatamente ser classificados como “cinema de resistência”, já que não havia neles qualquer mensagem de defesa dos valores pátrios contra o invasor estrangeiro, eram sem dúvida o típico cinema de fruição, feito para um país em guerra, cuja finalidade maior era distrair a população dos dramas reais, dando-lhe a oportunidade de sonhar e se divertir diante da tela. Nenhuma novidade nisso, já que os norte-americanos usavam igual artifício no mesmo período, caracterizado como a época de ouro dos musicais hollywoodianos. Este aqui é um bom exemplo do que se produziu naquele tempo.

Um jovem empregado de uma mercearia sonha todas as noites com uma misteriosa mulher vestida de branco. Com a recorrência, ele acaba se apaixonando por ela e, numa noite, termina por penetrar em seu próprio sonho, interagindo com os demais personagens; vai atrás dela, mas acaba vivendo uma aventura, como diz o título, fantástica. A história é narrada como se fosse de fato um sonho a que estejamos assistindo, e essa impressão é realçada pela concepção visual, por meio de cenários enevoados e uma fotografia que brinca o tempo todo com o jogo de luzes e sombras, aliás, dois elementos comuns do film noir, que também começava a ganhar força nos EUA. O futuro diretor Bernard Blier integra um eficiente elenco de nomes pouco conhecidos. É um filme com bons diálogos, engraçado e com um final apropriadamente romântico. Merecia ser conhecido do grande público.

O filme circulou por aqui há cinco anos, em uma mostra do Festival do Rio. Não existia em VHS e continua inédito em DVD.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A redonda no retângulo

Em clima de Copa do Mundo, resolvi listar alguns filmes brasileiros que tratam de futebol. Seria de se esperar que o cinema nacional abordasse com mais freqüência o assunto. Mesmo puxando pela memória, não consegui relacionar muitas produções. Claro que a lista abaixo é incompleta, não definitiva – há filmes mais antigos que sumiram, não foram lançados em VHS nem em DVD, o que contribui para seu esquecimento. Quem quiser entrar no ritmo da Copa a partir de produções que tenham a gorduchinha como protagonista, pode experimentar alguns dos títulos a seguir.

O corintiano (66)
O bolão (70)
Asa Branca, um sonho brasileiro (81)
Treze pontos (85)
Os Trapalhões e o rei do futebol (86)
Boleiros – era uma vez o futebol (98)
Uma aventura do Zico (98)
Casseta e Planeta – a taça do mundo é nossa (03)
Garrincha – estrela solitária (05)
O casamento de Romeu e Julieta (05)
O ano em que meus pais saíram de férias (06)
Boleiros 2 – vencedores e vencidos (08)
Show de bola (09)

Curtas:
Uma história de futebol

Decisão
Rádio gogó
Unido vencerás

Se a oferta de filmes ficcionais sobre futebol é pequena, o mesmo não se observa com os documentários, um filão pródigo na cinematografia brasileira sobre o assunto.

Garrincha, alegria do povo (63)
Tostão, a fera de ouro (70)
Os subterrâneos do futebol (70)
Isto é Pelé (74)
Todos os corações do mundo (94)
Ronaldo – manual de vôo (96)
Botafogo, o Glorioso (96)
Papão de 54 (04)
Pelé eterno (05)
Ginga – a alma do futebol brasileiro (05)
O dia em que o Brasil esteve aqui (05)
A batalha dos Aflitos (06)
Gigante (07)
Heróis da nação (07)
Zico na rede (08)
1958 – o ano em que o mundo descobriu o Brasil (08)

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Todo mundo ainda perdido

Mais de uma semana depois, ainda há quem discuta o final de Lost. O tópico sobre o assunto, na comunidade oficial da série no Orkut, já conta com mais de oito mil postagens. Pena que alguns pseudo-intelectuais de última hora confundam as coisas e, convencidos de uma esperteza que nem sabem se de fato possuem, chamem de burros ou imbecis quem não entendeu o fim da série. Nem é coisa de fã exacerbado, é falta de educação mesmo. Mas evidentemente não ocuparei meu tempo com isso. Relendo a postagem da semana passada, constatei que, no fim das contas, não apresentei a minha versão dos fatos. Então, hoje, encaminho abaixo a minha interpretação.

Todos os personagens morreram na queda do avião. A ilha seria uma espécie de purgatório, onde eles precisariam expurgar seus pecados, expiar suas culpas pelos erros cometidos em suas vidas, o que é revelado pelos flashbacks da série. O fato de estarem todos mortos é reforçado por um aspecto visual e em um momento específico. No começo da quarta temporada, quando Hurley e outros encontram Zoe no meio da mata (que, depois se descobrirá, está em missão de resgate empreendida por Charles Widmore), eles se apresentam como sobreviventes da queda do vôo 815 da Oceanic, ela responde, categórica: "Não houve sobreviventes!". Além disso, embora em uma ilha, os personagens não se vestiam como náufragos, de calção ou biquíni. Todos se mantiveram trajados exatamente como estavam no momento da queda, ou permaneceram usando roupas comuns, algo impensável para alguém naquela situação. De acordo com algumas correntes do pensamento espiritual, sabe-se que, em casos de visões de espíritos de pessoas mortas, estas sempre se mostravam vestidas com as roupas que usavam quando foram enterradas, o que reforça, portanto, a impressão inicial de que, de fato, não havia sobreviventes entre o grupo de personagens.

A realidade paralela, apresentada na última temporada, foi um truque narrativo para reforçar a conclusão inicial. Nela, os personagens levavam a vida que teriam, caso não tivessem morrido no desastre. É assim que Jack cria um filho e, aparentemente, se dá bem com ele (uma forma de não repetir o abismo existente entre ele e o pai); Sawyer seria policial; Benjamin Linus, professor de curso secundário – e Alex, sua "filha" na ilha, uma de suas brilhantes alunas. E assim por diante. Essa realidade paralela foi deflagrada no momento em que Juliet explodiu a bomba de hidrogênio, no fim da quinta temporada. Aliás, Juliet, nessa nova realidade, seria a esposa de Jack, como ele deixou escapar em uma fala rápida. Uma coisa meio fora de sentido, mas tudo bem.

Isso foi o que entendi. É claro que muitas coisas continuariam sem resposta. Aí cairíamos no terreno das especulações. Há quem defenda a tese de que, com o aumento da audiência na televisão americana, e o conseqüente repuxo financeiro que veio na trilha dessa audiência, os criadores teriam sido impelidos a inventarem uma série de subtramas para garantir a assistência – ou seja, muita coisa do que se teria visto em temporadas passadas seria apenas uma forma de prolongar a história além do necessário. No fim, nada importava, nem Iniciativa Dharma, nem urso polar, nem coisa alguma. Seria uma explicação coerente, mas simplista demais.

Daria para escrever várias colunas comentando sobre isso, mas, para mim, o assunto, por ora, se esgotou. Uma coisa ninguém pode negar: Lost se tornou um marco na televisão e na cultura ocidental de maneira geral. Daqui a quinze, vinte anos, ainda haverá quem esteja discutindo seu final e tentando decifrar seus enigmas. E não é assim que uma obra-prima se pereniza no tempo? Mantendo-se viva também pelas dúvidas insolúveis que suscita? Machado de Assis já sabia disso, desde o século passado.

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Juro que nunca atinei para essa possibilidade em nenhum momento das seis temporadas de Lost. Mas depois fiquei pensando: já pensaram se David Lynch tivesse sido convidado para dirigir um episódio da série?

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Dica literária: As catilinárias, de Amelie Nothomb. Humor absurdo e cruel numa história que, a exemplo de Lost, se presta a diversas (mas não tantas) leituras. Tive vontade de adaptá-la para o cinema.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Perdidos para sempre

Chegou ao fim no domingo (nos EUA; aqui no Brasil, ontem) a série mais influente e comentada dos últimos anos. Após seis emocionantes temporadas, todos (ou quase todos) os mistérios de Lost foram revelados. Todas as teorias foram desfeitas. Todas as especulações caíram por terra ante as explicações que motivavam os personagens. E agora? Agora, é encarar o mundo sem Lost.

A série não apenas entrou para a história da televisão como uma das mais bem sucedidas de todos os tempos. Foi um verdadeiro divisor de águas no universo das telesséries, introduzindo diversos elementos que, aos poucos, foram se tornando regulares em outras produções do gênero. O clima constante de mistério, por exemplo, e as inúmeras variações em torno do que seria ou representaria a ilha em que os personagens ficaram confinados se transformaram em ícones da criatividade, frutos da mente de J.J.Abrahms, hoje um reconhecido criador de histórias, já se aventurando pelo cinema (é dele o roteiro de Missão impossível III). Graças a essa fartura de idéias, a série conseguiu evitar um problema comum às produções similares: a repetição de temas. Cada novo episódio trazia uma informação diferente, que completava o que havia sido visto antes, ou, em muitos casos, ao contrário, negava o que já se dissera e lançava dados novos, que ajudavam a compreender a história como um todo. É verdade que houve um momento, entre a terceira e a quarta temporadas, em que cheguei a me cansar com tanta indefinição, a trama avançava e parecia não caminhar para lugar algum. Novos personagens surgiam, novos mistérios eram propostos – e resposta, que é bom, nada! Mas não se acompanha uma série como Lost apenas até a metade. Quem começou a assistir ia querer saber o que viria depois.

Lost foi a série que me apresentou ao universo das séries. Antes, eu não me ligava e nem fazia idéia de como era a estrutura do gênero – certo, houve Twin Peaks muitos anos atrás, mas, na época, eu não tinha noção de muita coisa. Acompanhei Lost desde o pioneiro episódio piloto, apresentado pela Globo no verão de 2006, numa sessão especial do Domingo Maior – há anos a emissora não promovia tanto uma produção estrangeira. Foram três anos varando as madrugadas para assistir aos capítulos na tevê aberta, sempre no começo do ano. Depois, migrei para a TV a cabo, onde pude seguir as seguintes três temporadas. Por conta própria, eu tentava desvendar os mistérios da ilha, e de propósito evitava ler sobre a série na internet, com medo de que vazasse alguma informação relevante e as surpresas acabassem. Ou seja, fui e sou uma espécie de “fã torto”, já que não queria saber das revelações antes da hora. Uma de minhas teorias, de certa forma, provou-se acertada: a ilha era um local em que as pessoas expurgavam seus pecados para que se transformassem em seres humanos melhores, sempre depois de superarem algum desafio pessoal. Muitas outras ficaram pelo caminho. Apesar de a cena final comprovar minha teoria inicial, a que formulei desde a primeira cena do episódio piloto.

O elenco da série foi um achado. Dificilmente conseguiremos olhar para os mesmos atores sem relacioná-los aos personagens interpretados na ilha. Matthew Fox já faz carreira no cinema (esteve em Ponto de vista, Speed Racer e Somos Marshall), mas alguém não verá o Dr. Jack Shephard quando vir o ator na tela? Michael Emerson se livrará da sombra de Benjamin Linus, por mais novos vilões que venha a interpretar? O gordo e bonachão Jorge García, talvez o mais simpático da turma, está marcado para sempre como o inesquecível Hugo Reyes. E o veterano Terry O’Quinn encontrou, com o seu enigmático John Locke – que, desde o começo, sempre me pareceu ser aquele com a ligação mais estreita com a ilha, o verdadeiro depositário de todos os segredos do lugar – , o papel de sua vida, o marco de uma carreira que, até então, se arrastava na obscuridade. Até então, seu personagem mais lembrado era o psicopata de um pequeno e modesto filme, O padrasto, que alcançou relativo sucesso no mercado de home vídeo no final dos anos 80. E muitos outros nomes que se tornaram mais conhecidos a partir de sua participação na série: Emilie de Ravin, Ian Somerhalder, Evangeline Lilly (que fez ponta em Guerra ao terror), Naveen Andrews. Repare que você pode encontrá-los em alguma produção, às vezes com certo destaque, lançada de 2004 para cá.

