Às vezes, um filme vindo dos lugares
mais improváveis pega o espectador pelo tornozelo e dá um banho de bálsamo nas nossas
retinas tão fatigadas de mesmice, por mais experiência cinéfila que tenhamos. Este
Acalanto é uma produção oriunda da
Geórgia que nunca esteve nem perto de chegar ao Brasil, e é apenas graças à
internet que podemos descobrir essa pequena jóia que, de outra forma,
permaneceria na ignorância do público.
A Geórgia é uma ex-república
soviética que adquiriu sua independência política no começo dos anos 90. Nunca
teve tradição no cinema, ao contrário da antiga União Soviética, que deixou um
legado importante para a Sétima Arte, com diretores consagrados (basta citar
Einsenstein) e prêmios conquistados em festivais pelo mundo, incluindo o Oscar
de Filme Estrangeiro. Mesmo assim, na única vez em que uma produção daquele
país chegou aqui, colheu críticas favoráveis. Em 2002, Os 27 beijos perdidos foi exibido no circuito alternativo da cidade
(você pode conhecê-lo na edição em DVD, lançado pela falida Europa). Fora isso,
nem no Festival do Rio.
A história de Acalanto é tão simples quanto sua
estrutura narrativa. Uma abastada família da aristocracia georgiana vive feliz
em sua mansão, no que parece ser uma área rural do país. Os jovens pais passam
o dia brincando com a pequena Keto, de 4 anos, que recebe esporadicamente a
visita do avô. Tudo corre muito bem, até o dia em que o casal aceita abrigar
uma dupla de mendigos andarilhos em seus aposentos. Eles passam a noite na casa
e, no dia seguinte, seqüestram a criança, levando junto a alegria do lugar. Dez
anos depois, Keto reaparece, mas não se lembra dos pais nem de qualquer coisa
que a ligue a suas raízes. Mas a família ainda terá uma última surpresa.
O espectador precisa ter em conta
que assistirá a um filme completamente diferente do que a sinopse deixa
sugerido. Apesar de a história ser exatamente como resumida, ela se desenvolve
em um ritmo próprio, com poucos diálogos (alguns não traduzidos, mas nada que
atrapalhe a compreensão) e um visual que a aproxima por vezes de uma fábula. A
extrema simplicidade da produção pode mesmo irritar o espectador comum, pouco
afeito a um tipo de cinema que não se encontra na esquina; o resultado, porém,
é arrebatador. Há detalhes técnicos riquíssimos, como a bela fotografia que
valoriza tanto os exteriores coalhados de luz outonal quanto os interiores
escurecidos e austeros. As locações são de extrema beleza. Atenção para a música, que é doce, melodiosa, pode
grudar no ouvido de quem a ouve, mas está longe de ser aquela coisa chata e
repetitiva.
Quando me criticam de ser
incoerente, de condenar o comércio de DVDs piratas e apoiar o download de
filmes pela internet, rebato dizendo que no segundo caso trata-se de difusão
cultural. Vejam que esta é uma produção de 1994, ou seja, são quase duas décadas
de criminosa ignorância para a existência desse filme. De que outra forma
poderíamos conhecê-lo? De que outra forma nos seria possível encantarmo-nos com
tanta beleza? Acalanto é um desses
grandes filmes que são feitos ao redor do mundo que só chegam aqui graças à
troca de arquivos pela rede.
Só não revelo o nome do site que
o torna disponível porque já assumi essa postura, deixo a critério de cada
interessado procurar. Mas vale a caçada: é altamente compensador. E um prêmio
para os cinéfilos mais inquietos.
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Farei uma rápida viagem na próxima quarta-feira e, combinado a ela, deixarei meu equipamento aos cuidados de um técnico para atualizações e demais reparos necessários. Como não tenho garantia de conseguir acesso à rede nos próximos dias, informo aos eventuais leitores deste espaço que não haverá atualizações durante o período. Se tudo correr bem, volto no dia 19 de julho, com as fritas no cardápio. Conto com vossa compreensão.
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