terça-feira, 29 de setembro de 2009

Festival do Rio - 500 noites de amor

BELLINI E O DEMÔNIO – Segunda adaptação de uma aventura do detetive Remo Bellini, criado pelo Titã Tony Bellotto, para o cinema (a primeira, Bellini e a esfinge, de 2001, ganhou o Troféu Redentor). Já há um terceiro livro, Bellini e os espíritos, que logicamente também irá virar filme. Não gosto da primeira história, excessivamente longa, lenta demais e dispersiva em sua narrativa fria, mas que segue direitinho a cartilha do cinema noir. Esta nova aventura de Bellini desenvolve-se em um clima bem mais dark, quase opressivo, por vezes angustiante, vai direto ao ponto (é bem curta, tem apenas 85 minutos). Não conheço o romance, mas é evidente também que muita coisa precisou ser suprimida ou resumida, o que pode gerar certa incompreensão por parte do espectador. Foi o último trabalho de Fábio Assunção antes de sua internação em uma clínica de recuperação da dependência química; de fato, o ator parece estar mesmo sob o efeito de alucinógenos, compondo com perfeição um atormentado e desesperançado detetive particular, sempre abatido, com barba por fazer, longe do galã que ficou conhecido pelas novelas globais. Sua atuação é visceral, imprimindo ainda mais impacto à narrativa, que não prima pela linearidade – é preciso ficar atento aos desdobramentos temporais para entender a trama. Há óbvias referências a O último portal e Coração satânico. A bela Rosane Mulholland, musa da vez do cinema nacional, faz a jornalista Gala, que auxilia Bellini na investigação sobre uma garota morta no banheiro do colégio, o que desencadeia uma perigosa busca por um livro misterioso, que conteria segredos ocultos. Podem apontar várias falhas no filme, mas a verdade é que me envolvi com a história, o filme prendeu minha atenção até a última cena. Marília Gabriela aparece quase ao final, morena e de cabelo curto, num papel pequeno, mas importante. O final pareceu rápido e abrupto demais. * * *

O CORREDOR NOTURNO – Entrou de última hora na minha programação (o filme original que ia assistir não foi liberado e escolhi outra sessão) e, combinando com o improviso, também cheguei em cima da hora à sala, já com os créditos de abertura na tela. Um executivo do ramo de seguros enfrenta problemas profissionais e familiares quando conhece um homem misterioso, que o ajuda a resolvê-los. Ele recusa o auxílio, mas livrar-se de seu novo amigo vai ser uma tarefa quase impossível. Baseado em romance homônimo do argentino Hugo Burel (editado pela Alfaguara), este poderia ser uma fábula sobre a moral no universo corporativo, com a figura do Sr. Conti funcionando como a voz da consciência do empresário (Leonardo Sbaraglia), sempre aparecendo nos momentos de crise mais intensa. No entanto, o bom ponto de partida se dilui por força de um roteiro frouxo, que não aprofunda os conflitos so protagonista nem se preocupa em desenvolver melhor a figura do amigo misterioso. O que será ele? Um fantasma? A própria consciência personificada? Uma metáfora das relações de poder? A definição fica a cargo de cada espectador. Pessoalmente, as primeiras referências que me vieram à mente foram dois contos de Rubem Fonseca, Passeio noturno (sobre um empresário que sai de carro pela noite atropelando pessoas – no filme, para aliviar a tensão, o executivo sai para correr à noite) e O outro (em que um cidadão comum não consegue se livrar de um pedinte), mas o filme nada tem a ver com nenhum deles. * *