O jeito, agora, é adquirir todos os boxes da série e rever Lost com calma, fazendo anotações, atentando para detalhes que escaparam à primeira vista, e tentar não encaixar o quebra-cabeças que enfim foi montado, mas descobrir novos elementos filosóficos que compuseram o enredo da série.
Não sei quanto a vocês. Eu já estou com saudades. E agora, como ficam os meus começos de ano?

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Bitch slap

Os fãs de cinema extremo que assistem ou baixam filmes pela internet certamente já conhecem essa pérola da mediocridade cinematográfica. Run! Bitch run! (na tradução livre, “Corra, sua piranha, corra!”), de tão ruim, tem até um título alternativo, Bitch slap, como muitas vezes convém a um produto descartável que não se pretende mesmo levar a sério, mas nem um nem outro é capaz de redimi-lo de tamanha ruindade.

O rascunho de roteiro apresenta duas jovens estudantes de colégio religioso, a loura e recatada Catherine (Cheryl Lyone) e a morena e espevitada Rebecca (Christina Derosa), que resolvem sair por uma pequena cidade do interior dos EUA vendendo bíblias de porta em porta, mas são sistematicamente rechaçadas pelos moradores. Até que chegam a Moseley, onde quem dá as cartas é o alucinado Lobo, uma versão local do chefe miliciano. Corroído de drogas, ele acabou de assassinar uma das prostitutas que agencia. As duas, então, são seqüestradas por Lobo, estupradas e, depois, Rebecca ainda morre numa brincadeira de roleta russa promovida pela namorada do chefão, Marla (Ivet Corvea). Mas Catherine escapa, traumatizada, sendo internada no hospital de uma cidade próxima. Foge da internação e volta a Moseley em busca de vingança. Mas mesmo seu fim será trágico.

Tive o trabalho de resumir a história apenas por força do hábito. O encadeamento das ações é altamente previsível, desde o primeiro fotograma, e, ao contrário do que sugerem os minutos iniciais, nem há tanto erotismo. Aliás, parece que a proposta era se fazer uma versão ultra-alternativa do que Quentin Tarantino consagrou nos últimos anos, ou seja, aquela violência estilizada, escrachada, em tom pop, mas sempre com bom humor, o que não há aqui. Não pode nem mesmo ser considerado trash porque estes, em geral, costumam ser divertidos, ri-se da precariedade da produção, do nível de atuação do elenco, enfim, convida o espectador a entrar no espírito de farra. Aqui impera a boçalidade em todos os níveis, e se a idéia de diversão que o diretor Joseph Guzmán tem é essa, torna-se ainda mais complicado porque podemos estar diante de um caso patológico de sociopatia travestida de entretenimento.

É claro que ninguém deve procurar qualquer invocação psicanalítica no filme, que não se presta a qualquer leitura: é só a grossura pela grossura, sem conseqüência e sem limites. O tema da mocinha que desperta para a vida após ser vítima de um choque traumático só funciona como estopim de um festival de barbaridades, sem nenhum sentido moral. Confesso que nem o achei assim tão ofensivo, repulsivo, mesmo com várias cenas chocantes – o assassinato da prostituta, o estupro de Catherine, o esfaqueamento de um pervertido por ela ao retornar à cidade que, não satisfeita, ainda lhe arranca os olhos. Mas tudo isso é mostrado com um certo distanciamento, mal se vê direito o que acontece porque a câmera tem a percepção de evitar closes explícitos. E a maquiagem é péssima, muito mal-feita, evidenciando as falhas de realização, o que compromete mais ainda o resultado.

A escalada de sadismo segue num crescendo até o clímax, que não poderia ser outro – e não há prejuízo algum em revelá-lo aqui: Catherine esfaqueia Lobo várias vezes... no ânus. É um desfecho mais do que adequado a essa aberração. Aliás, todo o filme é feio, a cenografia, a fotografia suja, a música absurdamente neutra, que não marca nem sustenta cena alguma. As mulheres até se esforçam, mas não conseguem sequer fingir que são sensuais – Christina Derosa é a mais interessante, mas termina desperdiçada, morrendo logo. O elenco é totalmente desconhecido, e ninguém fez nada de importante além dessa bomba.

Por mais que eu goste de descobrir filmes alternativos, não dá para recomendar um produto tão ruim, burro, grosseiro, mal-feito, mal-acabado, que promove de maneira tão irresponsável o desvirtuamento moral da sociedade. Se é uma brincadeira, é de péssimo gosto. Um desses filmes que ficam melhor na obscuridade, sem o reconhecimento do público médio.


quarta-feira, 12 de maio de 2010

Duas rapidinhas

A ERA DO GELO 3 – Dirigida pelo brasileiro Carlos Saldanha, esta terceira aventura dos amigos Syd, Manny e Diego foi campeã de bilheteria no país, com mais de inacreditáveis 6 milhões de espectadores. Só mesmo o atrativo de ter um cineasta patrício por trás do projeto e o carisma dos personagens podem explicar tamanha resposta popular. É verdade que a técnica de animação chegou a um nível excepcional, sobretudo nos detalhes (visualmente, é o mais bem sucedido da série). Nesse sentido, tinha tudo para se tornar verdadeiramente memorável. Infelizmente, o roteiro é muito fraco e não acompanha a qualidade da animação. Aqui, a trama praticamente se esgota nos primeiros 20 minutos de filme. Nesse tempo, acompanhamos o mamute Manny às portas de se tornar pai, já que sua companheira Elly (com quem se casou no final do episódio anterior) está grávida. Isso faz com que os instintos paternais de Syd sejam despertados, e ganham força quando ele encontra três ovos de dinossauro em um ninho aparentemente abandonado. Mas é claro que a mãe biológica vai atrás para resgatar seus filhotes. Daí para diante, acabou-se a história e o que se vê então é uma série de peripécias vividas pelos bichos, com ênfase maior em Syd e Manny, enquanto o tigre Diego pouco tem a fazer e é quase relegado a um constrangedor segundo plano. Como não há mais a contar, o jeito é inventar várias aventuras que vão se encadeando para preencher a metragem, que nem é longa, pouco mais de 80 minutos. O filme só não desanda completamente graças à altíssima qualidade da animação e às boas piadas, tanto verbais (prefira a versão dublada, que é muito competente, com inflexões vocais engraçadas de Diego Vilela e Tadeu Mello) quanto visuais. São esses elementos que garantem o interesse da platéia até o final – é claro que estou me referindo ao público adulto, já que criança, em geral, não presta atenção nessas coisas e certamente vai se divertir bastante com o ritmo frenético da narrativa, e provavelmente também não perceberá algumas piadinhas mais pesadas (mas inofensivas). No final, termina sendo divertido, mas poderia ser muito mais que isso. Ao que parece, o sucesso da fita rendeu fôlego para uma quarta parte, já em produção, e também com direção de Saldanha.

NEW YORK, NEW YORK – Este é considerado o filme mais fraco da carreira de Scorsese, feito num período pessoal difícil do cineasta, então afundado nas drogas. O resultado parece saltar na tela. Não recebeu maior reconhecimento nem muita repercussão, e mesmo a música-tema terminou esquecida, só se tornando sucesso anos depois, quando Frank Sinatra resolveu gravá-la. Ou seja, tudo indicava que o filme ficaria relegado ao esquecimento, sendo apenas mera curiosidade cinematográfica, salvo de inglório destino com seu lançamento posterior em DVD. Tinha originalmente quatro horas de duração, finalmente reduzidas para duas horas e quarenta e três minutos. Conta a desinteressante história de um casal, ela uma jovem cantora em ascensão, ele um saxofonista talentoso, mas encrenqueiro. Juntos formam uma dupla que explode nos teatros e na cena musical de Nova York nos anos 40, após a II Guerra Mundial. Liza Minnelli, casada com Scorsese na época, capitaliza a fama alcançada anos antes por Cabaret. Vale conferir mais um grande desempenho de Robert De Niro, nos tempos em que ainda esbanjava talento – como todo mundo sabe, o ator não existe mais, hoje é só uma carcaça envelhecida que se arrasta indiferente em produções de segunda classe. Mas aqui estava em plena forma. O roteiro descosturado não consegue envolver o espectador e ainda comete o erro de desperdiçar o final, prolongando-se após o clímax.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Mr. Lonely

Exibido no Festival do Rio de 2007, este filme chegou com a credencial de ter causado sensação no Festival de Cannes daquele ano. Não é difícil entender o motivo. Infelizmente, seu sucesso deveu-se muito mais pela ousadia proposta pelo roteiro do que por sua realização.

A idéia é rica. Em Paris, durante um show em um asilo de idosos, um sósia de Michael Jackson, insatisfeito com sua vida, conhece uma sósia de Marylin Monroe. Ela o convida a passar um tempo em sua casa, nas ilhas escocesas. Lá, habitam outros sósias de várias personalidades de diversas áreas: Chaplin (o marido de Marylin), Abraham Lincoln, Papa João Paulo II, James Dean e Madonna, entre outros. Juntos, planejam a realização de um grande espetáculo. Do cruzamento entre todos estes personagens, poderia resultar um filme de alto nível. Mas o grande problema é que os irmãos Avi e Harmony Korine, autores do roteiro, não sabem o que fazer com o material que têm nas mãos e simplesmente jogam a história pela janela. Nada acontece de muito importante, nenhum conflito se impõe de fato. As cenas se alongam além do tempo, dando a impressão de estarem apenas espichando a metragem, e muitas sequer acrescentam algo à narrativa. Além disso, o filme mostra-se pretensioso por querer abarcar uma infinidade de temas e assuntos – a solidão humana, a necessidade da fé e da tolerância entre as pessoas, a fuga possível por meio dos disfarces – e nenhum deles é desenvolvido de maneira satisfatória. Nesse sentido, o que mais chama a atenção é a virulenta desconstrução do discurso religioso, quase sempre alvo de zombarias. Há inclusive uma subtrama envolvendo freiras que passam a exercitar sua fé da maneira mais radical, saltando de um avião em movimento, depois que uma delas conseguiu se salvar em um acidente. Este lado filosófico, contudo, se perde em meio a tantas idéias mal-aproveitadas, herméticas, mal explicadas. O que começa como uma comédia rasgada vai aos poucos se tornando cada vez mais sombrio – há uma tentativa de mudar o rumo da história quase ao final, após uma cena trágica, mas nem assim o resultado se modifica.

Visualmente, porém, o filme é um primor, com bons enquadramentos, uma direção de arte cuidadosa e uma fotografia deslumbrante, que tira o máximo proveito das locações. Outro destaque é a ótima trilha sonora, combinando músicas românticas famosas de diversas épocas (até dos anos 20!) com hinos religiosos e canções folclóricas. Ainda me lembro de uma canção executada quase ao final do filme, de forte apelo simbólico, traduzindo o estado de espírito do protagonista, mas infelizmente não consegui identificá-la nos créditos nem no IMDB. Enfim, fica a impressão de que houve uma excessiva preocupação em embelezar o filme, torná-lo atraente, para disfarçar sua total falta de assunto. É também desperdício de um elenco multinacional, composto de nomes talentosos (o espanhol Diego Luna, a inglesa Samantha Morton, que já foi indicada ao Oscar, o francês Dennis Lavant, o americano Brian Cox e até o diretor alemão Werner Herzog aparece no papel do missionário). A melhor cena é logo a inicial (que é também a final), que mostra o falso Michael Jackson andando de velocípede acompanhado por um macaquinho de pelúcia amarrado na traseira ao som da clássica “Mr. Lonely”. O espetáculo apresentado pelos sósias é de uma pobreza constrangedora, mas poderia servir como um excelente desfecho após o discurso da “Rainha da Inglaterra”. Só que nem isso souberam aproveitar: perderam a chance de ao menos fechar o filme com um mínimo de dignidade.

