Chegou ao fim o Festival do Rio. Foram 40 filmes vistos nos últimos 15 dias, igualando meu recorde no evento, estabelecido no ano passado. Em 2010, tentarei quebrar essa marca. Os últimos dois filmes que vi na maratona:
AQUÁRIO – Mia, uma adolescente de 15 anos, vê na dança a chance de escapar de sua vida medíocre. A chegada do novo namorado de sua mãe irá provocar muitas mudanças. A diretora Andrea Arnold (Marcas da vida) faz um retrato aguado de uma juventude sem perspectivas, num roteiro sem novidades nem grandes lances. Atraso de 20 minutos e interrupção para troca de rolo. Não dava para passar um festival inteiro sem esses problemas. * *
BASTARDOS INGLÓRIOS – A organização do Festival do Rio teve a inteligência de programar o filme mais aguardado do evento para o último dia. Foi um fecho mais do que adequado para um festival bem melhor que o do ano passado. Este é o comentado filme que enfim deverá render o Oscar a Quentin Tarantino. Como costuma suceder, a Academia irá premiá-lo pela obra errada. Não que o filme seja ruim, longe disso. Primeiramente, é preciso esclarecer que nunca existiu o esquadrão anti-nazista mostrado na história. O que de certa forma não deixa de ser um alívio, porque nos primeiros minutos, cheguei a ficar na dúvida se os espectadores seriam colocados na incômoda situação de cúmplices de um grupo de matadores, cuja razão de ser é o assassinato de oficiais nazistas, ou seja, teríamos forçosamente de escolher entre ficar do lado dos “bons” ou dos maus. E é claro que ninguém vai ficar do lado dos nazistas, o que nos levaria ao cúmulo de torcermos por outros assassinos! Não importa se suas motivações sejam nobres, matança é matança, sobretudo quando cometidas com requintes de crueldade como se vê aqui. Mas tudo é uma grande fantasia, uma criação imaginária com o único propósito de sustentar uma obra cinematográfica, e o diretor deixa isso claro logo na abertura, com o “Era uma vez...”, o que evidencia tratar-se de uma farsa assumida. O filme é dividido em cinco partes, cada uma acompanhando um movimento independente em si, mas que dará forma ao todo. A seqüência inicial mostra a visita de um oficial nazista, conhecido como Caçador de Judeus, a uma casa na região rural da França em 1941. Sua missão é descobrir onde estão os judeus escondidos na propriedade. O dono da casa, a princípio resistente à presença do oficial, termina por denunciar os refugiados. Segue-se uma chacina, mas uma garota consegue escapar. Anos depois, já adulta, a reencontramos em Paris, administrando um cinema (uma coisa meio sem sentido, ela diz que foi herança dos tios, pode até ser verdade, mas não tem muita lógica). Lá, trabalha em companhia de um único funcionário, um negro, que seria seu namorado ou amante (ela se refere a ele como “meu amor”, mas não trocam sequer um carinho, não há qualquer contato físico entre eles. É outra coisa sem muita lógica, mesmo porque isso não interfere em nada no desenvolvimento das ações, os nazistas sequer o perseguem, aceitando como normal que um negro trabalhe numa cidade sob ocupação alemã). O segundo ato já introduz o exército de matadores, comandado pelo sádico tenente Aldo Reine. O pelotão é formado por soldados judeus norte-americanos (em momento algum se explica como foi formado ou que motivação os impele). Basicamente, a trama gira em torno de três personagens: o tenente Aldo Reine, o oficial Hans Landa e a jovem sobrevivente do massacre inicial, a francesa Soshana Dreyfus. A narrativa se estrutura entre os planos de ataque do primeiro e a trama de vingança formulada e empreendida pela última. Ou seja, é Landa o elemento catalisador de todos os movimentos das peças no tabuleiro (teoricamente, seria ele o ator principal). Embora ambas as ações não vão exatamente se entrecruzar. O filme deve render ainda outro Oscar, e um deles fatalmente será para Brad Pitt, como melhor ator. Há muito tempo a Academia vem querendo premiá-lo, e essa pode ser a grande oportunidade. Ele já ganhou a Palma de Ouro por sua atuação e chega credenciado à disputa – em 2007, havia vencido o Festival de Veneza por O assassinato de Jesse James, em que estava melhor e, mesmo assim, não fazia nada demais. Sua primeira aparição é realmente espantosa, chega a dar medo vermos Reine dando instruções ao seu batalhão, e a imagem se reforça na cena seguinte, uma brutal cena de violência no meio da floresta. Depois, Pitt vai transformando o personagem quase em uma caricatura, falando com a boca torta, forçando um tom de voz gutural, exagerado – talvez para entrar de vez no clima de farsa assumido pela narrativa. O fato é que desperdiça uma ótima chance de marcar o nome de Reine na galeria dos grandes vilões do cinema. Quem mantém a linha de interpretação o tempo todo é o austríaco Christoph Waltz (que fez muita televisão em seu país, esta é sua estréia em cinema) como Landa, imprimindo uma irretocável aura de rigidez de princípios a seu personagem, capaz de tudo por amor à pátria alemã. Deve ser indicado a coadjuvante, embora, como escrevi ali em cima, seja na prática o ator principal. A francesa é Melanie Laurent, linda, mas sem transmitir a gana de vingança que deveria nortear sua personagem. Enfim, quando li a sinopse, pensei que este seria o atestado de maioridade assinado por Tarantino, sua entrada no rol dos diretores “sérios”, a exemplo do que Spielberg já fizera anos antes com A lista de Schindler e reforçara depois com Munique. Mas não é bem assim. O diretor continua pop, brincando com a narrativa, usando recursos visuais para apresentar alguns personagens, como legendas explicativas em tipos grandes na tela, e mantendo-se fiel em sua conhecida homenagem ao cinema e a grandes nomes do passado. Desta vez, o “redivivo” é o veterano e bem velhinho Rod Taylor, embora só apareça em uma única cena, como Churchill (e tenha apenas uma fala!). Mike Meyers, que se notabilizou como Austin Powers, também aparece na mesma cena, como um oficial – aliás, toda essa seqüência é sem sentido, parece que foi inserida de qualquer jeito para prestar uma homenagem ao veterano ator e provar que Meyers pode interpretar um papel mais sério, mas é impossível olhar para ele e não lembrar de seus trejeitos cômicos. Há ainda rápidas pontas do também veterano Bo Svenson, astro de fitas de ação nos anos 70, e do diretor italiano Enzo Castellari. E mesmo a idéia de ambientar grande parte da história em um cinema é uma forma de render homenagem a essa indústria de sonhos. Não falta também a tradicional cena de podolatria (Tarantino pode mudar, mas continua o mesmo em certos aspectos). Ou seja, o filme só pode ser curtido como uma grande fantasia, sem qualquer lógica ou compromisso com a realidade. Assiste-se com interesse, com momentos de humor, outros de extrema violência, grandes cenas (a da sala de projeção), alguns tempos mortos. Só não é o grande filme de Tarantino, nem o que deveria lhe render o Oscar. Este poderia ter vindo com Pulp fiction ou mesmo com Kill Bill. Mas a estatueta estará em boas mãos. Pena que pelo filme errado. * * *
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