Há algum tempo, escrevi sobre o
filme Sedução e vingança, de Abel
Ferrara, em que uma jovem muda era violentada duas vezes no mesmo dia, matava o
segundo marginal e virava uma justiceira urbana. É possível encontrar
semelhanças entre este e outro filme, que nunca foi lançado no Brasil e é mais
conhecido pelo público que curte cinema extremo e alternativo. Mais falado do
que visto, Thriller – Um filme cruel é
um competente exemplar do subgênero sexploitation
que se tornou lendário e serviu de referência para muita gente.
O cartaz do filme já indica a
força de sua influência. Uma mulher usando tapa-olho empunhando uma espingarda,
em pose de ataque. A imagem lembra a assassina de Kill Bill, do Tarantino. O diretor confessou que se inspirou nela
para compor a personagem de seu filme. Esta produção sueca de 1974 oferece mais
do que uma simples trama de vingança. Trata da necessidade de uma mulher se
reinventar para continuar vivendo, mesmo que para isso precise contrariar sua
natureza.
A vida de Frigga foi marcada pela
crueldade desde a infância. Quando ainda criança, foi abusada sexualmente por
um velho pervertido com quem brincava em um bosque. O trauma a fez perder a
voz. Alguns anos depois, já adolescente, ela vive no meio rural, sem muitas
perspectivas.
Um dia, conhece um homem charmoso
que a convida para jantar, sem desconfiar que ele seja um cafetão. Quando percebe
o que está acontecendo, é tarde. Já está sendo mantida dopada e trancada na
casa dele. É obrigada a mudar de nome (para Madeleine) e a se prostituir.
Tenta fugir, mas o malvado
enfia-lhe uma faca no olho, deixando-a cega da vista esquerda (a cena é
mostrada em um close angustiante), razão pela qual Frigga passa a usar um tapa-olho.
Ela aproveita as horas vagas para aprender tiro, direção e técnicas militares,
elementos que utilizará em sua vingança.
São essas horas vagas que me soam
incoerentes no roteiro. Afinal, Frigga tem a liberdade de sair uma vez por
semana do local, pode muito bem avisar a polícia ou simplesmente fugir! Por que
não faz isso? Porque essa falha é compensada pela sólida construção psicológica
da personagem. Frigga é uma figura que parece carregar o sofrimento no sangue.
Abusada quando criança, tentou resguardar-se do mundo sórdido e levar sua
vidinha entre seus bichinhos e cultivos, mas seu destino é sofrer. Quando se
confronta com uma realidade sem alternativas, tendo somente a heroína como
companheira, sente pulsar a necessidade da sobrevivência. A vingança da jovem
não ecoa somente uma justiça que se faça ainda que por linhas tortas; é seu
grito de socorro, sua prova de humanidade em meio à devassidão de um mundo que
lhe é indiferente e violento. Para se manter viva, humana, Frigga, já
transfigurada em outra pessoa (Madeleine) pela imposição das circunstâncias,
precisa extirpar o mal que a ameaça, que corrói sua sanidade. Por isso, a opção
da fuga é um paliativo, não uma solução. Apenas com a eliminação total de seus
algozes é que encontrará a paz de espírito e conseguirá se reconciliar consigo
mesma. Não será feliz, decerto. E no lugar da jovem inocente que era, há agora
uma mulher brutalizada e endurecida. Mas a ordem de seu mundo estará
restaurada. E é nessa reconfiguração de sua realidade que Frigga poderá
reencontrar sua essência.
Se o roteiro permite tal riqueza
de interpretação, alguns aspectos técnicos também chamam a atenção do
espectador. As cenas de lutas e assassinatos são mostradas em câmera lenta,
conferindo uma estranha beleza visual a essas seqüências. A montagem garante a
fluência da narrativa, que pode parecer lenta no começo, mas se impõe no ritmo
certo, alicerçando a construção da personalidade de Frigga / Madeleine. Há
rápidas cenas de sexo explícito (sempre lembrando que a Suécia foi o primeiro
país do mundo a liberar a pornografia), mas nada especialmente chocante ou fora
de contexto.
Quem assina a direção é Alex
Fridolinski, pseudônimo utilizado por Bo Arne Vibenius, provavelmente para
tentar obter maior visibilidade internacional para o filme (o mesmo artifício
era usado por cineastas e astros italianos do western-spaghetti, ou seja, epítetos americanizados para facilitar
a aceitação do mercado externo). O vigor que mostra na condução do elenco é a
prova de que foi bom aluno: começou no cinema trabalhando com ninguém menos que
Ingmar Bergman como diretor assistente em Persona
– Quando duas mulheres pecam (1966) e depois diretor de unidade de A hora do lobo (1968). Em 1969, rodou
seu primeiro filme, a comédia familiar Hur
Marie träffade Fredrik. Thriller – Um
filme cruel (em que faz uma ponta não creditada) foi seu segundo longa.
Encerrou a carreira no ano seguinte, em 1975, quando realizou, também com
pseudônimo, Breaking point – Um thriller
pornográfico. Entre 1976 e 1983, fez trabalhos esporádicos como coordenador
de produção de filmes locais menores.
Um currículo raquítico se
comparado ao de sua estrela, a bela Christina Lindberg, que virou musa
alternativa nos anos 70, período em que rodou a maioria de seus trabalhos como
atriz, muitos eróticos. Depois, afastou-se do cinema. Fez uma participação no
filme Cry for revenge, deste ano (não
lançado no Brasil), sua única experiência em Hollywood.
Um filme de trama e imagens
fortes, mas, a seu modo, estranhamente belo. E triste.