Uma pena que, com tantos elementos interessantes, a realização tenha se perdido no excesso de pretensão de seus realizadores. Harmony Korine é o mesmo que, nos anos 90, já havia levantado muita polêmica com Kids, um filme que o tempo se encarregou de sepultar e que hoje só é citado por ter marcado a estréia de Chloe Sevigny, outro embuste que chegou a ser indicada ao Oscar de Atriz Coadjuvante por Meninos não choram e só o que fez na carreira depois foi a escandalosa cena de felação em Vincent Gallo em The brown bunny. Ou seja, é mais um agitador do que um roteirista competente.

Entretanto, este filme é muito especial para mim. Foi o último que assisti no cinema com meu amigo Alan, outro cinéfilo de carteirinha, e que morreu de leucemia quatro meses depois. Como sempre, ele ajudou a tornar mais suportável a projeção, com suas piadinhas e comentários bem-humorados. Pena que nossa derradeira experiência cinematográfica juntos não tenha sido mais memorável.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Croniquinha cinéfila

Minha vida em preto e branco. Menino maluquinho, estranho no ninho, o vento me levou até o mágico de Oz. Iluminado, tive um simples desejo: quero ser grande! E a vida continua... Setembro, outubro, doce novembro, encontros e desencontros entre café e cigarros, comer, beber, viver. Viver! Faça a coisa certa. Ao balanço das horas, veio o fogo da paixão: Sabrina, uma bonequinha de luxo. Foi uma loucura de casamento. Em Casablanca, lua-de-mel e amendoim. Os frutos da paixão: Fando e Lis. Mas o pecado mora ao lado: Lolita, um show de vizinha. Trilhei caminhos perigosos e acabou-se a doce vida. Terminei encurralado, cantando na chuva, ao brilho eterno de uma mente sem lembranças. História real. Meu nome é Joe e esta é minha vida sem mim. Adeus, meninos!


O texto acima foi usado por mim em um concurso cultural do qual participei ano passado na internet. Evidentemente não ganhou, não só porque fugia bastante à proposta do concurso, mas também, e sobretudo, por não ser um bom texto, algo incoerente em sua essência. Só vale mesmo pela brincadeira cinéfila e pelo desafio a que me impus de conseguir compor uma historinha usando apenas nomes de filmes, famosos ou não. Deixei essa croniquinha, como a chamei, na gaveta por um bom tempo e resolvi externá-la agora para marcar, com um pouco de atraso, o primeiro aniversário deste blog – meu Deus, como o tempo passa! E como será que consegui manter este espaço sem obter qualquer repercussão? Teimosia, decerto. Enfim, a postagem de hoje estabelece uma nova identidade para o blog, no qual passarei a alternar críticas de cinema com textos ficcionais, nem sempre relacionados à Sétima Arte, embora seja de minha idéia manter a linha de publicação. É uma tentativa de oxigenar o espaço e, ao mesmo tempo, retomar minha produção literária, que anda meio esquecida e abandonada por conta de tantos afazeres profissionais e pessoais. Como sempre, críticas e sugestões são bem-vindas a quem quiser ou se interessar em enviá-las.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Sessão suspensa

Por motivos pessoais, não será feita a atualização do blog esta semana. Contamos com vossa compreensão.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Depois do Oscar, o Oscarito - II

Como fiz na época do Oscar, relaciono a seguir meus palpites e apostas para os premiados no Grande Prêmio Cinema Brasil. O Grande Otelo será entregue no dia 8 de junho, em cerimônia no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, e será transmitido pelo Canal Brasil e pela TV Brasil.

FILME
Se no Oscar meu favorito não ganha há cinco anos, aqui a história vai ser diferente. À deriva, de Heitor Dhalia, sairá vencedor, a despeito da forte concorrência comercial que o cerca.

DIRETOR
Daniel Filho é o diretor do filme de maior público da retomada, Se eu fosse você 2, e caminha para novo recorde nos cinemas com Chico Xavier, atualmente em cartaz. O Grande Otelo servirá como reconhecimento e agradecimento da, vá lá, “indústria brasileira de cinema” ao seu esforço para resgatar o público da produção nacional.

ATOR
Daniel de Oliveira, que já levou o Grande Otelo em 2005 por Cazuza – o tempo não pára, bis ao feito este ano, por A festa da menina morta.

ATRIZ
O fraco Verônica já rendeu a Andréa Beltrão o ACIE de Atriz na semana passada, e aqui vai lhe conferir o Grande Otelo da categoria.

ATOR COADJUVANTE
Gero Camilo ganha por sua atuação em Hotel Atlântico.

ATRIZ COADJUVANTE
Se tem Dira Paes na disputa, é covardia. A onipresente musa do cinema brasileiro ganha por A festa da menina morta.

ROTEIRO ORIGINAL
Mais um Grande Otelo para A festa da menina morta. Porém, É proibido fumar pode surpreender.

ROTEIRO ADAPTADO
Com 11 indicações, é de imaginar que Tempos de paz saia vencedor em pelo menos uma categoria, e isso deve acontecer aqui.

FILME INFANTIL
Só pode ser Xuxa e o mistério de Feiurinha, já que o outro concorrente é um desenho...

FILME DE ANIMAÇÃO
... que logicamente será o premiado aqui: Grilo feliz e os insetos gigantes.

FILME ESTRANGEIRO
Ainda cegos pelas novidades técnicas de Avatar, os membros da Academia Brasileira de Cinema conferirão a James Cameron o Grande Otelo da categoria. Dos indicados, porém, é o mais fraco em termos de roteiro e dramaturgia. Será que o ex-dono do mundo virá ao Brasil para receber seu troféu?

DOCUMENTÁRIO
Simonal – ninguém sabe o duro que dei ganha uma disputa acirrada pela alta qualidade de seus concorrentes.

DIREÇÃO DE ARTE
Outro Grande Otelo para Tempos de paz.

FOTOGRAFIA
Com o mestre Walter Carvalho no páreo, o prêmio vai para A erva do rato, que conta com sua assinatura.

FIGURINOS
Outro prêmio para Tempos de paz.

MAQUIAGEM
Qualquer filme que deixe Luana Piovani feia, mesmo que por apenas uma cena, merecia ganhar o prêmio. Portanto, o favorito é A mulher invisível, mas minha aposta é em Um lobisomem na Amazônia.

EFEITOS ESPECIAIS / VISUAIS
Com cenas de luta à la O tigre e o dragão, Besouro fatura nesta categoria.

SOM
Mais um prêmio para Besouro.

TRILHA SONORA
Três fortes concorrentes na disputa: Coração vagabundo, Titãs – a vida até parece uma festa e Herbert de perto. Fico com o primeiro.

TRILHA SONORA ORIGINAL
É sempre um prazer ouvir novamente, reunidos, grandes sucessos de Wilson Simonal. Grande Otelo para Simonal – ninguém sabe o duro que dei, cuja trilha originou inúmeros CDs e festas temáticas.

MONTAGEM
Outro prêmio para À deriva.

MONTAGEM DE DOCUMENTÁRIO
Aqui Simonal... perde para Loki – Arnaldo Baptista.

CURTAS-METRAGENS
Booker Pittman leva como melhor curta e De volta ao quarto 666, como melhor documentário curto. Já o sensível A princesa e o violinista fatura como melhor animação.

No Oscar, foram 15 acertos em 24 palpites; quantos serão aqui?

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Depois do Oscar, o Oscarito - I

Muita gente desconhece, mas o Brasil também tem a sua versão do Oscar. O Grande Prêmio Cinema Brasil já divulgou os finalistas de suas 25 categorias. Os vencedores recebem o Troféu Grande Otelo, mas o nome mais apropriado seria, talvez, Troféu Oscarito: estaria mantida a homenagem e seria uma forma de popularizar mais o prêmio, mesmo que pelo viés da brincadeira.

Não foi um bom ano para o cinema brasileiro. Isso se evidencia nos indicados a melhor filme, quase todos de perfil francamente comercial, e sem maiores qualidades artísticas ou estéticas. Sempre tomando o Oscar como referência, são três os favoritos, cada um com nove indicações: a desnecessária continuação Se eu fosse você 2, o pavoroso A mulher invisível – ou seja, dois campeões de bilheteria, o que prova que sucesso comercial não é mesmo parâmetro de qualidade – e o delicado À deriva, de Heitor Dhalia, meu favorito, que, a despeito da forte concorrência, tem boas chances – a história do prêmio registra vitórias que podem ser consideradas surpreendentes, como em 2008, quando O ano em que meus pais saíram de férias bateu o grande favorito Tropa de elite. Completam a lista outras duas comédias: É proibido fumar, de Anna Muylaert (o único a chegar amparado por algum prêmio mais importante, no caso o último Festival de Brasília e o prêmio da ACIE), com seis indicações, e Divã, com cinco.

Curiosamente, o recordista em indicações ficou de fora da disputa pelo prêmio principal: Tempos de paz, de Daniel Filho, recebeu 11 nomeações, incluindo diretor e ator (para Tony Ramos, que também concorre por Se eu fosse você 2), e uma que, pessoalmente, acho ainda estranha ao cinema brasileiro, a de Efeitos Especiais (ou Visuais, como queiram). Outra curiosidade: Salve geral, o representante brasileiro na disputa por uma vaga ao Oscar de Filme Estrangeiro, foi esquecido aqui também e somente conseguiu quatro indicações. Outros trabalhos mais autorais também foram esquecidos na categoria principal, como A festa da menina morta, estréia do ator Matheus Nachtergaele na direção e eleito melhor filme do ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), que concorre em quatro frentes: Ator (Daniel de Oliveira), Atriz Coadjuvante (Dira Paes), Roteiro Original e Maquiagem. Como é difícil fazer cinema no Brasil, o Grande Otelo acaba protagonizando algumas situações inusitadas. Pela ausência de uma produção segmentada de filmes de animação no país, o único indicado da categoria, O Grilo Feliz e os insetos gigantes, teve sua nomeação disfarçada de menção honrosa, para diminuir o constrangimento. Mas acabou saindo pior a emenda que o soneto, porque o desenho, também indicado a Melhor Filme Infantil, deixa a área livre para a premiação de outro produto descartável e francamente comercial, Xuxa e o mistério de Feiurinha, comprovando que bilheteria é mesmo credencial de qualidade no cinema nacional.

Mas nem tudo são esquisitices no Grande Otelo. O melhor filme brasileiro de 2009, Simonal – ninguém sabe o duro que dei, está devidamente representado em quatro categorias: Documentário, Montagem de Documentário (uma dessas extravagâncias que a gente só encontra aqui), Som e Trilha Sonora. Deve ganhar como doc, mas a concorrência é acirrada: também estão no páreo Loki – Arnaldo Baptista, Cidadão Boilesen, Palavra (en)cantada e os menos festejados Alô alô Teresinha e Waldick – sempre no meu coração. E há também, claro, os indicados a Filme Estrangeiro (aqui, sim, pode-se usar esta nomenclatura de maneira correta!), que traz Avatar, Gran Torino e Quem quer ser um milionário? na disputa.

Confira abaixo a relação completa dos indicados.

