segunda-feira, 2 de julho de 2012

Eu sou vingativa porque o mundo me fez assim


Há algum tempo, escrevi sobre o filme Sedução e vingança, de Abel Ferrara, em que uma jovem muda era violentada duas vezes no mesmo dia, matava o segundo marginal e virava uma justiceira urbana. É possível encontrar semelhanças entre este e outro filme, que nunca foi lançado no Brasil e é mais conhecido pelo público que curte cinema extremo e alternativo. Mais falado do que visto, Thriller – Um filme cruel é um competente exemplar do subgênero sexploitation que se tornou lendário e serviu de referência para muita gente.

O cartaz do filme já indica a força de sua influência. Uma mulher usando tapa-olho empunhando uma espingarda, em pose de ataque. A imagem lembra a assassina de Kill Bill, do Tarantino. O diretor confessou que se inspirou nela para compor a personagem de seu filme. Esta produção sueca de 1974 oferece mais do que uma simples trama de vingança. Trata da necessidade de uma mulher se reinventar para continuar vivendo, mesmo que para isso precise contrariar sua natureza.

A vida de Frigga foi marcada pela crueldade desde a infância. Quando ainda criança, foi abusada sexualmente por um velho pervertido com quem brincava em um bosque. O trauma a fez perder a voz. Alguns anos depois, já adolescente, ela vive no meio rural, sem muitas perspectivas.

Um dia, conhece um homem charmoso que a convida para jantar, sem desconfiar que ele seja um cafetão. Quando percebe o que está acontecendo, é tarde. Já está sendo mantida dopada e trancada na casa dele. É obrigada a mudar de nome (para Madeleine) e a se prostituir.

Tenta fugir, mas o malvado enfia-lhe uma faca no olho, deixando-a cega da vista esquerda (a cena é mostrada em um close angustiante), razão pela qual Frigga passa a usar um tapa-olho. Ela aproveita as horas vagas para aprender tiro, direção e técnicas militares, elementos que utilizará em sua vingança.

São essas horas vagas que me soam incoerentes no roteiro. Afinal, Frigga tem a liberdade de sair uma vez por semana do local, pode muito bem avisar a polícia ou simplesmente fugir! Por que não faz isso? Porque essa falha é compensada pela sólida construção psicológica da personagem. Frigga é uma figura que parece carregar o sofrimento no sangue. Abusada quando criança, tentou resguardar-se do mundo sórdido e levar sua vidinha entre seus bichinhos e cultivos, mas seu destino é sofrer. Quando se confronta com uma realidade sem alternativas, tendo somente a heroína como companheira, sente pulsar a necessidade da sobrevivência. A vingança da jovem não ecoa somente uma justiça que se faça ainda que por linhas tortas; é seu grito de socorro, sua prova de humanidade em meio à devassidão de um mundo que lhe é indiferente e violento. Para se manter viva, humana, Frigga, já transfigurada em outra pessoa (Madeleine) pela imposição das circunstâncias, precisa extirpar o mal que a ameaça, que corrói sua sanidade. Por isso, a opção da fuga é um paliativo, não uma solução. Apenas com a eliminação total de seus algozes é que encontrará a paz de espírito e conseguirá se reconciliar consigo mesma. Não será feliz, decerto. E no lugar da jovem inocente que era, há agora uma mulher brutalizada e endurecida. Mas a ordem de seu mundo estará restaurada. E é nessa reconfiguração de sua realidade que Frigga poderá reencontrar sua essência.

Se o roteiro permite tal riqueza de interpretação, alguns aspectos técnicos também chamam a atenção do espectador. As cenas de lutas e assassinatos são mostradas em câmera lenta, conferindo uma estranha beleza visual a essas seqüências. A montagem garante a fluência da narrativa, que pode parecer lenta no começo, mas se impõe no ritmo certo, alicerçando a construção da personalidade de Frigga / Madeleine. Há rápidas cenas de sexo explícito (sempre lembrando que a Suécia foi o primeiro país do mundo a liberar a pornografia), mas nada especialmente chocante ou fora de contexto.

Quem assina a direção é Alex Fridolinski, pseudônimo utilizado por Bo Arne Vibenius, provavelmente para tentar obter maior visibilidade internacional para o filme (o mesmo artifício era usado por cineastas e astros italianos do western-spaghetti, ou seja, epítetos americanizados para facilitar a aceitação do mercado externo). O vigor que mostra na condução do elenco é a prova de que foi bom aluno: começou no cinema trabalhando com ninguém menos que Ingmar Bergman como diretor assistente em Persona – Quando duas mulheres pecam (1966) e depois diretor de unidade de A hora do lobo (1968). Em 1969, rodou seu primeiro filme, a comédia familiar Hur Marie träffade Fredrik. Thriller – Um filme cruel (em que faz uma ponta não creditada) foi seu segundo longa. Encerrou a carreira no ano seguinte, em 1975, quando realizou, também com pseudônimo, Breaking point – Um thriller pornográfico. Entre 1976 e 1983, fez trabalhos esporádicos como coordenador de produção de filmes locais menores.

Um currículo raquítico se comparado ao de sua estrela, a bela Christina Lindberg, que virou musa alternativa nos anos 70, período em que rodou a maioria de seus trabalhos como atriz, muitos eróticos. Depois, afastou-se do cinema. Fez uma participação no filme Cry for revenge, deste ano (não lançado no Brasil), sua única experiência em Hollywood.

Um filme de trama e imagens fortes, mas, a seu modo, estranhamente belo. E triste.

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