500 DIAS COM ELA – Este foi o Pequena Miss Sunshine do festival deste ano: um filme que chegou sem alarde, meio na surdina, escondido no meio da programação (inclusive já com data de estréia definida, o que costuma espantar o espectador que gosta de garimpar pérolas), também independente (mas distribuído pela Fox), sem grandes nomes no elenco. E que consegue conquistar a platéia graças a um roteiro primoroso, inteligente, que faz um retrato sensível e realista das relações afetivas que se desenvolvem nos tempos atuais. O jovem Tom (Joseph Gordon-Levitt, da série 3rd rock from the sun) trabalha escrevendo cartões de felicitações, embora seja formado em Arquitetura (o que já provoca a imediata empatia do público, é um desvio profissional muito comum hoje em dia). Ele sempre acreditou no amor, em alma gêmea (o que é explicado logo no começo, ele teria entendido errado A primeira noite de um homem!). Sempre solitário, vê sua vida ganhar um novo sentido ao conhecer Summer (Zooey Deschanel, de carreira ascendente, linda como sempre), a nova assistente do escritório. Aos poucos, vão descobrindo várias afinidades. Tom se apaixona, mas Summer é exatamente o seu oposto: não acredita no amor, não quer compromisso sério. A narrativa avança e recua no tempo, ao longo dos tais 500 dias em que durou o relacionamento entre eles, mostrando as diversas etapas do namoro, momentos alegres, brigas, reconciliações, enfim, a vida tal como a vivemos. Com ótima montagem, trilha sonora espetacular e eclética, recheada de canções pop românticas que marcaram época (tem de The Smiths a Carla Bruni!), o filme tem também ótimos diálogos e boas sacadas visuais, como o pastiche musical após a primeira transa do casal ou a separação da tela em dois planos, o da realidade e o da expectativa, antes de um encontro entre ele e sua amada. O diretor Marc Webb, egresso dos videoclipes, mostra que é cinéfilo e presta uma bela homenagem à sétima arte, com uma especial seqüência em que satiriza filmes franceses (e também faz uma alusão muito bem humorada a O sétimo selo). Mas erra ao oferecer um final convencional. Embora possa provocar gargalhadas, é um filme a que se assiste com um ligeiro aperto no coração, por desnudar, de forma simples e direta, as misteriosas engrenagens que movem o amor. Se eu não estivesse em um momento afetivo particularmente muito bem resolvido, provavelmente teria derramado muitas lágrimas no cinema. Para ser visto por casais de todas as idades. O filme pode ser finalista em várias categorias do Oscar. Delirantemente aplaudido no final da sessão. * * * * *

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Festival do Rio - quiabo com rum

SEXO, QUIABO E MANTEIGA COM SAL – O sexagenário e machista Malik perde o chão ao ser abandonado pela mulher, que o troca pelo amante bem mais jovem. Tentando reiniciar sua vida, ele precisa reavaliar seus conceitos e, para isso, conta com a ajuda de uma vizinha sexualmente reprimida, de uma irmã, dos amigos e dos filhos, um dos quais se revela gay. Com um roteiro deficiente, que transita por várias situações sem aprofundar nenhuma delas a contento, o filme centra sua ação na comunidade costa-marfinesa residente na França, mas evita discutir problemas relacionados a ela (a questão da integração social, com a nova identidade européia, por exemplo, mal é mencionada e não acarreta conflitos). O interesse é mesmo o riso e, para alcançá-lo, o diretor equilibra sua história entre os diversos personagens, cada um com seu momento específico de brilho, embora nenhum seja especialmente bem construído. Mas é muito menos engraçado do que fez supor o público que assistiu à sessão, que saiu elogiando e recomendando com entusiasmo, o que o fez crescer no boca-a-boca. Tem, porém, o grande mérito de evitar baixarias e situações grosseiras, o que já é muito para uma comédia nos tempos atuais. É um filme simpático, que consegue ótima comunicação com a platéia, mas está longe de ser mais do que apenas uma curiosidade. O ator principal é a cara do Danny Glover. * *

35 DOSES DE RUM ­– No subúrbio parisiense, pai e filha tem o relacionamento abalado com a aproximação de outras três pessoas. Outra veterana de festivais, a francesa Claire Denis sempre ambienta suas histórias em núcleos humanos em vias de se despedaçar por decisões controversas de alguns de seus integrantes. Não é diferente aqui, em que o equilíbrio da relação entre Lionel (Alex Descas) e Josephine (Mati Diop) patina na medida em que novos rumos vão se desenhando para um e outro. O pai vai se envolvendo com uma taxista de meia-idade, enquanto a filha fica em dúvida se deve ou não acompanhar o namorado que recebeu uma proposta de emprego em outro país. Sóbrio, com narrativa eficiente e emoções contidas. Denis filma a vida como ela é, sem invencionices, sem grandes lances narrativos, com lentidão, muita conversa e um inegável calor humano para com seus personagens. * *

domingo, 27 de setembro de 2009

Festival do Rio - um bebê e dois motivos para chorar

RICKY – “Todo Ozon merece ser visto”, escreveu o crítico Rodrigo Fonseca a respeito de um dos mais badalados diretores franceses da atualidade. Não sou especial admirador de Ozon, que tem uma obra consistente, pautada por temas pesados e voltados à problemática dos relacionamentos interpessoais, geralmente afetivos. Aqui, ele realiza seu filme mais leve e fantasioso, mas nem por isso menos sério em sua proposta. Katie e Paco formam um casal comum até o dia em nasce Ricky, um bebê com uma curiosa peculiaridade. O resumo divulgado pela imprensa omite o grande segredo da história, que é muito fácil de adivinhar e eu até poderia revelar aqui, mas prefiro deixar que cada espectador tenha sua própria surpresa. Neste misto de drama familiar com comédia fantástica, há alguns bons momentos cômicos, sendo o principal deles quando o bebê escapa na loja de artigos natalinos. Ricky é adorável, dá vontade de levar para casa (e funciona bem, apesar dos efeitos especiais nem sempre competentes). Se fosse um típico blockbuster já haveria uma extensa linha de produtos relacionados, incluindo boneco de controle remoto. Aliás, dá mesmo para imaginar uma refilmagem norte-americana. No fundo, é apenas um filme fofo, simpático, diversão passageira para toda a família. * * *