FILME
À deriva
A mulher invisível
Se eu fosse você 2
É proibido fumar
Divã

DIRETOR
Heitor Dhalia (À deriva)
Cláudio Torres (A mulher invisível)
Daniel Filho (Se eu fosse você 2 e Tempos de paz)
Anna Muylaert (É proibido fumar)

ATOR
Selton Mello (A mulher invisível e Jean Charles)
Tony Ramos (Se eu fosse você 2 e Tempos de paz)
Dan Stulbach (Tempos de paz)
Daniel de Oliveira (A festa da menina morta)

ATRIZ
Débora Bloch (À deriva)
Glória Pires (Se eu fosse você 2 e É proibido fumar)
Lília Cabral (Divã)
Andrea Beltrão (Verônica)

ATOR COADJUVANTE
Vladimir Brichta (A mulher invisível)
Ary Fontoura (Se eu fosse você 2)
Cássio Gabus Mendes (Se eu fosse você 2)
Chico Diaz (O contador de histórias)
Gero Camilo (Hotel Atlântico)

ATRIZ COADJUVANTE
Fernanda Torres (A mulher invisível)
Denise Weinberg (Salve geral)
Dira Paes (A festa da menina morta)
Drica Moraes (Os normais 2 - A noite mais maluca de todas)
Leandra Leal (Se nada mais der certo)

ROTEIRO ORIGINAL
A mulher invisível
Se eu fosse você 2
É proibido fumar
A festa da menina morta
O contador de histórias

ROTEIRO ADAPTADO
Divã
Tempos de paz
Budapeste
Hotel Atlântico
Bela noite para voar

FILME INFANTIL
Grilo feliz e os insetos gigantes
Xuxa e o mistério de Feiurinha

FILME DE ANIMAÇÃO (menção honrosa)
Grilo feliz e os insetos gigantes

FILME ESTRANGEIRO
Avatar (EUA)
Bastardos inglórios (EUA)
Gran Torino (EUA)
Milk - a voz da igualdade (EUA)
Quem quer ser um milionário? (EUA)

DOCUMENTÁRIO
Simonal - ninguém sabe o duro que dei
Loki - Arnaldo Baptista
Palavra (en)cantada
Alô alô Terezinha
Cidadão Boilesen
Waldick, sempre no meu coração

DIREÇÃO DE ARTE
À deriva
Tempos de paz
Besouro
Budapeste
Salve geral

FOTOGRAFIA
À deriva
Tempos de paz
Budapeste
O contador de histórias
A erva do rato

FIGURINOS
À deriva
A mulher invisível
Tempos de paz
Besouro
Budapeste

MAQUIAGEM
A mulher invisível
Tempos de paz
Besouro
Salve geral
A festa da menina morta
Um lobisomem na Amazônia

EFEITOS ESPECIAIS / VISUAIS
À deriva
Se eu fosse você 2
Tempos de paz
Besouro
Salve geral

SOM
À deriva
Besouro
Simonal - ninguém sabe o duro que dei
Loki - Arnaldo Baptista
Budapeste

TRILHA SONORA
É proibido fumar
Divã
Titãs, a vida até parece uma festa
Coração vagabundo
Herbert de perto

TRILHA SONORA ORIGINAL
Tempos de paz
Simonal - ninguém sabe o duro que dei
Loki - Arnaldo Baptista
Budapeste
O contador de histórias

MONTAGEM
À deriva
A mulher invisível
Se eu fosse você 2
É proibido fumar
Divã
Tempos de paz
Besouro

MONTAGEM DE DOCUMENTÁRIO
Simonal - ninguém sabe o duro que dei
Loki - Arnaldo Baptista
Titãs, a vida até parece uma festa
Palavra (en)cantada
Garapa

CURTA-METRAGEM
Booker Pittman
Cedro do Líbano
Distração de Ivan
Elo
Ô
Superbarroco

DOCUMENTÁRIO DE CURTA-METRAGEM
Arquitetura do corpo
De volta ao quarto 666
Nós somos um poema
Olhos de ressaca
Sweet Karolynne

CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO
O anão que virou gigante
Divino, de repente
Juro que vi: o saci
O menino que plantava invernos
A princesa e o violinista

quarta-feira, 31 de março de 2010

A caixa

O diretor Richard Kelly se tornou conhecido do público cinéfilo por conta de seu primeiro filme, o cultuado Donnie Darko (2001), estrelado por Jake Gyllenhall e Drew Barrymore. O filme, um suspense apocalíptico e enigmático, até hoje rende acaloradas discussões nas listas da internet graças a seu roteiro intrincado e engenhoso. Mas o que poderia representar o surgimento de um novo grande nome do cinema norte-americano não se confirmou, e Kelly passou os anos seguintes no ostracismo. Reapareceu em 2006 com um equívoco abissal, o inqualificável Southland tales – O fim do mundo. Mas agora se recupera com outro trabalho asfixiante, A caixa, no qual volta a exercitar sua habilidade na construção de uma história formada de diversas camadas narrativas, mas com um único vértice conversor.

Como em seu filme de estréia, este aqui também se passa nos anos 70, mais precisamente em 1976. Num belo dia, a professora Norma Lewis (Cameron Diaz, já evidenciando a idade) recebe a visita do misterioso Arlington Steward (Frank Langella), um homem horrivelmente mutilado por uma espécie de queimadura que lhe destruiu parte do rosto. Ele leva consigo uma caixa e lhe faz uma proposta: se ela apertar o botão que há no objeto, ganha um milhão de dólares; porém, ao mesmo tempo, em algum lugar do mundo, uma pessoa morrerá. Norma leva a questão a seu marido, Arthur (James Mardsen), um discreto funcionário da Nasa. Instintivamente, ela pressiona o botão, recebe a recompensa, mas, a partir daí, suas vidas entram em uma espiral de estranhos acontecimentos. Paralelamente, Arthur descobre informações sobre o passado de Steward, que pode estar diretamente ligado a um episódio ocorrido na Nasa alguns anos antes.

O roteiro, baseado em um conto do especialista Richard Matheson, que já forneceu matéria-prima para muitos outros filmes de Hollywood, consegue construir um clima tenso e sufocante na maior parte do tempo, sempre alimentando a dúvida do espectador a respeito da identidade daquele homem estranho, o que o move realmente, e qual a finalidade de suas experiências. Assim, o espectador mais atento vai descobrir logo o mistério da trama, que não chega a ser tão surpreendente, mas, até chegar lá, haverá boas doses de suspense, com alguns sustos e muito clima. No entanto, é esse mesmo roteiro que quase põe tudo a perder lá pelo meio, com uma cena particularmente ridícula (que acontece após a reunião na biblioteca), inclusive com o que me pareceu um erro grosseiro de montagem. Mas o diretor comprova sua competência segurando a história, evitando que ela descambe para o absurdo absoluto que chega a ameaçar.

O final cíclico é carregado de uma crueldade extrema, mas dá o que pensar e faz o espectador sair do cinema com várias questões morais na cabeça. E isso já é muito para um filme nos dias de hoje.

quarta-feira, 24 de março de 2010

A notável Bettie Page

De vez em quando o Festival do Rio traz filmes relacionados à indústria pornográfica norte-americana. Há alguns anos foi John Holmes – tudo isso é você? Em 2004, foi a vez de Crimes em Wonderland, que enfocava um episódio criminal ocorrido com o mesmo ator. A escolha de 2007 foi a lendária Bettie Page, a mais famosa pin-up (modelo de fotos eróticas) de todos os tempos, especialmente conhecida e cultuada no meio BDSM, uma subdivisão do universo sadomasoquista. Esta produção da HBO tem, além da tradicional qualidade artística que é a marca da emissora, o mérito de simplesmente narrar os fatos, deixando que o espectador tire suas próprias conclusões.

Bettie foi criada no seio de uma família interiorana de sólida formação cristã, era católica fervorosa, freqüentava a missa aos domingos – isso o filme deixa bem claro. Após um casamento infeliz, separa-se e parte para Nova Iorque, onde tenciona se tornar atriz. Passa a trabalhar como modelo de trajes de banho, mas sua vida toma outro rumo ao conhecer o fotógrafo John Willie, que a transforma na mais famosa estrela de uma série de filmes de bondage – técnica sexual que consiste na imobilização total ou parcial do parceiro. A partir daí, Bettie é involuntariamente arremessada no olho de um furacão, combatida por todas as ligas pela decência e saneamento moral então bastante radicais na conservadora sociedade ianque dos anos 50. A questão é que Bettie não via maldade alguma no trabalho que realizava, entendendo-o como o resultado de um dom que lhe havia sido concedido por Deus. Sua carreira entra em declínio após ela se tornar a protagonista involuntária de um crime cometido nas mesmas circunstâncias sugeridas por suas fotos. Não chegou a cair em desgraça, apenas se decepcionou com os rumos que sua vida estava tomando.

O roteiro, escrito pela diretora Mary Herron e por Guinevere Turner, figura conhecida do meio SM (estrelou Clube do fetiche), não se aprofunda nos dilemas morais da personagem, preferindo enfatizar a inocência com que encarava sua tarefa profissional. Há mesmo algumas passagens mal-explicadas (o estupro de que foi vítima e que parece não ter deixado qualquer marca, uma sugestão de abuso paterno). Mas ganha pontos por mostrar toda uma cultura do submundo (não confundir com subcultura) raramente mostrada com seriedade pelo cinema. As representações dos filmes de bondage estrelados por Bettie hoje podem soar ingênuas e até cômicas; são, porém, um registro interessante do tipo de perversão consumida por parcela significativa da sociedade, ao mesmo tempo em que era combatida pelos mesmos que se diziam defensores da moralidade. Como bondager assumido, gostei muito de ver essa "tara" reproduzida de forma séria, permitindo um debate sobre os limites do que pode ser considerado normal na natureza humana. É mesmo o maior tributo que o cinema já prestou a esse fetiche, mostrando-o sem sensacionalismos, procurando inseri-lo em um contexto psicologicamente aceitável. Assim, minha simpatia pelo filme cresceu muito por esta razão.

Quando vi o filme na sessão de abertura do festival daquele ano, no hoje extinto Cine Palácio, fiquei imaginando quantas pessoas, dentre as que estavam na platéia, entendiam ou também curtiam aquele fetiche e até onde elas se sentiam chocadas ou excitadas com as idéias sugeridas. A julgar pelos risos, muito poucas – ou então o bondage realmente é um fetiche que ainda não ousa dizer seu nome. O filme tem um boa reconstituição de época, fotografia caprichada e excelente trilha sonora, composta de sucessos da década de 50. Gretchen Mol tingiu os cabelos de preto para interpretar a personagem.

Bettie Page morreu ano passado, aos 84 anos, em São Francisco, onde vivia como... pregadora evangélica! Mas deixou uma legião de fãs que até hoje cultuam sua imagem nas diversas comunidades dedicadas a ela espalhadas pelo Orkut. Também é possível assistir a alguns filmetes estrelados por Bettie no Youtube.

O filme não passou dos cinemas brasileiros, e, curiosamente, sequer foi exibido pela HBO, que o produziu. Mas saiu em uma caprichada edição dupla pela Casablanca.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Desejo e obsessão

Embora mais veterana, a diretora francesa Claire Denis tem um estilo de filmar que hoje pode ser comparado ao da argentina Lucrecia Martell (do engodo O pântano e do bom Santa menina): planos fechados, ritmo lento, economia de diálogos, roteiro por vezes descosturado. Além disso, utiliza com sobriedade um recurso narrativo que geralmente é relegado a um segundo plano no cinema comercial, o tempo, marcado por silêncios que pontuam a narrativa e preenchem as ações dos personagens, que assim compensam suas poucas falas. Num certo sentido, um tipo de cinema de ação, só que ao modo francês. Sem pressa e com pleno domínio de sua técnica, Denis comanda cada um destes elementos com invejável segurança. E todos eles aparecem combinados de maneira arrebatadora no magnífico Desejo e obsessão.

Em Paris, o médico Leo Semenault (Alex Descas), especialista em pesquisas sobre o comportamento sexual, mantém enclausurada em sua casa a esposa, Cora (Beatrice Dalle, a Betty Blue), que sofre de uma estranha e rara doença e está fora de controle. Paralelamente, um amigo, o jovem médico americano Shane (Vincent Gallo) chega à cidade para sua lua-de-mel. Ele procura Leo para que este lhe auxilie no tratamento da mesma doença que o acomete. Tanto Shane quanto Cora gostam de atacar a dentadas seus parceiros durante o ato sexual, matando-os num ritual canibalístico, numa busca insana do paroxismo do prazer. Uma série de contratempos encaminha este estranho caso de amor rumo a um explosivo desfecho.

