Adaptações de obras literárias
para o cinema podem render filmes muito inferiores ao livro (Bufo e Spallanzani, Budapeste), tão bons quanto (Vidas
secas, Memórias póstumas) ou até
melhores (vou ficar devendo porque até hoje não vi). É claro que estou me restringindo
ao cinema brasileiro, porque se tiver de expandir, encontraremos vários
exemplos de adaptações muito bem-sucedidas – não vou me prolongar, mas cito
apenas Laranja mecânica e A insustentável leveza do ser, só para
ficarmos com dois bons exemplos. Por isso, fiquei animado e apreensivo ao mesmo
tempo ao ler no jornal uma nota informando que o diretor Guilherme Fiúza irá
levar às telas no ano que vem o romance O
menino no espelho, de Fernando Sabino.
Tudo o que eu escrever sobre
Fernando Sabino pode soar reverencial e até um pouco derramado. Afinal, sou
grande fã do autor e, se algum dia tive um ídolo, em algum ramo das realizações
humanas, foi ele. Provavelmente o próprio autor acharia um exagero, já que se
considerava apenas um representante sem grande importância para nossas letras.
Mas, para mim, foi e continua sendo o maior, embora eu também goste muito de
Rubem Fonseca e Sérgio Sant’Anna. Mas Sabino está acima de todos, até pela
ligação pessoal que estabeleci com suas histórias no começo de minha formação
intelectual. Foi a partir de seu conto “O homem nu”, que li em um livro do
segundo grau, que comecei a desenvolver mais meu interesse por literatura e saí
buscando tudo o que havia dele à venda nas livrarias e nos sebos. Li O menino no espelho há muitos anos e
lembro de ter ficado com os olhos úmidos nas últimas páginas. É claro que não
vou, aqui, analisar a obra. Mas a notícia me levou a pensar por que Sabino foi
tão pouco explorado por nossos diretores.
Seu conto mais famoso, justamente
“O homem nu”, rendeu duas adaptações, uma em 1968 com Paulo José, e outra mais
recente, quase 30 anos depois, com Cláudio Marzo. Ambas divertidas, mas o conto era
muito curtinho e fechado em si mesmo, não enchia um longa-metragem. Qualquer
tentativa de se abrir a história levaria a dois caminhos. Um, esgotar a idéia e
dissolver a essência do conto. Outro, criar outra história, tendo o conto
apenas como mote, ou seja, aproveita-se um ponto de partida para construir uma
narrativa diferente. Não me parece interessante, no fundo, acaba sendo um
desrespeito com o autor, cria-se um filme híbrido que acaba não funcionando nem
como adaptação nem como idéia original. Em 1989, o diretor Osvaldo Caldeira
levou às telas o romance O grande
mentecapto, baseado no romance homônimo e que permaneceu inédito em DVD por
anos, até ser finalmente lançado no formato ano passado. Abaixo, reproduzo um
brevíssimo comentário que escrevi sobre o filme em minha dissertação de
mestrado, que teve o autor como tema.
“Como geralmente acontece às
grandes obras da literatura (e outras nem tão grandes assim), o romance O grande mentecapto também foi adaptado
para as telas de cinema, em 1989, pelo diretor Osvaldo Caldeira. O filme
homônimo foi um dos últimos produzidos sob o comando da Empresa Brasileira de
Cinema (Embrafilme), órgão que seria extinto cerca de três anos depois no
governo de Fernando Collor de Mello. As dificuldades de se fazer cinema no
Brasil, ainda hoje muito grandes, eram ainda maiores naquele tempo. Tal fato se
evidencia na pobreza da produção, e certamente contribuiu para que o filme
apresentasse um resultado final não acima de mediano. O público, no entanto,
parece ter gostado, tanto que a fita se tornou campeã de bilheteria em todo o
país, corroborando o Grande Prêmio do Público recebido no Festival de Gramado daquele
mesmo ano.
Não há como negar que se trata de
um filme bem engraçado, e nisso é muito ajudado pela interpretação de Diogo
Vilela no papel central; no entanto, é decepcionante para quem conhece o livro
e a história original. Nem se critica o final “alternativo” pelo qual o diretor
optou, se considerarmos que cinema – e sobretudo o cinema brasileiro – precisa
ser, antes de tudo, um produto comercial. O triste fim de Geraldo Viramundo no
romance não seria bem digerido pela platéia média que freqüenta as salas de
exibição. Este detalhe final, entretanto, foi aprovado pelo próprio F.S. (não
foi ele quem escreveu o roteiro). O grande problema do filme, porém, é a falta
de encadeamento lógico das ações. São cinco blocos narrativos bem marcados,
todos introduzidos por letreiros que antecipam ao espectador as ações a seguir
(como as didascálias do livro), mas cujos acontecimentos parecem independentes
uns dos outros. Não há uma unidade narrativa. Vários episódios originais foram
suprimidos, alguns de fundamental compreensão para o perfeito entendimento da
história, como a “audição” de Viramundo de que seria ele o escolhido de Deus
para reorganizar o mundo. Devido a tais supressões, a cena do assassinato do
cego Elias perdeu muito de seu impacto, por não haver um maior aprofundamento
das características dos personagens. As interpelações de Viramundo aos profetas
de Aleijadinho são mostradas como um mero surto de loucura, sem a carga
dramática exigida para o momento (que no livro, embora fique a cargo da
imaginação de cada leitor, tem um efeito bem maior). Ou seja, suavizou-se o que
deveria ter sido mais intenso, eliminando-se a poesia trágica presente no
episódio do romance. Entretanto, a montagem e a fotografia da cena são
realmente de se fazer notar.
Assim, o destino final de
Viramundo tornou-se mero acessório para o encerramento da história, que ganhou
um final otimista, brincalhão, bem mais próximo do espírito do personagem
principal do que da essência do texto original.
Em resumo, o diretor preferiu
abandonar a riqueza de significados que o romance contém e se concentrou no
mercadológico. Nada de errado nisso, pois, como foi dito, o público médio de
cinema não busca questionamentos existenciais quando paga um ingresso. Mesmo
porque as linguagens do cinema e da literatura são diferenciadas e seria
complexo demais fazer uma transposição literal. Também não se trata de um filme
ruim; apenas não faz jus à obra em que se inspirou.”
É este o risco que O menino no espelho corre. O de se
transformar simplesmente em um filminho infantil de férias, longe da poesia que
suas páginas contêm. Mesmo simples, a história é poderosa, evoca lembranças,
resgata valores tradicionais hoje esquecidos, tudo regado com muita imaginação
e bom humor. Vamos ver no que vai se transformar no cinema.
Do elenco, dois nomes já foram
confirmados. Regiane Alves será a mãe do menino (boa escolha, é ótima atriz e
muito simpática, pude conhecê-la pessoalmente há dois anos em uma ocasião
social), que será interpretado por Lino Faciolli, de 11 anos, há 7 em Londres,
e que esteve recentemente no elenco de Game
of thrones, veja só, aparecendo em três episódios da recém-encerrada
segunda temporada (na foto acima, ele em cena ao lado de Katie Dickie e Michelle
Fairley, vale caçá-lo nas reprises) e antes fez O pior trabalho do mundo, além de curtas.
Sonho com uma boa adaptação de 'O Encontro Marcado' para o cinema. Penso ser um dos grandes romances brasileiros do século XX. Merece um belo filme...
ResponderExcluirVerdade! Será um grande desafio para quem for adaptar este livro.. meu predileto do F.S. Aguardemos!
ExcluirConcordo, João, espero que, se um dia virar filme, "O encontro marcado" seja tão admirável quanto o romance.
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