quarta-feira, 9 de setembro de 2009

20 centímetros

O gênero musical respira por aparelhos há várias décadas. Passada sua época áurea, na Hollywood dos anos 40 e 50 (e um pouco dos 60), pouco se fez depois que tenha alcançado algum destaque – Jesus Cristo superstar, All that jazz, Hair, e, mais recentemente, Moulin rouge e Chicago. Fora dos EUA, surgem exemplares esporádicos. Este 20 centímetros é um bom exemplo e prova que os musicais ainda têm seu espaço na cinematografia atual, ainda que produzidos por um viés bem distinto daquele dos grandes sucessos de outrora. Não há mais o universo edulcorado e fantasista em que eles foram originalmente concebidos, mesmo porque sua necessidade escapista – o gênero foi o sustento da indústria durante as Guerras Mundiais – perdeu o sentido. Os musicais de hoje acompanham o ritmo da vida nas grandes cidades, retratam em suas tramas problemas modernos e, em alguns casos, inimagináveis há cerca de 40 anos.

Aqui, acompanhamos a história de Adolfo, um travesti que usa o codinome de Marieta e é interpretado pela atriz Mónica Cervera (que fez depois Crime ferpeito). Seu grande sonho é se tornar uma mulher de verdade, mas para isso tem de se livrar de seu pênis, que tem exatamente a dimensão sugerida pelo título. A história é das mais bizarras que se pode ver, passada num universo quase surreal, com personagens que parecem saídos de algum filme de Pedro Almodóvar – parece que o cinema espanhol de hoje deve a ele algum tipo de tributo, pois é enorme sua influência sobre os jovens realizadores. Marieta, que sofre de narcolepsia, mora num condomínio habitado por outros travestis, a maioria já idosa, que vira e mexe discutem pela janela da área interna. Divide o apartamento com um anão cujo sonho é ser violoncelista, e toma conta do filho de uma amiga, uma gorda que se envolve em negócios escusos para conseguir dinheiro. É ela quem aconselha Marieta a se operar no Brasil, pois "lá (aqui) estão os melhores cirurgiões", além de tecer outros elogios ao país: "O Brasil tem homens maravilhosos, de paus enormes, e em grande quantidade, são quatro ou cinco para cada mulher" (mas quando ela diz, momentos antes, que no Brasil se trabalha muito, por isso o país prospera, a audiência explodiu em risos!). A situação ameaça se complicar quando Marieta se apaixona por um carregador do mercadinho local, que não só corresponde aos sentimentos, como ainda pede para ser enrabado pela "namorada" durante as transas! Por aí se percebe o grau de subversão a todas as normas do gênero.

Mas, apesar de tantas ousadias, o filme reza pela cartilha dos musicais, ou seja, tudo é levado em muito alto astral, com bom humor e no fim todos os problemas são resolvidos. Entre as seqüências de canto e dança, a melhor é a que reúne os três casais ao som de "True blue", da Madonna, e a mais inusitada, a passada em um cemitério, com um bando de zumbis travestis, parodiando o "Thriller" de Michael Jackson. Quem se choca com essas coisas deve evitar o filme; já quem não liga para certos códigos de moral ou conduta irá se divertir muito. Curiosidade: antes dos créditos de abertura, surge uma mensagem na tela solicitando que os espectadores não gravem nem copiem o filme ou partes dele, informando que tal prática constitui crime de pirataria.

O filme chegou a ser anunciado no circuito após sua exibição no Festival do Rio de 2005, mas terminou simplesmente sendo engavetado, e sequer saiu em DVD. Ou seja, ficou como uma dessas pérolas descobertas no evento. Mas, como o grupo Estação costuma surpreender seus espectadores, tirando do fundo do baú títulos considerados esquecidos, ainda resta uma esperança de vê-lo em alguma sala.

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