BARBA AZUL – Entrou de tapa-buraco na minha programação este novo trabalho da sempre polêmica francesa Catherine Breillat, uma veterana de outros festivais (Anatomia do inferno, A última amante), que costuma rechear seus roteiros com muito sexo, mantendo firme o discurso feminista que, por vezes, chega a incomodar. Nada disso, porém, acontece aqui. Desta vez, ela renunciou ao erotismo para recriar livremente a clássica história do Barba Azul, escrita por Charles Perrault, que é muito conhecida e já foi várias vezes levada às telas (foi adaptada até para o Sítio do Pica-pau Amarelo!). São duas linhas narrativas. Em uma delas, passada nos dias de hoje, duas irmãs lêem e encenam a história do nobre assassino de mulheres. Na outra, desenvolve-se a lenda na França do século XVII. As duas narrativas se interligam pela aparente rivalidade entre as meninas nos dois momentos. Mas teria sido melhor Breillat se manter fiel ao estilo que a consagrou. A narrativa é extremamente fria e lenta, sem qualquer lance que desperte o interesse do espectador. O elenco também não ajuda, atuando de maneira impessoal. Cheguei a cochilar no cinema. Final trágico e abrupto, mas pouca gente terá agüentado até lá. De bom mesmo, só a bela reconstituição de época. *

AMARGO – O filme não tem enredo: é apenas uma sucessão de imagens delirantes e multicoloridas, intensamente iluminadas, versando sobre a sexualidade feminina. Um pesadelo surrealista, com várias citações a Buñuel e Dalí, vitaminado por uma montagem acelerada e com excesso de closes de olhos, bocas e peles, com escassez de diálogos, cenas desagradáveis e muito intelectualismo de botequim. O casal de diretores pensa ter realizado um dos filmes mais geniais da história. É mais uma enganação vendida como um sopro de renovação estética. Primeira sessão espanta-neném do festival, com vários espectadores deixando a sala durante a projeção. No final, ouvi um rapaz comentando que era um filme de terror de quinta categoria. Não é uma definição absurda.

sábado, 26 de setembro de 2009

Festival do Rio - de borboletas e viajantes

O LAR DAS BORBOLETAS ESCURAS – Jovem problemático é enviado a uma ilha onde funciona uma escola de correção comportamental de adolescentes. Lá, precisa aprender a conviver com os outros internos, enquanto é atormentado pelas lembranças de sua infância (que escondem um segredo) e se apaixona pela filha do dono do lugar. O cinema escandinavo, com forte tradição em temas que englobam o universo infanto-juvenil, tem aqui mais um excelente momento, num filme de clima opressivo, realçado pela fotografia em tons escuros. O comportamento arredio e autodestrutivo do protagonista é explicado quase ao final, em uma cena dolorosamente trágica, e o recurso dos flashbacks e insights de lembranças permeia toda a narrativa, tornando a história mais complexa e absorvente. Erro: os jovens intérpretes são visivelmente mais velhos do que a idade de seus personagens (todos por volta dos 13 / 14 anos), o que compromete a credibilidade do roteiro. O filme foi o escolhido para representar a Finlândia por uma vaga entre os concorrentes ao Oscar de Filme Estrangeiro. Baseado em premiado romance de Leena Landers. O título vem da criação de bichos-da-seda que o dono do lugar pretende iniciar para evitar que a escola feche, por falta de recursos: se as larvas não forem bem alimentadas, elas ficam escuras. * * *