É uma história trágica e tristíssima sobre a força do desejo e as pulsões que movem o ser humano a satisfazê-lo, ao mesmo tempo em que precisa controlá-lo ou mesmo abortá-lo em nome de uma suposta normalidade social, mesmo que isso o leve a estados mentais de desequilíbrio e abandono. Pois é o desejo, multiplicado pelo desespero, que arrasta o casal de canibais (Cora e Shane) aos limites de sua sanidade, confrontando-os com as convenções estabelecidas e expondo o sofrimento de ambos em sua inócua tentativa de controlar o que os mantêm vivos.

A magnífica abertura do filme dá uma boa dica do que se verá a seguir. Após uma rápida transa clandestina dentro de um carro estacionado em uma estrada deserta, uma atônita Beatrice Dalle (cuja bocarra sensual nunca esteve tão bem aproveitada no cinema e tão adequada a um papel) caminha por um descampado, enquanto um corte de cena flagra o alvorecer em algum bairro residencial nos subúrbios de Paris, com os primeiros raios de sol refletidos no lago, linda imagem realçada pela primorosa fotografia e emoldurada por uma oportuna trilha sonora. Outra grande cena é a que reúne Cora e uma eventual conquista, um desocupado que invade sua casa, atraído por sua beleza, durante o ato sexual, e onde a bela deixa aflorar seus instintos canibalescos, atacando com todo seu incontrolável desejo o rosto de seu amante. A cena é mostrada na penumbra, mas a tudo se vê, a tudo se assiste, chocado com a crueza da imagem, extasiado com a intensidade de tanto desejo – e, por que não dizer, comovido diante da constatação do fim melancólico que fatalmente aguarda a protagonista. Não há concessões. A seqüência é coroada com uma performance de loucura de Cora, banhada de sangue, andando sem rumo pelo quarto coalhado de tinta vermelha escorrendo das paredes, na boca restos carnais do homem a quem amara até poucos minutos atrás. Assustador e arrebatador.

O restante do elenco também está muito bem, com destaque para Vincent Gallo, bom ator que parece estar se especializando em papéis de personagens marginalizados. É ele o responsável pela cena final de canibalismo, fazendo explodir a tensão de que o filme se carregou até então. De certa forma, seu personagem funciona como uma espécie de contraponto dramático à Cora de Dalle. Enquanto esta foge de casa e luta para buscar o prazer à custa de um preço a ser pago por sua concretização, aquele trava dentro de si uma batalha feroz pelo controle de seus desejos. Neste sentido, o nome do personagem ganha em dimensão simbólica, sendo Shane o cowboy por excelência eternizado no faroeste Os brutos também amam (1953), de George Stevens, e cuja principal característica é a solidão que marca seu relacionamento com o mundo e com as pessoas com as quais se envolve. Não é por outro motivo que o Shane de Denis, embora se mostre sempre carinhoso e apaixonado pela jovem esposa, não consegue consumar a expressão física deste amor. Shane prefere se masturbar – em uma cena, ele se levanta no meio da noite e se tranca no banheiro enquanto do lado de fora a mulher ouve, chorando, os gemidos do marido em sua brincadeira onanista – a dar vazão a seus impulsos e desejos, ferindo assim o objeto de sua afeição. É a impossibilidade de viver este desejo, e de consumá-lo em sua totalidade, que atormenta Shane e o lança num exercício de desespero contido.

A derradeira e sintomática fala da história é um desfecho mais do que adequado e que simboliza de forma compacta todos os desejos experimentados pelos personagens ao longo da narrativa. Uma obra-prima carregada de simbologias, simplesmente espetacular.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Oscar 2010 - final

  • Confesso que quando Preciosa foi anunciado como vencedor de Roteiro Adaptado, tive esperança de que mais vitórias viessem, sobretudo na categoria principal. Afinal, fora uma surpresa o triunfo sobre o grande favorito Amor sem escalas. Porém, meu entusiasmo foi arrefecendo na medida em que os prêmios se sucediam. Seria mesmo querer demais: um filme pequeno, estrelado por negros, com uma história difícil, ser consagrado como o melhor do ano. Repetindo o que escrevi aqui neste espaço outro dia: "A América de Obama ainda não chegou a tal nível de igualdade". Mas fiquei feliz, no final das contas. Ao menos, o Oscar ficou no nosso planeta, e não em um mundo virtual, cheio de magia e encantamento, mas vazio de significados.
  • Parabéns à Academia, pela maturidade de conferir o prêmio máximo do cinema a um filme sem grandes ousadias narrativas ou visuais, que se sustenta em seu roteiro e não em invencionices tecnológicas. Parabéns pela escolha de um filme que, mesmo não sendo excepcional, dá o que pensar depois que o assistimos. Parabéns por escolher um filme que mostra gente real, de carne e osso, como eu e você, vivendo problemas reais, em vez de contemplar aberrações extraterrestres. O megabadalado blockbuster de James Cameron até pode ser muito bem intencionado em sua mensagem ecológica, mas somente consigo entendê-lo como um produto voltado única e exclusivamente ao puro entretenimento mercantilista, cuja bilheteria mundial não reflete exatamente suas qualidades dramáticas.
  • Nem preciso dizer que detestei Avatar, desde o trailer, que vi ainda em novembro e já havia me tirado todo o interesse em assisti-lo (e que já não era grande mesmo). Mas tampouco acho Guerra ao terror um grande filme, como todos podem confirmar pelos comentários que fiz aqui no blog, em postagens passadas. Porém, entre uma farsa tão vazia que necessita de toda a promoção de sua tecnologia para servir de chamariz e um filme que coloca na tela o drama de pessoas comuns, fico com este último.
  • O grande problema é que Guerra ao terror corre o sério risco de se tornar um dos menos memoráveis ganhadores de Oscar. Daqui a cinco, dez anos, todos falarão de Avatar, mas não sei se alguém vai se lembrar da fita de Bigelow. Isso não é bom para o prêmio, que pode acumular mais um caso de escolha equivocada. Só o tempo dirá.
  • Tudo bem, Sandra Bullock é uma atriz querida em Hollywood, todo mundo gosta e a Academia já vinha querendo premiá-la há um bom tempo. Mas foi a primeira vez em que uma atriz ganhou, ao mesmo tempo, o Oscar de Melhor Atriz e o Framboesa de Ouro de Pior Atriz! Quem quiser conferir o desempenho de Sandra no filme que lhe rendeu o primeiro, deve esperar até o dia 26, quando Um sonho possível chega às telas brasileiras. Mas quem quiser vê-la justificando sua escolha no segundo, pode procurar nas locadoras Maluca paixão, uma dessas escolhas erradas que ela tanto fez ao longo da carreira.
  • E ainda não foi desta vez que vi Meryl Streep ganhar o Oscar... (sua última vitória foi em 1983, quando eu não assistia à premiação). Mas tudo bem: ano que vem, ela está lá de novo. Alguma dúvida?
  • Na semana passada fui ver O segredo dos seus olhos. Saí maravilhado com o novo trabalho de Juan José Campanella, de quem já conhecíamos O filho da noiva e Clube da lua. E pensei: vai ser um páreo duro com A fita branca, mas até o último momento acreditei que o ótimo filme de Michael Haneke fosse confirmar seu favoritismo. Mas quem viu ambos os trabalhos sabe que o prêmio ficou em ótimas mãos. O segredo dos seus olhos é um filme espetacular, com excelentes atuações, uma seqüência já antológica, rodada com câmera na mão, durante um jogo de futebol, e um dos finais mais dolorosos e chocantes dos últimos tempos. Merecido. E vibrei com o prêmio conquistado. É a segunda vez que a Argentina ganha o Oscar de Filme Estrangeiro. Enquanto isso, o Brasil sequer consegue emplacar um representante entre os finalistas. E vai continuar assim enquanto insistirem com produções de qualidade duvidosa, achando que só filme de violência urbana tem algum valor. Sugestão para a Ancine: ano que vem, pensem com carinho em Os famosos e os duendes da morte, de Esmir Filho. Não tem tiroteio, nem bandido, nem chacina em grandes cidades. Mas tem inteligência e criatividade. Serve?
  • Outra surpresa: a derrota da dupla Wallace e Gromit. E justamente para Logorama, em quem eu originariamente teria apostado, mas desisti, certo da força que os personagens da Aardman têm no Oscar. Mas foi justo, o filme é um primor. Esperemos por ele no Anima Mundi.
  • Muito legal a homenagem prestada aos filmes de terror. Mas alguém me explica por que a Academia pagou tributo a um gênero que ela mesma sempre desprezou? Mistério...
  • Sobre a festa. Gostei do visual do palco, despojado, mais limpo, sem aqueles penduricalhos que desviavam a atenção. Não gostei da "novidade" deste ano, de não apresentar as canções indicadas. Quem já não as tivesse escutado antes ficou sem as conhecer e sem um parâmetro de comparação. Também não sei quem teve a idéia esdrúxula de ressuscitar a antipática frase "And the winner is...", que já estava esquecida há décadas. Pior: alguns artistas anunciavam os prêmios da outra forma, "And the Oscar goes to...". Afinal, o que estava valendo? É preciso rever isso para o ano que vem.
  • Acertei 15 palpites que cravei aqui na semana passada, meu melhor desempenho em todos os tempos.
  • Para finalizar. Se a Rede Globo não tem interesse em transmitir o Oscar, devia deixar a tarefa a outra emissora aberta mais competente, como o SBT, que, todas as vezes em que exibiu a festa, sempre o fez com total brilhantismo. Minha sorte é que pude acompanhar tudo pela TNT, mas e quem não tem a mesma sorte? Pelo visto, podemos imaginar que todo cinéfilo é, antes de tudo, um BBBmaníaco e não se importa de perder grande parte da cerimônia para acompanhar os interessantíssimos debates protagonizados pelas novas sumidades da vida nacional. Oscar de Desrespeito é isso aí.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Oscar 2010 - IV

Chegou a hora! Neste domingo, serão conhecidos todos os vencedores do Oscar, o mais aguardado prêmio do cinema mundial. Depois de passar o mês inteiro comentando e analisando alguns dos indicados de maneira geral, agora vou dar meus palpites para os premiados.

FILME
Todos os prognósticos apontam para a vitória de Avatar, o filme mais rentável da história do cinema, que popularizou o sistema 3D e lançou novos rumos para o futuro da Sétima Arte. Mas a tarefa não é tão simples, pois Guerra ao terror vem na surdina colecionando prêmios e elogios. Os americanos estão encantados com um filme absolutamente comum e que, no fundo, é uma celebração do espírito belicista típico da nação, com uma mensagem estranha de que a guerra é mais importante do que a família! Enfim, a disputa está polarizada entre estes dois. Correndo por fora, vem Bastardos inglórios e o meu favorito, Preciosa, mas dificilmente um deles vai surpreender.

DIRETOR
Aqui deveremos assistir à quebra de um tabu: Kathryn Bigelow deve se tornar a primeira mulher a ganhar o Oscar da categoria (é apenas a quarta indicada da história do prêmio). Já levou o DGA, o que é sempre um termômetro confiável, e deve deixar seu ex-marido James Cameron vendo extraterrestres azuis na noite da premiação. Eu até torço por Quentin Tarantino, mesmo que Bastardos inglórios não seja o filme que lhe mereça render o Oscar.

ATOR
Jeff Bridges é uma das barbadas do ano. O único risco é o "fator Mickey Rourke" ocorrer novamente.

