Imagine uma história assim: Jesus
Cristo desperta de um sono secular na Manhattan dos dias atuais e sai vestido
de super-herói pelas ruas da cidade pregando os ensinamentos de bondade e
tolerância entre os homens. Mas, lá do céu, o Todo-Poderoso, que administra uma
pizzaria, não gosta nem um pouco das atitudes do filho e envia um arcanjo para
tentar demovê-lo de seus intentos. Então, Jesus tenta ganhar a simpatia do
arcanjo para sua causa ao mesmo tempo em que precisa impedir os planos que o
diabo tem para conquistar o mundo, para o que conta com a ajuda dos quatro
maiores pecadores da história: Hitler, Nixon, Vlad, o Empalador e Jim Morrison
(!?).
Blasfemo? Obra de algum
iconoclasta revoltado com o cristianismo? Produto de uma mente criativa e
doentia? Talvez um pouco de tudo. Se você gostou da sinopse, provavelmente vai
adorar assistir Ultracristo, mais uma
dessas bizarrices que nunca foram lançadas por aqui, mas estão disponíveis na
rede, ao alcance de um clique para serem baixadas. É bom que se diga, porém,
que o resultado fica muito abaixo do que se poderia esperar de uma história com
tal ponto de partida.
Fazer graça com religião é um
terreno minado, sempre complicadíssimo por ferir crenças e expor ao ridículo
certos dogmas que muitas pessoas seguem, quase sempre, cegamente e sem muitas
discussões. A impressão é que o diretor quis fazer uma ousadia anárquica, mas,
talvez temendo as reações negativas e a rejeição ao filme, teve de pisar no
freio e maneirar nas piadas. Não acho que alcançaria maior repercussão,
sobretudo porque o filme erra no que deveria ser seu grande trunfo: o humor. As
piadas são fracas, os diálogos não são engraçados, às vezes parece que estamos
vendo um filme inglês, com aquele humor esquisito e cifrado, o apelo visual não
funciona adequadamente. São poucos os destaques cômicos. O uniforme que Cristo
passa a usar para combater o mal tem um design divertido.
Há outra piadinha rápida, mas bem
bolada, que é o nome da pizzaria administrada por Deus, Famiglia. Outra sacada
é quando Cristo sai pelas ruas e usa sua visão infravermelha para localizar
crimes, só que, em vez de indicar qual tipo de delito está sendo cometido,
aponta para o mandamento que se está violando! No mais, o filme se perde em
tentativas de chocar, mas sem maior conseqüência. Mesmo situações que poderiam
render escândalo acabam ficando em segundo plano – por exemplo, a jovem
costureira que acolhe Cristo divide a casa com duas amigas que são lésbicas e
amantes. Cristo ficaria chocado com isso? Não sabemos, porque o assunto é muito
mal apresentado e quase não é explorado, só tem uma cena de beijo e mais nada.
Será que faltou coragem para ir adiante?
Mais interessante que o próprio
filme é conhecermos detalhes curiosos envolvendo os intérpretes. O nome mais
conhecido (!) do elenco é o de Celia A. Montgomery, que antes havia feito uma
ponta (!!!) não creditada (!!!!!!!!) em Kate
e Leopold (2001), parou a carreira e só voltou a trabalhar este ano em um
curta-metragem. Dara Shindler, que interpreta a intrometida repórter Jada
Jensen, também só fez mais um curta depois, mas certamente você já deve tê-la
ouvido: uma canção de sua autoria, “Faraway”, foi executada em quatro filmes,
entre eles Demolidor e Premonição 4.
O protagonista, Jonathan
C. Green, ao contrário do que sugere o sobrenome, não tem qualquer parentesco
com o comediante Tom Green, embora ambos guardem mesmo certa semelhança
fisionômica. Ultracristo também foi
seu primeiro trabalho e o único de relativo destaque; depois, esteve em um
episódio de Lei & ordem e fez
outros dois filmes sem maiores referências. O próprio diretor Kerry Douglas Dye
só voltou a se arriscar atrás das câmeras quatro anos depois, em 2007, com Body/antibody, também inédito por aqui,
mas que lhe rendeu alguns prêmios em festivais pequenos e sem expressão nos
Estados Unidos. Mesmo este seu primeiro filme recebeu menção honrosa no
Festival de Cinema e Vídeo de Berkeley e, pasmem, melhor comédia no Festival da
Filadélfia.
Ou seja, Ultracristo foi mesmo uma ação entre amigos e as más críticas que
recebeu devem ter contribuído para enterrar a carreira de todos os envolvidos.
O filme também é mal avaliado no site IMDB, com a média 4,5. Mas, diante da
natureza de sugestiva anarquia de seu roteiro, fica a dúvida se as pessoas não gostam
por mexer com algo sagrado ou simplesmente por ser um filme ruim mesmo.
Um desses casos em que a idéia é
mais interessante e engraçada que a própria realização.
Veja o trailer dessa tosqueira:
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