VIAJO PORQUE PRECISO, VOLTO PORQUE TE AMO – Primeira reunião de dois dos mais festejados diretores brasileiros da atualidade, Marcelo Gomes (do superestimado Cinema, aspirinas e urubus) e Karim Ainouz (do lírico O céu de Suely, ambos premiados em edições anteriores do festival). O resultado só podia mesmo ser um híbrido de dois estilos tão parecidos. Um geólogo de quem apenas ouvimos a voz (Irandir Santos) viaja a trabalho pelo sertão nordestino, conhecendo vários tipos humanos, descobrindo histórias de amor e desilusão, enquanto se corrói de dor pela lembrança da mulher que amou e que, teoricamente, o teria abandonado. A narrativa é sofrida, com a solidão do personagem central encontrando paralelo nas longas distâncias percorridas, no clima seco e árido da paisagem sertaneja e na imobilidade dos pequenos lugarejos visitados, tudo reforçado por uma trilha sonora de clássicos do cancioneiro brega (tem até Bartô Galeno!). A luminosa fotografia serve de contraste à desesperança reinante por toda a narrativa, que só é atenuada na simbólica cena final. Visualmente, um dos filmes mais bonitos do festival e da nova safra do cinema nacional. No entanto, o solilóquio de amargura conduzido ao longo dos 71 minutos de duração do filme (quase não é um longa-metragem), mesmo emoldurado pelas belas imagens, não é suficiente para sustentar o interesse permanente do espectador. Quase no final, ensaia virar um documentário, com direito a entrevistas (uma conversa com uma jovem que se prostitui e conta dos seus planos, de sua idéia de felicidade, que seria uma “vida-lazer”, que ela explica como sendo a idéia de voltar para casa no final do dia e encontrar o marido à sua espera). Ou seja, é fácil se identificar com o narrador e entender seus anseios existenciais. O curioso título é uma famosa máxima de pára-choque, mas aqui é apresentado em um cartaz pregado na parede de uma borracharia de estrada. As filmagens ocorreram no interior do Ceará, Paraíba e Pernambuco, com algumas tomadas rodadas em Acapulco, no México, realizadas com uma diferença de 10 anos (1999 e 2009). * *

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Festival do Rio - as primeiras críticas

Começou a maratona! E já bati meu recorde pessoal de filmes vistos no primeiro dia do festival: foram cinco produções. A seguir, as críticas do que vi hoje.

TIRO NA CABEÇA – Em 2007, dois guardas civis espanhóis foram assassinados por membros do ETA, em um encontro casual. A partir deste fato, real, o diretor Jaime Rosales construiu uma trama ficcional, dramatizando os momentos que antecederam ao crime, mostrando o cotidiano de um dos assassinos e a preparação do atentado. O filme tem uma característica: não apresenta diálogos, nem música (embora não se trate de filme mudo, há sons e ruídos ambientes), com a história sendo explicada apenas pelas imagens. Nesse clima de frieza e distanciamento, o espectador é jogado no papel de cúmplice das ações, acompanhando todos os passos do grupo, observando tudo, sem poder reagir ou impedir qualquer coisa. O resultado é estranho, parecendo um misto de documentário com filme independente norte-americano. Elenco competente. Com apenas 84 minutos de duração, o filme é curto e nem deixa o público que o assiste com vontade de fazer o mesmo que seu título sugere. * *

EU, ELA E MINHA ALMA – O ator Paul Giamatti sofre um colapso nervoso durante os ensaios da peça Tio Vanya em Nova York. Descobre uma empresa especializada em retirar a alma das pessoas para deixá-las mais leves e recorre a seus serviços. Insatisfeito, porém, tenta reavê-la e descobre um complexo esquema de tráfico de almas a partir da Rússia. O excelente ponto de partida, muito original e criativo, nos faz pensar que iremos assistir a uma nova farsa surrealista nos moldes de Quero ser John Malkovich, em que um conhecido ator se envolve em uma trama absurda. Infelizmente, a proposta se perde depois de algum tempo, levando a resoluções inconvincentes e com poucos risos. Mesmo a crítica implícita contra as seitas e religiões apocalípticas, que prometem mundos e fundos a seus seguidores, se dilui ao longo da narrativa. Uma pena. No final, fica um sentimento de frustração pelo grande filme que poderia ter sido. Giamatti comprova ser um dos melhores coadjuvantes de Hollywood, carregando o filme nas costas, bem assessorado por David Strathairn (o médico que realiza a “operação” da alma). Emily Watson, como a esposa de Giamatti, tem poucas chances. Estréia de Sophie Barthes na direção de longas-metragens. * *

DOCE PERFUME – A atriz polonesa Krystyna Janda está rodando um filme pouco tempo após a morte de seu marido, de câncer. Seus sentimentos afloram e se misturam aos de sua personagem, uma mulher que vê o amante morrer afogado. O veterano Andrzej Wajda realiza uma obra em que ficção e realidade se mesclam na construção de uma personalidade atormentada pela dor e que discute, nas entrelinhas, o próprio trabalho do artista. Menos pesado que seu filme anterior, Quatro noites com Anna, exibido no festival do ano passado, é uma obra que se presta a várias interpretações, suavizando o sofrimento da situação com belas locações e trilha sonora adequadamente contida. * * *