ATRIZ
Aqui também não tem jeito: Sandra Bullock já deve até ter ensaiado o discurso de agradecimento. Ela é o tipo de atriz carismática, que até funciona como chamariz de bilheteria, mas que nunca se espera que ganhe prêmio algum dia. Mas a Academia quer premiá-la há algum tempo, em reconhecimento por sua carreira. Verdade que está bem em Um sonho possível, mas, a meu ver, a grande atuação entre as indicadas é a de Gabourey Sidibe. Também seria legal ver Meryl Streep levar mais um Oscar para casa (ela tem dois, mas não ganha desde 1983, embora tenha sido nomeada com freqüência nos últimos anos e agora chegue à sua 16ª. indicação, um recorde que dificilmente será batido ou mesmo igualado). Enfim, Sandra é a Julia Roberts da vez.


ATOR COADJUVANTE
Christoph Waltz. E ponto final.

ATRIZ COADJUVANTE.
Mo’Nique, assustadora como a mãe desnaturada de Preciosa. No fim das contas, deve ser o único prêmio concedido ao filme. Porém, com extrema justiça.

FILME ESTRANGEIRO
Ganhador da Palma de Ouro, o estupendo A fita branca (Alemanha) elevará enfim o nome de Michael Haneke ao patamar dos grandes realizadores. A curiosidade é a presença, entre os indicados, de outro vencedor (este de Berlim), o peruano A teta assustada. Foi o único filme produzido naquele país no ano passado. Enquanto isso, o Brasil não consegue sequer escolher um filme decente para disputar uma vaga na categoria. Até quando vão continuar insistindo com a temática da violência urbana? Não temos mais nada para mostrar?

FILME DE ANIMAÇÃO
Up – altas aventuras é vitória garantida.

ROTEIRO ORIGINAL
Por já ter vencido o WGA, Guerra ao terror leva nessa categoria. Insisto: apenas porque os americanos estão cobrindo de loas este filme. Minha torcida é por Bastardos inglórios. Mas a Academia esqueceu-se de 500 dias com ela, o melhor roteiro de 2009.

ROTEIRO ADAPTADO
Amor sem escalas, também repetindo o Globo de Ouro.

DIREÇÃO DE ARTE
Primeiro dos outros prêmios técnicos que caberão a Avatar. Merecido, porque a concepção visual de Pandora é mesmo impressionante. Minha torcida é por O mundo imaginário do Dr. Parnassus, outro delírio cenográfico assinado por Terry Gilliam.

FOTOGRAFIA
Também aposto em Avatar, embora Guerra ao terror possa surpreender. Eu gostaria que ganhasse A fita branca, com seu esplêndido preto e branco.

FIGURINOS
Parece óbvio que Coco antes de Chanel seja o vitorioso nesta categoria. Porém, A jovem Vitória, o filme de época da vez, não deve ser descartado.

MAQUIAGEM
Para muitos o melhor filme de 2009, Star Trek acabou relegado apenas às categorias técnicas. E deve ganhar nesta aqui, favorecido pela estranha ausência de Avatar.

TRILHA SONORA
Outro prêmio para Up – altas aventuras. Na maior prova do prestígio alcançado por Guerra ao terror, o filme conseguiu a proeza de ser indicado na categoria sem ter trilha sonora!!!!

CANÇÃO
Basta uma audição para perceber que "Almost there" (de A princesa e o sapo) tem cara de Oscar. Mas o prêmio ficaria em boas mãos se caísse para "The weary kind", um solo poderoso e muito melancólico, que cresce absurdamente no filme Coração louco. Já "Take it all" (de Nine) peca por ser algo inconclusa.

MONTAGEM
Fico com Guerra ao terror.

EFEITOS ESPECIAIS
Alguma dúvida sobre a vitória de Avatar? Estranho a ausência de 2012, que tinha justamente nos efeitos especiais o grande trunfo de sua narrativa frouxa.

SOM
Mais um para Guerra ao terror.

EFEITOS SONOROS
Mais um para Avatar.

DOCUMENTÁRIO
The cove, sobre a matança de golfinhos, dará o toque ecologicamente correto da noite.

DOCUMENTÁRIO CURTO
Aqui começa o festival de chutes absolutos, já que pouco ou nada se sabe a respeito dos indicados desta e das categorias seguintes. Meu voto é para China’s unnatural disaster: the tears of Sichuan province. Mas é puro palpite.

CURTA-METRAGEM
O indiano Kavi vai navegar nas águas da popularidade que seu país recebe desde o ano passado.

CURTA DE ANIMAÇÃO
O francês Logorama é uma obra-prima, mas não vai ganhar, em parte por expor ao ridículo um símbolo da cultura norte-americana (Ronald Mcdonald aparece como ladrão de banco!), mas principalmente porque terá a companhia de Wallace e Gromit – um caso de miolo e morte. A dupla de massinha da Aardman é adorada em Hollywood e nunca foi derrotada no Oscar – já ganhou outras três vezes na categoria e ainda em Filme de Animação. Praticamente imbatíveis.

Ano passado acertei 13 palpites; quantos serão este ano? Aguardemos as respostas. Em virtude da urgência dos comentários sobre a premiação, a atualização do blog, na próxima semana, será feita na terça-feira.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Oscar 2010 - III

(Continuação da postagem anterior) Tudo bem que Nine não chega aos pés de Chicago, o trabalho anterior de Rob Marshall que, em 2003, lhe rendeu seis Oscars, incluindo filme e direção. Mas também não é este desastre cataclísmico que a crítica especializada está deixando entrever. É verdade que tem muitos problemas, alguns bastante evidentes, o que talvez explique seu fracasso comercial aqui e lá fora. O maior deles, sem dúvida, é a escalação de Daniel Day-Lewis no papel de um italiano. Day-Lewis é um excelente ator, como já demonstrou em diversas ocasiões, inclusive quando arrebatou seu segundo Oscar, em 2008, por Sangue negro, mas é um tipo muito britânico, que não convence como um diretor italiano de sangue quente. Nem o sotaque ele consegue fazer direito! Assim, já fica difícil desde o começo identificarmos ali o que poderia ser a supressão momentânea da realidade, que rege o código do cinema: vemos um ator interpretando um personagem, e nada além disso. Outra provável explicação é a rejeição que grande parte do público de hoje tem por musicais, um gênero que respira por aparelhos há décadas e somente de vez em quando consegue inovar, reciclar-se, sem perder suas origens – foi assim com Moulin Rouge, o próprio Chicago, o espanhol 20 centímetros etc. O título não ajuda, porque não passa a idéia do que é o filme. Também a história já é conhecida: um grande mestre do cinema italiano, em crise pessoal, profissional e afetiva, tenta concluir seu novo projeto, o nono de sua carreira, enquanto repassa sua vida em meio a lembranças das várias mulheres com quem conviveu. Se a sinopse parece familiar, é mesmo: todos viram isso em Oito e meio de Fellini (o diretor interpretado por Day-Lewis se chama Guido Contini!). Na verdade, a base da história foi uma peça da Broadway, que adaptava para os palcos os anseios celebrados por Fellini nos anos 60. Ou seja, como definiu um crítico do jornal O Globo, "Nine é Fellini passado duas vezes no coador"! E todos sabemos os riscos que se corre ao se refazer um clássico do cinema.

Mas Nine é um bom filme, um pouco arrastado no começo, que vai ganhando em interesse do meio para o final, e mesmo quem gosta ou não conhece o original, desde que goste de musicais, poderá até se envolver e se deixar levar ao ritmo das canções. Há pelo menos três bem poderosas e que grudam na memória. Pela ordem de aparição na tela, "Be italian", cantada pela Fergie (ela mesma, do Black Eyed Peas), que faz a prostituta das lembranças infantis de Contini; "Cinema italiano", o mais frenético número do filme, defendido com energia contagiante por Kate Hudson (a canção foi indicada ao Globo de Ouro); e "Take it all" (esta indicada ao Oscar), quase ao final, em que Marion Cotillard dá mais um show de interpretação cantando (e mostrando também uma excelente forma física). Entre as outras figuras femininas do filme, todas com algum momento de canto, estão a sempre respeitável Judi Dench, Nicole Kidman (que aparece muito pouco e mal tem falas como a estrela temperamental) e Penélope Cruz, como a amante do diretor. Ela também foi nomeada ao Oscar, a meu ver injustamente, talvez porque esteja ainda na crista da onda em Hollywood, ainda por conta de seu prêmio por Vicky Cristina Barcelona (aliás, já repararam que agora ela só faz papel de amante?). A Academia esqueceu Marion Cotillard, perfeita como a esposa traída que sofre em silêncio até explodir em seu número de canto e dança (claro que é uma visão subjetiva, pois, como em Chicago, todas as coreografias só acontecem na mente do protagonista). É dela a grande atuação feminina em Nine. Há ainda rápidas aparições da mãe de Contini, vivida por Sophia Loren, no que são as imagens mais chocantes do filme. É triste ver aquela que já foi uma das mais lindas atrizes de todos os tempos bastante envelhecida, com maquiagem deficiente que nada esconde da passagem dos anos. Praticamente um desrespeito.

Além das duas indicações detalhadas acima, Nine concorre ainda em Direção de Arte e Figurinos. Ficou fora das categorias de Som e Efeitos Sonoros, tradicionais nichos dos filmes musicais, o que atesta o fracasso do projeto. Pelo visto, seu destino será mesmo restringir-se a um público bastante restrito. Nine não será desses musicais capazes de arrebanhar novos fãs para o gênero. (Continua)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Oscar 2010 - II

(Continuação da postagem anterior) O meu favorito ao Oscar deste ano é Preciosa. Confesso que não levava muita fé neste filme produzido pela Oprah Winfrey, estrelado por negros e, supostamente, endereçado a um público restrito, que poderia se reconhecer e identificar na tela. Não nos esqueçamos que foi a mesma Oprah quem nos legou o discutível Bem-amada, execrado pela crítica. Mas o que vi na tela superou qualquer expectativa. É, disparado, o melhor filme entre os dez finalistas. Conta a história (que não é baseada em fatos reais, ao contrário do que se chegou a divulgar na imprensa) de Precious, uma garota obesa de 16 anos, que está grávida do padrasto, com quem já teve uma outra filha, que tem síndrome de Down, e sofre constantes maus-tratos da mãe, que a chama de “baleia”, “lixo” e outras agressões, somando-se às verbais, também as físicas. Sua vida é um inferno, mas ela prefere trilhar o caminho da esperança ao invés de sucumbir diante das dificuldades que se apresentam. Não por acaso, o filme ganhou o subtítulo brasileiro de “Uma história de esperança”. Não é uma obra feita para divertir, e quem for assisti-la apenas para fazer hora no cinema ou se distrair certamente ficará arrependido ou revoltado. Ao contrário, é um filme de forte impacto, difícil, por vezes quase insuportável de ver, barra-pesadíssima, que pode tender para a depressão, mas inevitavelmente provocará lágrimas. Nada prepara o espectador para o choque que se terá ao assisti-lo. Pode-se acusar o diretor Lee Daniels de manipular seus personagens, visando o efeito fácil, a catarse pública; ele o faz, porém, com extrema segurança. Além de contar com duas interpretações impressionantes. A comediante Mo’Nique, muito conhecida na televisão americana, desperta ódio e pena no espectador como a mãe. Deve faturar o Oscar de coadjuvante, repetindo o feito do Globo de Ouro. Seria um prêmio merecidíssimo. A protagonista é vivida por uma estreante de nome estranho e complicado, Gabourey Sidibe, que ainda encara o desafio de, aos 27 anos de idade, interpretar uma adolescente. Sua atuação é visceral, e deveria ser reconhecida com o Oscar de Atriz, outra das seis que o filme recebeu (mas alguém acredita que uma negra gorda e feia vai ganhar o prêmio? A América de Obama ainda não chegou a esse ponto de igualdade). Quase nos faz acreditar que sua Preciosa é de fato real. Embora sua composição não esteja assim tão longe da realidade. Quantas “Preciosas” existem espalhadas por aí, mesmo no Brasil, perambulando invisíveis suas existências sofridas e silenciosas? É uma realidade que as pessoas não fazem questão de conhecer nem de ver. Mesmo assim, é um raro caso de filme que nos leva a uma profunda reflexão sobre nossa própria condição humana. Obrigatório.

