domingo, 24 de junho de 2012

Encontro marcado com o cinema de Fernando Sabino


Adaptações de obras literárias para o cinema podem render filmes muito inferiores ao livro (Bufo e Spallanzani, Budapeste), tão bons quanto (Vidas secas, Memórias póstumas) ou até melhores (vou ficar devendo porque até hoje não vi). É claro que estou me restringindo ao cinema brasileiro, porque se tiver de expandir, encontraremos vários exemplos de adaptações muito bem-sucedidas – não vou me prolongar, mas cito apenas Laranja mecânica e A insustentável leveza do ser, só para ficarmos com dois bons exemplos. Por isso, fiquei animado e apreensivo ao mesmo tempo ao ler no jornal uma nota informando que o diretor Guilherme Fiúza irá levar às telas no ano que vem o romance O menino no espelho, de Fernando Sabino.

Tudo o que eu escrever sobre Fernando Sabino pode soar reverencial e até um pouco derramado. Afinal, sou grande fã do autor e, se algum dia tive um ídolo, em algum ramo das realizações humanas, foi ele. Provavelmente o próprio autor acharia um exagero, já que se considerava apenas um representante sem grande importância para nossas letras. Mas, para mim, foi e continua sendo o maior, embora eu também goste muito de Rubem Fonseca e Sérgio Sant’Anna. Mas Sabino está acima de todos, até pela ligação pessoal que estabeleci com suas histórias no começo de minha formação intelectual. Foi a partir de seu conto “O homem nu”, que li em um livro do segundo grau, que comecei a desenvolver mais meu interesse por literatura e saí buscando tudo o que havia dele à venda nas livrarias e nos sebos. Li O menino no espelho há muitos anos e lembro de ter ficado com os olhos úmidos nas últimas páginas. É claro que não vou, aqui, analisar a obra. Mas a notícia me levou a pensar por que Sabino foi tão pouco explorado por nossos diretores.




Seu conto mais famoso, justamente “O homem nu”, rendeu duas adaptações, uma em 1968 com Paulo José, e outra mais recente, quase 30 anos depois, com Cláudio Marzo. Ambas divertidas, mas o conto era muito curtinho e fechado em si mesmo, não enchia um longa-metragem. Qualquer tentativa de se abrir a história levaria a dois caminhos. Um, esgotar a idéia e dissolver a essência do conto. Outro, criar outra história, tendo o conto apenas como mote, ou seja, aproveita-se um ponto de partida para construir uma narrativa diferente. Não me parece interessante, no fundo, acaba sendo um desrespeito com o autor, cria-se um filme híbrido que acaba não funcionando nem como adaptação nem como idéia original. Em 1989, o diretor Osvaldo Caldeira levou às telas o romance O grande mentecapto, baseado no romance homônimo e que permaneceu inédito em DVD por anos, até ser finalmente lançado no formato ano passado. Abaixo, reproduzo um brevíssimo comentário que escrevi sobre o filme em minha dissertação de mestrado, que teve o autor como tema.



“Como geralmente acontece às grandes obras da literatura (e outras nem tão grandes assim), o romance O grande mentecapto também foi adaptado para as telas de cinema, em 1989, pelo diretor Osvaldo Caldeira. O filme homônimo foi um dos últimos produzidos sob o comando da Empresa Brasileira de Cinema (Embrafilme), órgão que seria extinto cerca de três anos depois no governo de Fernando Collor de Mello. As dificuldades de se fazer cinema no Brasil, ainda hoje muito grandes, eram ainda maiores naquele tempo. Tal fato se evidencia na pobreza da produção, e certamente contribuiu para que o filme apresentasse um resultado final não acima de mediano. O público, no entanto, parece ter gostado, tanto que a fita se tornou campeã de bilheteria em todo o país, corroborando o Grande Prêmio do Público recebido no Festival de Gramado daquele mesmo ano.

Não há como negar que se trata de um filme bem engraçado, e nisso é muito ajudado pela interpretação de Diogo Vilela no papel central; no entanto, é decepcionante para quem conhece o livro e a história original. Nem se critica o final “alternativo” pelo qual o diretor optou, se considerarmos que cinema – e sobretudo o cinema brasileiro – precisa ser, antes de tudo, um produto comercial. O triste fim de Geraldo Viramundo no romance não seria bem digerido pela platéia média que freqüenta as salas de exibição. Este detalhe final, entretanto, foi aprovado pelo próprio F.S. (não foi ele quem escreveu o roteiro). O grande problema do filme, porém, é a falta de encadeamento lógico das ações. São cinco blocos narrativos bem marcados, todos introduzidos por letreiros que antecipam ao espectador as ações a seguir (como as didascálias do livro), mas cujos acontecimentos parecem independentes uns dos outros. Não há uma unidade narrativa. Vários episódios originais foram suprimidos, alguns de fundamental compreensão para o perfeito entendimento da história, como a “audição” de Viramundo de que seria ele o escolhido de Deus para reorganizar o mundo. Devido a tais supressões, a cena do assassinato do cego Elias perdeu muito de seu impacto, por não haver um maior aprofundamento das características dos personagens. As interpelações de Viramundo aos profetas de Aleijadinho são mostradas como um mero surto de loucura, sem a carga dramática exigida para o momento (que no livro, embora fique a cargo da imaginação de cada leitor, tem um efeito bem maior). Ou seja, suavizou-se o que deveria ter sido mais intenso, eliminando-se a poesia trágica presente no episódio do romance. Entretanto, a montagem e a fotografia da cena são realmente de se fazer notar.



Assim, o destino final de Viramundo tornou-se mero acessório para o encerramento da história, que ganhou um final otimista, brincalhão, bem mais próximo do espírito do personagem principal do que da essência do texto original. 

Em resumo, o diretor preferiu abandonar a riqueza de significados que o romance contém e se concentrou no mercadológico. Nada de errado nisso, pois, como foi dito, o público médio de cinema não busca questionamentos existenciais quando paga um ingresso. Mesmo porque as linguagens do cinema e da literatura são diferenciadas e seria complexo demais fazer uma transposição literal. Também não se trata de um filme ruim; apenas não faz jus à obra em que se inspirou.”

É este o risco que O menino no espelho corre. O de se transformar simplesmente em um filminho infantil de férias, longe da poesia que suas páginas contêm. Mesmo simples, a história é poderosa, evoca lembranças, resgata valores tradicionais hoje esquecidos, tudo regado com muita imaginação e bom humor. Vamos ver no que vai se transformar no cinema.


Do elenco, dois nomes já foram confirmados. Regiane Alves será a mãe do menino (boa escolha, é ótima atriz e muito simpática, pude conhecê-la pessoalmente há dois anos em uma ocasião social), que será interpretado por Lino Faciolli, de 11 anos, há 7 em Londres, e que esteve recentemente no elenco de Game of thrones, veja só, aparecendo em três episódios da recém-encerrada segunda temporada (na foto acima, ele em cena ao lado de Katie Dickie e Michelle Fairley, vale caçá-lo nas reprises) e antes fez O pior trabalho do mundo, além de curtas. 


3 comentários:

  1. Sonho com uma boa adaptação de 'O Encontro Marcado' para o cinema. Penso ser um dos grandes romances brasileiros do século XX. Merece um belo filme...

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    1. Verdade! Será um grande desafio para quem for adaptar este livro.. meu predileto do F.S. Aguardemos!

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  2. Concordo, João, espero que, se um dia virar filme, "O encontro marcado" seja tão admirável quanto o romance.

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