UMA SEMANA EM PARAJURU – Os moradores do vilarejo de Parajuru, no Ceará, sofrem com a especulação imobiliária, desde que uma austríaca ali se estabeleceu e iniciou um projeto turístico-social. Com a desculpa do desenvolvimento, ela impõe suas regras, como a obrigatoriedade do ensino de língua alemã e o loteamento das praias para a prática de kitesurf. Dividido em seis pequenos trechos apresentados por subtítulos e mais um epílogo. Minha má vontade com o documentário surgiu logo na primeira cena, quando aparece “De um mundo à outro”, assim mesmo, com crase!!! Não tinham um revisor? Há outros erros (legendas malfeitas, com erros de pontuação), mas a importância do assunto se sobrepõe às falhas do projeto. Mostra que o Brasil ainda não está completamente livre da ameaça colonialista. A beleza de Parajuru (um lugar que deu vontade de conhecer pessoalmente) é realçada pela bela fotografia, do próprio diretor. Os letreiros finais informam que a equipe vem sofrendo represálias desde que o filme foi feito, e que estariam com dificuldades para fazer a história circular. * * *

O AREAL – Histórias de crendices populares na localidade de Guajará (PA), local dominado pela presença de um gigantesco e mítico areal, tido como encantado pelos moradores. Folclore brasileiro filmado por lentes estrangeiras (o diretor é chileno), sem esconder o fascínio pelo exotismo das locações e do tema incomum. Talvez por esses elementos tenha sido premiado em festivais menores do gênero. Não empolga. Lembra o semelhante Histórias do Rio Negro, com o doutor Dráuzio Varela. *

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Festival do Rio - um passaporte na mão e muita coisa na cabeça

Ao que parece, os bons ventos da modernidade, enfim, sopraram na direção do Festival do Rio. Como se atendessem a antigos pedidos do público, a comissão organizadora resolveu liberar para venda, na internet, os primeiros lotes de passaportes, de 20 e 50 ingressos, na semana passada. Em três dias, já estava tudo esgotado. Eu corri para garantir o meu, de 20 passes, como sempre (mas continuo achando que um passaporte de 30 filmes seria o ideal). E, ao contrário de todos os anos anteriores, dessa vez a venda de ingressos foi antecipada em um dia e começou hoje.

A velha fila, elemento indispensável de todo Festival do Rio, estava lá, formada, quando cheguei na central de ingressos, por volta das 9h30, meia hora antes da abertura. Pela senha que consegui, havia 16 pessoas na minha frente. Normal, tranqüilo. Achei o movimento bem mais fraco que de costume, em anos anteriores aquilo fervilhava, chegava mesmo a ser difícil caminhar pelo hall do Espaço de Cinema (onde funciona a central). Dessa vez, não houve atropelos. Mas confusão, sim: logo se formaram dois grupos distintos, o das pessoas que apenas foram retirar o passaporte, já tendo pago com antecedência pela internet, e o dos compradores de momento, que deixaram para adquirir suas entradas na hora, seguindo o esquema tradicional. Como organizar duas filas? E quem teria prioridade? Quem foi comprar ou quem foi apenas retirar? Para complicar mais um pouco, o sistema estava absurdamente lento, e logo veio a ordem: ainda não seria possível comprar os filmes, mesmo com o passaporte em mãos. No final das contas, em menos de uma hora, saí com meu passaporte em mãos (e este ano ainda fizeram um mimo, ele já veio com um cordão para os cinéfilos pendurarem no pescoço), mas sem os filmes. Como tinha uma consulta médica para dali a pouco, saí já imaginando que na volta, à tarde, teria de encarar uma fila quilométrica e mais confusão para conseguir os ingressos para os filmes pretendidos.

E mais uma vez veio a surpresa: voltei às 12h45 e continuava tudo tranqüilo. Fui encaminhado a um guichê espercífico para a troca de ingressos para os portadores do passaporte e finalizei a operação. Dos 20 filmes a que tenho direito, já consegui a metade, mantendo a média de todos os anos (ainda havia muitos filmes não liberados). Pelo menos consegui para dois que aguardo com mais expectativa: Somos todos diferentes (que será exibido em sessão matinal, às 9h!) e Bastardos inglórios, que, confesso, entrou de última hora na minha programação (eu não estava conseguindo encaixá-lo em nenhum horário), só depois que refiz todos os horários do último dia. Foi bom. Valeu. Agora é aguardar a liberação dos outros filmes da lista.

Ah, outra velha conhecida do Festival do Rio também marcou presença nesse primeiro dia: a chuva. Ainda bem que fui prevenido. Afinal, Festival do Rio sem chuva perde metade da graça.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O Festival do Rio vem aí...