Este meu favoritismo por Preciosa ocupou o espaço que antes era de Amor sem escalas, comédia romântica sobre um executivo que viaja por todo o país demitindo pessoas de empresas em situação falimentar (o cargo não existe de verdade, é apenas uma invenção dramática surgida no romance original em que se baseia, de Walter Kim, publicado no Brasil pela Record). Metódico e extremamente cético quanto ao sucesso dos relacionamentos afetivos, vê sua estrutura ruir depois de conhecer uma executiva, papel de Vera Farmiga, outra indicada como coadjuvante, juntamente com sua colega de elenco Anna Kendrick. A abertura do filme é espetacular, com uma sobreposição de imagens aéreas de várias cidades norte-americanas. Quando lançado nos EUA, Amor sem escalas chegou a ser apontado como obra-prima, coisa que está longe de ser, mas é um filme bem agradável, confirmando o talento do diretor Jason Reitman, o mesmo de Obrigado por fumar e Juno.

Sobre Bastardos inglórios, já escrevi na época do Festival do Rio. Dos outros indicados à categoria principal, Up – altas aventuras é apenas o segundo desenho animado a concorrer ao prêmio máximo (o primeiro foi A bela e a fera, em 1992). Mesmo sendo um primor de realização, evidentemente não tem chances de ganhar, mas é o favorito ao Oscar de Animação. Sua presença na lista é uma espécie de pedido de desculpas da Academia, que não incluiu Wall-E entre os finalistas ao Oscar do ano passado, quando todos davam como certa sua presença, em que pese o fato de ele ter concorrido e vencido em sua categoria específica.

Dos outros quatro indicados, há pouco a dizer. Distrito 9 já pode se considerar vencedor: é o primeiro filme africano a concorrer ao Oscar principal, além de ser uma rara ficção-científica considerada elegível pela Academia. Já se vislumbra um futuro promissor para seu diretor, o sul-africano debutante Neil Blomkamp, bem como para seu protagonista, Sharlto Copley (prestem atenção que logo logo estará em Hollywood), talvez até mesmo estrelando uma provável refilmagem em terras ianques. Educação apenas ocupa a vaga do filme inglês do ano. Um sonho possível e Um homem sério parecem evocar mesmo a época em que ter muitos indicados era uma norma em Hollywood. Cada um recebeu apenas mais uma nomeação – o primeiro deve render à atriz Sandra Bullock seu primeiro Oscar. O segundo reafirma o prestígio dos irmãos Coen junto à Academia; fossem outros que assinassem a direção, o filme provavelmente passaria em branco. Mais uma vez, não entendo como um concorrente ao Oscar recebe menos indicações do que um outro filme, que fica de fora da lista final – no caso, o musical Nine, massacrado pela crítica, esquecido até no Globo de Ouro, e que, mesmo assim, defende quatro indicações. (Continua)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Oscar 2010 - I

Depois de quase 70 anos, a Academia dobrou o número de indicados ao Oscar de melhor filme. Na cerimônia de entrega do prêmio, a se realizar em 7 de março, dez produções concorrerão pela láurea máxima do cinema. A justificativa para a inflação de candidatos foi a alta qualidade do cinema produzido hoje em Hollywood. Mas basta uma rápida análise dos nomeados para constatar que não é bem assim. Na verdade, tal decisão parece estar muito mais atrelada às pressões dos grandes estúdios, que assim podem emplacar suas obras e faturar mais com o simples chamariz de “filme indicado ao Oscar”. A diferença entre o que se faz hoje e o que se fazia naquele tempo é tão grande quanto a distância que separa o mundo dos humanos de Pandora.

Entre o final da década de 30 e o começo da de 40, era comum que dez filmes disputassem o prêmio. Porém, naquela época sim, podíamos falar de alto nível das produções. Apenas para ficarmos naquele que é considerado por muitos como o ano mais fértil da história do cinema, veja alguns filmes indicados à categoria principal em 1940: E o vento levou..., O mágico de Oz, No tempo das diligências, Adeus Mr. Chips, Ninotchka... Por uma década, a Academia manteve o número de dez indicados, sempre confrontando obras como As vinhas da ira, Núpcias de escândalo, O grande ditador (1941), Cidadão Kane, Sargento York, Como era verde o meu vale (1943), Casablanca, Consciências mortas, Nosso barco, nossa alma (1944) – a partir de 1945, o número de indicados estabilizou-se em cinco.

A lista de nomeados este ano, contudo, pode ser vista como a mais eclética de todos os tempos. Há espaço para aventuras fantásticas, comédias de costumes, dramas humanistas, animações e até uma ficção científica sul-africana, caso inédito na história do prêmio. Todos os prognósticos apontam para a vitória do monumental Avatar, de James Cameron, o “rei do mundo” desde os tempos de Titanic, que, contudo, não conseguirá repetir os feitos alcançados com seu sucesso anterior, mesmo porque sua superprodução atual recebeu menos indicações – 9 contra 14 daquela. O filme já se consolidou como a maior bilheteria de todos os tempos, rendendo mais de 1,83 bilhão de dólares em todo o mundo, superando a marca anterior, que era de... Titanic. Chega respaldado também pelas inovações tecnológicas introduzidas pelo uso do 3D, que é um sistema antigo de projeção, mas que somente agora, no limiar de um novo século, ganha as ferramentas adequadas para se popularizar, embora o uso daqueles oclinhos seja incômodo pra caramba. O fato é que Avatar está muito longe de ser o grande filme apregoado por vários espectadores, certamente encantados pela ousadia visual, confundindo uma coisa com outra, esquecendo-se do roteiro esquemático, dos personagens rasos e sem sustentação dramática. Mas, além de deu poderio financeiro, o filme já chega como franco favorito também por ter arrebatado o Globo de Ouro, tradicional prévia do Oscar, e que quase sempre serve de termômetro para indicar o grande vencedor da estatueta dourada.

Na cola de Avatar, está Guerra ao terror, curiosamente dirigido por Kathryn Bigelow, ex-esposa de Cameron e apenas a quarta mulher nomeada ao Oscar da categoria. Suas chances de desbancar o ex-marido são grandes; já seu filme, lançado meio na encolha ano passado, colecionou elogios nos últimos tempos e pode surpreender na disputa. No Brasil, teve uma trajetória curiosa: foi lançado primeiro em DVD, porque sua distribuidora, a Imagem, simplesmente não acreditou em seu potencial de mercado. Bastou o burburinho na imprensa norte-americana, e as posteriores 9 indicações ao Oscar, contudo, para que ele ganhasse finalmente as salas exibidoras, nas quais estreou no último dia 5. (Continua)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Coisas belas e sujas

Coisas belas e sujas não é uma obra-prima nem um filme que possa mudar sua vida, mas sem dúvida vai gerar muita discussão pela natureza do tema tratado.
O nigeriano Okwe (Chiwetel Ejiofor, bom paca) trabalha como recepcionista em um hotel de Londres. Ele está em situação ilegal no país, assim como sua namorada, a camareira turca Senay (a gracinha Audrey Tautou, de O fabuloso destino de Amelie Poulain). Um dia, Okwe descobre algo terrível em um dos quartos do hotel e percebe que algo de muito estranho está acontecendo por ali. Suas suspeitas indicam para Juan Sneaky (Sergi Lopez, de Uma relação pornográfica), o subgerente do hotel. Junto a Senay, e com a ajuda do porteiro, de uma prostituta e de um amigo que trabalha no necrotério da cidade, Okwe parte para desvendar o mistério e salvar sua vida e a de seus amigos.

Dirigido com segurança pelo inglês Stephen Frears (Ligações perigosas, Os imorais, Minha adorável lavanderia), o filme trata de um tema atual e polêmico: o comércio de órgãos humanos nas grandes cidades, realizado clandestinamente. Aliás, todas as ações dos personagens se dão no mesmo nível. Okwe e seus amigos parecem viver à sombra, agindo nos subterrâneos, fundindo-se à sua irregularidade; é como se habitassem um mundo à parte (suas situações de ilegalidade) dentro de um mundo à parte (o hotel, com sua divisão de classes, patrões e empregados). A realidade comentada pelo roteiro ganha em dramaticidade pelo apelo cruel que envolve a situação.

O roteiro não apela para a sanguinolência, embora haja cenas desagradáveis (como uma logo no começo, que deflagra toda a trama) e equilibra bem o suspense e o drama, com alguns momentos de bom humor para aliviar a tensão (o porteiro e a prostituta, interpretada por Sophie Okonedo, são muito engraçados). Uma grande cena é quando Okwe interpela Sneaky sobre as descobertas que fez e este lhe revela todo o esquema (e quando o título do filme é justificado).

O filme foi indicado ao Oscar de Roteiro Original em 2003 e passou voando pelo circuito carioca. Merece ser descoberto.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A mulher invisível

Embora tenha sido sucesso de público nos cinemas, com mais de dois milhões de espectadores, é decepcionante este segundo trabalho do diretor Cláudio Torres, da turma da Conspiração (o primeiro foi o também irregular Redentor, de 2004, mas que era superior a este). Provavelmente as muitas cenas em que Luana Piovani aparece só de lingerie serviram para vitaminar a bilheteria do filme, sobretudo pelo público masculino. Mas isso é pouco para salvar o resultado final.

Basicamente, conta a história de um homem, Pedro (o onipresente Selton Mello), que, depois de ser abandonado pela esposa, cai em um estado de torpor absoluto. Meses se passam até que ele conhece a suposta nova vizinha, uma linda jovem chamada Amanda (Piovani). Os dois se apaixonam de cara e iniciam um relacionamento. Ela é realmente a mulher perfeita para qualquer homem: bonita, extrovertida, sensual, e ainda gosta de futebol (uma cena rápida e deslocada). Com uma hora de projeção, revela-se o truque óbvio, e que deveria ser surpresa: Amanda é uma mulher invisível, que só existe na imaginação desesperada do rapaz. Paralelamente, há uma subtrama envolvendo a verdadeira nova vizinha de Pedro, Vitória (uma atriz fraca, Maria Manoella), que, ao mesmo tempo em que se interessa por ele, sendo incentivada pela irmã (Fernanda Torres, irmã do diretor), é cortejada pelo melhor amigo dele, Carlos (Wladmir Brichta). A partir desse momento, o roteiro não tem mais o que inventar e fica dando voltas. Depois que Pedro é tido como louco por falar sozinho e tenta espantar Amanda de sua vida, a história se perde de vez, o filme se torna aborrecido, esticado, até um final que parece ter sido inventado de qualquer maneira.

O filme já começou errado na campanha de marketing, nos trailers e nas sinopses oficiais divulgadas pela imprensa, que de cara revelam o que seria o elemento surpresa da narrativa. A "descoberta" de que Amanda é invisível não pega ninguém desprevenido porque já sabemos do que se trata a história. Assim, como o espectador já sabe que tudo aquilo é um delírio do personagem, não há impacto nenhum na revelação, o que é péssimo, porque ficamos apenas esperando o momento em que a farsa virá à tona. E depois não há muito mais a fazer. O roteiro tem ainda alguns absurdos, como a garota entrar no quarto de hospital às 3h da manhã ou sair de lá sem ser vista por ninguém. Também não funciona o que deveria ser uma confusão amorosa envolvendo Vitória, Pedro e Carlos: ela fica entre os dois, sem saber que eles se conhecem, mas nem isso é explorado. Também nunca fica claro o que faz a personagem, parece que é autora de peças infantis, mas não se explica como sobrevive, nem sua irmã, que parece só estar na trama para dar pitacos, sem uma função mais definida. Também não faz sentido ela se mudar para o interior de Minas Gerais, se queria ficar longe de Pedro, bastava sair do apartamento e ir para qualquer outro lugar no Rio. Mais absurdo é como o rapaz descobre onde ela está morando e vai atrás! Ou seja, são tantas falhas que mesmo com muito boa vontade o filme acaba sendo um desastre. Que só não é maior porque a produção ao menos é bem cuidada, com locações em lugares conhecidos da cidade (o bar Clíper, no Leblon, a Livraria da Travessa – outra resolução inconvincente é o romance escrito por Pedro e lançado com sucesso em poucos meses, quando, como se sabe, a coisa não é bem assim).