Cinéfilos a postos! O Festival do Rio começa no próximo dia 24 (para convidados; para o grande público, a partir do dia 25) e, até seu encerramento, em 8 de outubro, irá mobilizar corações e mentes da comunidade cinéfila da cidade. Serão cerca de 350 títulos em exibição, de todos os gêneros, divididos em várias mostras, algumas homenagens e retrospectivas, espalhados por mais de 15 salas do Centro e da Zona Sul (um aspecto que particularmente me incomoda na organização do evento é essa restrição geográfica, que, muitas vezes, confere ao festival um caráter de gueto. Será que não existe um único cinema na Zona Norte em condições de receber o festival? Não existe público cinéfilo naquela região? E mesmo se forem poucos os que moram lá, por que têm de se deslocar para outras áreas da cidade? Uma explicação é que o Grupo Estação, que organiza a maratona, não possui salas na Zona Norte, o que naturalmente já dificulta a programação por lá. Exceção feita, talvez, ao Ponto Cine, em Guadalupe, que foi sede nos dois últimos anos, mas ainda é pouco).

Muitos filmes já foram confirmados pela organização e a programação deve ser divulgada até o final desta semana. O cardápio de 2009 é suculento, reunindo os novos trabalhos de Almodóvar, Resnais, Tarantino, Ang Lee e outros (mas, até agora, não há confirmação do novo Woody Allen, Tudo pode dar certo). Além de vários outros menos conhecidos, que, no fim das contas, são o grande atrativo de um festival de cinema. Perdido entre tantas opções, pode estar aquele filme inesquecível, aquela pérola que você só viu ali e poderá contar aos amigos nas edições seguintes. Todo mundo que freqüenta o festival tem uma história dessas. Lembro-me de um filme chinês que assisti há dois anos, chamado Sombras elétricas, uma pequena obra-prima tendo o cinema como elemento de interseção na vida de duas famílias. Nunca foi lançado no Brasil nem saiu em DVD, mas ficou na memória. Candidatos a novos queridinhos do público não faltam. É só garimpar.

De minha parte, há alguns títulos imprescindíveis. Já citei Bastardos inglórios, o novo do Tarantino, um drama de guerra estrelado por Brad Pitt. Também Os abraços partidos, que marca a volta de Almodóvar ao festival após um hiato de cinco anos (seu último filme, Volver, passou aqui em 2004; aliás, Almodóvar é o típico caso de diretor que foi descoberto pelo público em um Festival do Rio, há mais de 20 anos e, desde então, só tem feito engrossar seu séquito de admiradores). O sempre polêmico austríaco Michael Haneke comparece com A fita branca, grande vencedor da Palma de Ouro (e será que veremos também Líbano, que acabou de ser premiado em Veneza?). Há ainda 12 homens e uma sentença, de Nikita Mikhalkov (indicado ao Oscar de Filme Estrangeiro em 2008), Distantes nós vamos (Sam Mendes), o aguardado Aconteceu em Woodstock, tributo de Ang Lee aos quarenta anos do festival de música mais famoso de todos os tempos (e que será o filme de abertura), A batalha dos 3 reinos (John Woo), Eu te amo, Nova York (nos mesmos moldes de Paris, te amo, de 2007, e que marca a estréia da atriz Natalie Portman como diretora em um dos episódios). Todos incluídos no Panorama, a mostra principal. Mas é claro que há muito mais a se ver.

Um dos imperdíveis do festival é o filme indiano Como estrelas no céu, já sugerido pelo companheiro Ibirá Machado aqui no blog (no texto “Introdução ao cinema indiano II”, de julho), que teve o título modificado (vai ser exibido como Somos todos diferentes), e infelizmente programado para a mostra Geração, voltada a crianças e adolescentes (ou seja, bagunça no cinema). Mas é obrigatório. Na mesma mostra, o finlandês O lar das borboletas escuras merece uma conferida. Nunca vi nenhum filme da Geração por ter a quase certeza de me aborrecer com a platéia, mas acho que, este ano, finalmente vou encarar.

Outra atração é a mostra Imagens da Turquia, com seis produções recentes daquele país, que já nos legou 3 macacos, ainda em cartaz. Uma novidade deste ano é a mostra dedicada a filmes que tenham o meio ambiente como temática. E haverá ainda uma homenagem à atriz francesa Isabelle Huppert, incluindo 8 mulheres (François Ozon) e Mulheres diabólicas (Claude Chabrol).

Minha primeira participação no Festival do Rio ocorreu em 2002. Naquele ano, vi apenas 8 filmes, só para testar o esquema e me ambientar com o evento. De lá para cá, tornei-me rato de festival. Já no segundo ano, minha cota pulou para 20 filmes. Parece impossível, mas há quem assista a mais de 100 filmes nas duas semanas de maratona. Nunca cheguei nem perto disso (meu recorde foi ano passado: 40 filmes), mas também nunca me importei. No final, sempre fica aquela sensação de que poderia ter visto mais. Aí, é preparar o espírito para o festival do ano que vem e tentar se organizar melhor...

Durante o festival, tentarei atualizar este espaço pelo menos duas vezes por semana, com críticas, impressões, comentários, enfim, tentando “dar o recado” ainda em cima do lance. As atualizações das quartas-feiras estão mantidas, mas outras poderão acontecer a qualquer momento. E que venha o Festival do Rio!

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

20 centímetros

O gênero musical respira por aparelhos há várias décadas. Passada sua época áurea, na Hollywood dos anos 40 e 50 (e um pouco dos 60), pouco se fez depois que tenha alcançado algum destaque – Jesus Cristo superstar, All that jazz, Hair, e, mais recentemente, Moulin rouge e Chicago. Fora dos EUA, surgem exemplares esporádicos. Este 20 centímetros é um bom exemplo e prova que os musicais ainda têm seu espaço na cinematografia atual, ainda que produzidos por um viés bem distinto daquele dos grandes sucessos de outrora. Não há mais o universo edulcorado e fantasista em que eles foram originalmente concebidos, mesmo porque sua necessidade escapista – o gênero foi o sustento da indústria durante as Guerras Mundiais – perdeu o sentido. Os musicais de hoje acompanham o ritmo da vida nas grandes cidades, retratam em suas tramas problemas modernos e, em alguns casos, inimagináveis há cerca de 40 anos.

Aqui, acompanhamos a história de Adolfo, um travesti que usa o codinome de Marieta e é interpretado pela atriz Mónica Cervera (que fez depois Crime ferpeito). Seu grande sonho é se tornar uma mulher de verdade, mas para isso tem de se livrar de seu pênis, que tem exatamente a dimensão sugerida pelo título. A história é das mais bizarras que se pode ver, passada num universo quase surreal, com personagens que parecem saídos de algum filme de Pedro Almodóvar – parece que o cinema espanhol de hoje deve a ele algum tipo de tributo, pois é enorme sua influência sobre os jovens realizadores. Marieta, que sofre de narcolepsia, mora num condomínio habitado por outros travestis, a maioria já idosa, que vira e mexe discutem pela janela da área interna. Divide o apartamento com um anão cujo sonho é ser violoncelista, e toma conta do filho de uma amiga, uma gorda que se envolve em negócios escusos para conseguir dinheiro. É ela quem aconselha Marieta a se operar no Brasil, pois "lá (aqui) estão os melhores cirurgiões", além de tecer outros elogios ao país: "O Brasil tem homens maravilhosos, de paus enormes, e em grande quantidade, são quatro ou cinco para cada mulher" (mas quando ela diz, momentos antes, que no Brasil se trabalha muito, por isso o país prospera, a audiência explodiu em risos!). A situação ameaça se complicar quando Marieta se apaixona por um carregador do mercadinho local, que não só corresponde aos sentimentos, como ainda pede para ser enrabado pela "namorada" durante as transas! Por aí se percebe o grau de subversão a todas as normas do gênero.

Mas, apesar de tantas ousadias, o filme reza pela cartilha dos musicais, ou seja, tudo é levado em muito alto astral, com bom humor e no fim todos os problemas são resolvidos. Entre as seqüências de canto e dança, a melhor é a que reúne os três casais ao som de "True blue", da Madonna, e a mais inusitada, a passada em um cemitério, com um bando de zumbis travestis, parodiando o "Thriller" de Michael Jackson. Quem se choca com essas coisas deve evitar o filme; já quem não liga para certos códigos de moral ou conduta irá se divertir muito. Curiosidade: antes dos créditos de abertura, surge uma mensagem na tela solicitando que os espectadores não gravem nem copiem o filme ou partes dele, informando que tal prática constitui crime de pirataria.

O filme chegou a ser anunciado no circuito após sua exibição no Festival do Rio de 2005, mas terminou simplesmente sendo engavetado, e sequer saiu em DVD. Ou seja, ficou como uma dessas pérolas descobertas no evento. Mas, como o grupo Estação costuma surpreender seus espectadores, tirando do fundo do baú títulos considerados esquecidos, ainda resta uma esperança de vê-lo em alguma sala.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

À prova de morte - o filme esquecido de Tarantino

Nova produção dirigida por Quentin Tarantino, Bastardos inglórios é um dos títulos mais aguardados do próximo Festival do Rio. O filme, que deverá encerrar o evento, no dia 8 de outubro, já vem sendo apontado como favorito à disputa do Oscar 2010. Com estréia prevista para o circuito ainda este ano, deve chegar às telas antes de seu trabalho anterior, rodado há quatro anos e que nunca foi lançado sequer em DVD por aqui. Pois é, existe um Tarantino inédito no Brasil, que só foi exibido no festival de dois anos atrás: À prova de morte.