O elenco também não ajuda muito. Selton Mello não está em seus melhores dias e atua fora do tom, descontrolado, gritando o tempo todo. Já Luana, embora belíssima, nem sempre é captada em seu melhor ângulo pela câmera, parecendo por vezes envelhecida – repare no encontro inicial entre ela e Selton, quando o rapaz lhe toma o rosto entre as mãos. Wladmir Brichta é o único que consegue compor seu personagem com um mínimo de sustentação, mesmo seu destino sendo forçado (mas a culpa não é dele). Há ainda diversas participações especiais (melhor dizer, afetivas), quase todas sem importância na história: Maria Luíza Mendonça (que aparece logo na primeira cena e some; ela é também uma das colaboradoras do roteiro), Lúcio Mauro (que mal tem falas!), Marcelo Adnet, Gregório Duvivier (de Apenas o fim), Danni Carlos. Mas é mesmo difícil defender uma comédia que, a rigor, só tem uma única cena realmente engraçada, na reunião de trabalho, e que, mesmo assim, de tanto ser vista no trailer, pode não funcionar no contexto do filme (mas foi somente neste momento que eu ri de verdade).

Se a idéia de salvação do cinema brasileiro passa por projetos como este, é melhor pensarmos em outras alternativas. Afinal, de que adianta o sanduíche da bilheteria ser encorpado se o recheio não tem sabor?

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Quem quer ser um paraplégico?

Alguma vez você já pensou em passar o resto da sua vida em cima de uma cadeira de rodas? Já teve vontade de ficar paraplégico? Tem ou já teve fantasias sexuais envolvendo mulheres mutiladas ou amputadas? Antes que alguém pense se tratar de mais um assunto motivado por uma polêmica abordada pela novela de horário nobre, esclareço que são apenas questões levantadas pelo filme O outro lado, ainda inédito em DVD, mas que costuma ser exibido na TV a cabo.

O começo é instigante. Isaac Knott, um jovem repórter paraplégico de uma pequena rádio pública de Nova York, recebe uma denúncia sobre um homem que foi até o hospital da cidade e pediu que lhe amputassem as pernas. Intrigado, vai investigar, mas, por conta de sua condição física, ninguém parece lhe dar muito crédito. Porém, as denúncias continuam surgindo e, da segunda vez, ele chega até uma seita de pessoas que, embora aptas fisicamente, desejam se tornar limitadas (são chamadas de pretendentes) presas a cadeira de rodas ou aparelhos corretores. O que poderia motivá-las a tal intento? É neste momento que Isaac conhece Fiona, a autora das mensagens que o levaram à investigação. Ela é saudável e deseja se tornar deficiente, usando aparelho para coluna e até uma cadeira de rodas. A relação entre os dois personagens vai se estreitando, até Isaac descobrir um segredo obscuro, que muda sua vida e o faz repensar tudo o que já viveu até ali.

O problema do filme é que o roteiro abandona algumas ótimas premissas para se focar no relacionamento entre o repórter e a garota misteriosa, não se aprofundando no que poderia render discussões no mínimo polêmicas. A tal seita de pretendentes, por exemplo, é logo esquecida, e nem ficamos sabendo direito o que aquelas pessoas esperavam de fato, quais as implicações psicológicas ou psicanalíticas que as moviam. Lá pelo meio, o filme quase se perde em uma solução fantasiosa, quando Isaac compra um par de sapatos de dança, bicolores, “como os que Fred Astaire usava em seus filmes”, e que, uma vez calçados, fazem com que ele consiga, se não andar, ao menos ensaiar alguns passos. Um absurdo, claro, ainda mais grave se considerarmos o grau de realismo com que a história é tratada o tempo todo. O tom fica entre o drama humano e o suspense psicológico, mas, no final, é o primeiro que prevalece, com uma resolução coerente e que justifica os atos dos personagens, embora o final possa desagradar a muitos espectadores.

A mudança do foco narrativo – começa como um suspense investigativo e termina sendo uma história de redenção e sacrifício pessoal – pode ser percebida pelo título original, Quid pro quo, expressão latina que pode ser entendida de duas formas: como gíria para confusão (qüiproquó) e, se analisada individualmente, significa, em tradução livre, “uma coisa por outra”, ou seja, um favor por outro (embora haja uma explicação na Wikipédia, quem primeiro me esclareceu o termo foi o professor de Português e grande latinista Marcelo Bastos, amigo de longa data). E mais não se pode revelar, sob o risco de atrapalhar o espectador, que deve acompanhar a história e tirar suas próprias conclusões.

Nick Stahl, ex-ídolo juvenil (O exterminador do futuro 3 – a rebelião das máquinas e a série Carnivale), não compromete e se esforça para construir um personagem convincente, o que até consegue, garantindo a seriedade do projeto. Vera Farmiga faz um bom contraponto, mantendo uma característica enigmática, evitando o derramamento romântico que seria fácil imaginar. Ela já foi vista antes em Os infiltrados de Scorsese (um papel pequeno, era a esposa de Matt Damon) e acabou de ser indicada ao Globo de Ouro por Amor sem escalas, com grandes chances de ser também nomeada ao Oscar. Não é especialmente bonita, mas sempre uma presença marcante, muito talentosa.

O filme tem o mérito de mostrar os problemas enfrentados pelos portadores de necessidades especiais (este é o nome politicamente correto) em uma grande metrópole como Nova York. Isaac, por exemplo, nunca consegue sequer entrar em um táxi: todos o ignoram quando o vêem no ponto, fazendo sinal. Também sua vida afetiva é desastrosa: as garotas (que ele conhece por meio de um site de encontros) o rejeitam ao saberem de sua condição e sua ex-noiva, também paraplégica, o deixou (porque acredita que, em um casamento, um dos dois deve ser saudável, para poder agir em caso de emergência). Lá como cá, preconceitos há.

O diretor e roteirista Carlos Brooks , em sua estréia no cinema, demostra talento e segurança. Olho nele.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Eric Rohmer (1921 - 2010)

Anunciada a morte, na última segunda-feira (11/1), do veterano diretor francês Eric Rohmer (1921), um dos principais nomes da Nouvelle Vague, que influenciou gerações de cineastas nos anos 60 e promoveu uma verdadeira revolução na maneira de se ver e pensar um filme. Como se fosse um elemento narrativo do próprio movimento que integrou, Rohmer guardava enigmas até referentes à sua origem – sua data de nascimento varia, dependendo da fonte consultada, e mesmo seu nome verdadeiro não é oficialmente conhecido. Mas são pequenos detalhes constitutivos de uma personalidade que soube marcar seu nome no universo cinematográfico. Afinal, pode-se gostar ou não dos filmes de Rohmer, mas jamais permanecer indiferente.

Dentre a geração de cineastas que se formou naquele período, entre os quais Godard, Rivette, Resnais, Chabrol e outros, o nome de Eric Rohmer é um dos menos conhecidos pelo público em geral, mas, paradoxalmente, um dos mais cultuados pelos cinéfilos. Dono de um estilo muito pessoal, inconfundível, ele conseguiu se sobressair em meio a um grupo que, dentro de uma proposta de renovação da forma de fazer cinema, buscava uma conscientização política por meio da arte, exatamente remando contra essa maré.

O cinema de Rohmer é extremamente simples na forma. A câmera fica estática, nada de enquadramentos inovadores ou tomadas elaboradas. Não há trilha sonora, apenas os sons ambientes. Os roteiros não primam pela inventividade, apresentando sempre o mesmo assunto: questões afetivas envolvendo homens e mulheres de diversas idades. O amor é o traço em comum. A maneira como os personagens interagem, também. Portanto, nada de excepcional. O que chamava a atenção em Rohmer era justamente a capacidade de se renovar a cada nova experiência, a segurança com que abordava seu tema preferido.
Um dos destaques da obra de Rohmer é a série Comédias e Provérbios. Formada por meia dúzia de filmes, aborda vários desencontros amorosos sempre por um viés cômico, a partir de um mote, geralmente um dito popular que funciona como uma epígrafe cinematográfica. Claro que é um tipo de humor muito francês, sofisticado, por vezes cerebral, sutil. É um tipo de comédia que leva mais à reflexão do que à gargalhada, que se debruça sobre os aspectos mais patéticos dos relacionamentos afetivos. Um dos melhores filmes da série é Pauline na praia, em que uma adolescente vai passar férias na casa de veraneio da família e provoca uma disputa entre vários rapazes. Outro bom título é A mulher do aviador, que parte de uma premissa batida, mas sempre eficiente. Um casal que nunca consegue se encontrar por incompatibilidade de horários, causada por suas atribuições profissionais. Mesmo assim se apaixonam. Como conciliar a diferença? Menos cômico do que os demais, mas igualmente interessante, é O raio verde, premiado com o Leão de Ouro no Festival de Veneza em 1987. Nele, uma jovem secretária não sabe como aproveitar suas férias. Viaja para vários lugares, sempre insatisfeita; o que ela quer mesmo é encontrar um romance. A atuação de Marie Rivière, também roteirista do filme, confere uma simpática veracidade à sua personagem, que pode suscitar identificações entre os espectadores, por suas inseguranças e manias. Rivière, aliás, é uma das atrizes preferidas de Rohmer, já tendo estrelado diversos filmes do diretor, que costuma mesmo trabalhar com os mesmos nomes em grande parte de sua produção.

Da mesma forma que Beatrice Romand, que começou menina nos filmes do diretor e protagoniza Um casamento perfeito. No filme, ela é uma jovem que resolve abandonar o amante, um homem casado, e conhece um advogado, com o qual fará de tudo para se casar. Mas o destino reserva muitas surpresas. Como nos outros títulos da série, este mantém os diálogos espirituosos, cheios de observações aguçadas sobre os conflitos sentimentais.

Mas a obra de Rohmer vai muito além dessa série. Seu nome ganhou notoriedade em 1969, quando foi indicado ao Oscar de Roteiro Original por Minha noite com ela. No ano seguinte, assinou sua obra-prima O joelho de Claire, contando com a fotografia deslumbrante de Nestor Almendros. Claro que seu estilo seco e lento angariava mais detratores do que admiradores. Em 1975, no filme Um lance no escuro (dirigido por Artur Penn), o personagem de Gene Hackman explicitava o que era um consenso a respeito da obra do cineasta francês: “Eu vi um filme do Eric Rohmer uma vez. Foi como se eu estivesse assistindo tinta secando.” Por isso, Rohmer é mais um gosto adquirido.

Toda a obra de Eric Rohmer, que permaneceu inédita por aqui até em VHS, foi finalmente lançada em DVD pela Europa, em edições que bem mereciam maior cuidado (quase todas têm a imagem riscada e em mau estado de conservação, além de não trazerem qualquer extra, sequer trailer). Não é para todos os públicos, mas, sem dúvida, conhecê-la é uma experiência enriquecedora.

Sua última produção, Os amores de Astrea e Celádon (2007), só foi exibido por aqui no Festival do Rio, em apenas três sessões, todas lotadas (eu consegui estar presente em uma delas), permanecendo inédito em circuito e em DVD. É provável que agora venha a público, como derradeira homenagem a um dos grandes mestres da Sétima Arte em todos os tempos.