Em 2005, os amigos Quentin Tarantino e Robert Rodríguez se uniram para realizar um projeto chamado Grindhouse, uma homenagem aos antigos cinemas-poeira dos anos 50, assim denominados, e que eram especializados em sessões duplas de filmes baratos de sexo e violência, muito populares em sua época. Originalmente, a idéia era um filme único em duas partes (esta é a segunda; a primeira, Planeta terror, saiu nos cinemas e em DVD duplo distribuído pela Europa. Embora esta seja a segunda parte, foi exibida antes no festival porque a outra não havia sido liberada a tempo. Coisas do festival) divididas por trailers de outros filmes trash (todos fictícios) e totalizando quatro horas de duração. Só que o projeto foi muito mal de crítica lá fora e a distribuidora desistiu de lançá-lo no mercado externo como planejado. Assim, acabamos perdendo o grande charme da idéia, que era exatamente brincar com aquele tipo de programa, já que não tivemos acesso ao pacote completo – em um dos falsos trailers, Willen Dafoe aparecia interpretando um vampiro! Só restou o desfecho da idéia original – antes da abertura, o filme é anunciado como “Nossa próxima atração”. Mesmo assim, dá para curtir esta fita que presta uma carinhosa reverência ao cinema.

Tarantino preferiu rodar um road-movie de suspense nos moldes do que virou moda nos anos 70, copiando o mesmo tipo de letreiro, cortes e closes, e inclusive utilizando os mesmos defeitos técnicos da época, com imagem riscada, fotografia escura (de sua própria autoria), falhas de imagem por causa da troca de rolos etc. Sua história é contada em duas épocas. Na primeira, um psicopata (interpretado por Kurt Russell) persegue e mata quatro amigas que viajavam para a casa de veraneio de uma delas (o estranho título é porque o carro usado pelo assassino é descrito por ele como indestrutível, portanto, à prova de morte – não é “a prova da morte”, como ouvi um mauricinho na fila da sessão explicar para sua namorada, na certeza de um abafo de cultura e intelectualidade). Na segunda, que se passa 14 meses depois, a trama é repetida, mas com outro desfecho. A primeira parte é superior, com o diretor escancarando sua pedofilia (a primeira imagem mostra um par de pezinhos femininos estendidos sobre o painel do carro) e brindando a platéia com uma generosa coleção de diálogos inspiradíssimos. A segunda parte, por outro lado, é menos feliz, uma vez que as conversas se tornam excessivas e derrubam o ritmo do filme, que só é recuperado na alucinante perseguição final. Tudo embalado por uma contagiante trilha sonora, como sempre uma atração à parte nos filmes dele. A dança de Rose McGowan (que faz a protagonista de Planeta terror) é extremamente sensual e me fez imaginar se Tarantino também cultiva alguma espécie de onfalolatria (atenção: a palavra não existe nos dicionários, mas pode ser formada pela justaposição do radical grego onfalus mais o sufixo "latria", o que se traduz por “adorador de umbigos”). Há também incontáveis referências ao próprio cinema, desde os cartazes de filmes antigos pregados nas paredes do bar onde se passa a maior parte da ação na primeira parte até citações literais de antigas séries de TV, não faltando brincadeiras com sucessos mais recentes (Maria Antonieta, Todo mundo em pânico 4). Tudo bem ao estilo do diretor. Um filme divertido, mas que poderia dispor de um ritmo mais ágil. É justamente seu palavrório que trava a ação na segunda parte, que é finalizada ao som da contagiante “Chick habit”, de April March.

Fui conferir o filme em um domingo à noite no Roxy, um cinema em que o público tradicionalmente não costuma embarcar na onda do festival. Estava lotado e a platéia aplaudiu muito ao final da sessão. Nos créditos finais, levei um susto ao ver que a atriz que interpreta a desbocada e excitante Julia Jungle se chamava Sidney Poitier!!!!!!! Confesso que pensei tratar-se de uma gozação tarantinesca, travestindo um ícone dos anos 70, camuflando-o de forma irreconhecível debaixo de quilos de maquiagem e efeitos de CGI (o que também me irritou profundamente, será que passei o filme inteiro suspirando por uma estrela que nem estrela mesmo é?). Mas, para meu alívio, era apenas a filha do famoso ator, creditada com o nome do pai. Mais uma referência do diretor aos anos 70.

Fico na torcida para que, com a iminente chegada de Bastardos inglórios ao circuito, enfim, a Europa tire este aqui do inexplicável limbo a que o condenou e o torne disponível, ao menos em DVD.