terça-feira, 6 de outubro de 2009

Festival do Rio - Belair, Maradona e Turquia

FILMES VISTOS NA SEGUNDA-FEIRA, DIA 5:

BELAIR – No começo dos anos 70, os diretores Júlio Bressane e Rogério Sganzerla fundaram a Belair Filmes, que, a despeito de sua curta existência de apenas quatro meses, produziu sete títulos de longa-metragem. Muitos foram interditados pela censura da época, que via aquelas obras como produtos de propaganda reacionária ao sistema político então vigente. O documentário de Bruno Safadi e Noa Bressane (filha de Júlio, que estava presente à sessão) resgata imagens e entrevistas daquele período. Safadi é assumidamente discípulo da Belair e, por isso, o estilo de seu filme é o mesmo da produtora. Ou seja, quem já assistiu a qualquer coisa de Sganzerla ou Bressane sabe muito bem o que vai encontrar: narrativa caótica e montagem picotada. Importante justamente por manter viva a memória de um núcleo que marcou época no cinema brasileiro, mas faltam mais entrevistas e depoimentos mais reveladores. Os sete longas da Belair foram Família do barulho, Copacabana mon amour, Carnaval na lama (cujos fotogramas foram perdidos em um incêndio), A miss e o dinossauro, Barão Olavo, o horrível, Sem essa aranha e Cuidado, madame, este jamais lançado em lugar algum. * *

IMPACTO ZERO ­– Exibido com seu título original, No impact man (a tradução é por conta própria). É este o nome do projeto a que o escritor Colin Beaver se dedicou durante um ano, juntamente com sua esposa e filha: durante este período, eles não deveriam realizar qualquer atitude que causasse impactos ambientais no planeta. Assim, acompanhamos o cotidiano da família que vai aos poucos se desfazendo de todas as facilidades da vida moderna (televisão, telefone, carro) em prol da conscientização popular. Espécie de Super size me ambiental, é o típico documentário de tese, ou seja, para provar um ponto de vista, o autor da idéia leva seu objetivo até as últimas conseqüências, mesmo que isso resvale em decisões radicais. Interessante, bem editado, com boa trilha sonora. Mas duvido que alguém siga todos os conselhos mostrados no filme. * * *
FILMES VISTOS NA TERÇA-FEIRA, DIA 6:

A SICILIANA REBELDE – A Itália tem tradição em cinema político. Este é mais um bom exemplo. Baseado na história real de Rita Atria, filha de um dos maiores mafiosos da Sicília, que, ainda criança, vê o pai ser assassinado por um inimigo. Sete anos depois, resolve depor contra os acusados, mas sabe que assinou sua sentença de morte: sua vida nunca mais será a mesma. Em sua luta pela justiça, Rita só pode contar com sua própria coragem. Os créditos finais informam que os fatos apresentados são apenas inspirados em acontecimentos verdadeiros, não havendo exata fidelidade ao que se desenvolve na tela. A narrativa mantém o interesse até o fim, em que pese o destino inexorável da protagonista, que todos já sabem qual será. O filme se encerra com imagens da verdadeira Rita (cujo sobrenome no filme foi alterado para Mancuso) e de seu funeral. A maioria dos chefões acusados por ela foi a julgamento e condenada. Valeria D’Agostino confere impressionante veracidade ao papel principal. O título faz parecer que se trata de um filme erótico. * * *

MARADONA – Um público bem pequeno e essencialmente masculino em Ipanema prestigiou este filme, que conta, pelo viés de um fã, a vida do maior jogador argentino de todos os tempos. Demorou até que alguém resolvesse realizar um documentário sobre Diego Armando Maradona. Coube ao sérvio Emir Kusturica desempenhar a tarefa. O diretor, que já foi premiado duas vezes em Cannes, é um dos principais expoentes do cinema europeu e fã confesso do jogador. Por isso, é preciso desculpar e até compreender o retrato abertamente afetuoso que ele faz de seu ídolo, captando apenas o lado mais humano de Maradona, que é sempre uma figura polêmica, sempre faz declarações bombásticas, mas aqui é tudo esquemático. Não há nenhuma informação nova sobre sua vida, nada que ninguém já não saiba de ler no jornal ou ver pela televisão. Mesmo seu envolvimento com as drogas é aliviado – o jogador não foge das perguntas, mas se limita a repetir tudo o que foi dito antes, pelo menos tem o mérito de assumir o erro. No começo, até que Maradona me surpreendeu, revelando uma certa lucidez ao assumir uma postura política, quando diz que no jogo contra a Inglaterra na Copa de 1986, havia mais do que uma classificação em jogo, era a própria honra argentina que estava em campo (em referência à Guerra das Malvinas, então ainda recente, um episódio que traumatizou os portenhos). Depois, dando novos sinais de megalomania, chega a sugerir, entre outros absurdos, que o Brasil somente foi campeão mundial em 1994 porque ele foi flagrado no antidoping, ou seja, tudo teria sido uma grande armação para favorecer a seleção de João Havelange, presidente de honra da Fifa. Pelé não é citado em momento algum. A montagem frenética mostra diversos lances de gols e jogadas geniais de Maradona por quase todos os times em que jogou – outra falha do filme é não enumerá-los, deixando que o espectador conclua por conta própria pelos uniformes, mas nenhum dado relevante é passado também. Há também imagens de arquivo, cenas raras de Diego ainda menino, fazendo embaixadinhas, com um breve depoimento de seu irmão (não é identificado, mas trata-se de Lalo, o menos habilidoso da família) enaltecendo-lhe as qualidades técnicas. O gol que Maradona marcou contra a Inglaterra, naquela mesma Copa, é apresentado diversas vezes em forma de animação, sempre tendo uma figura política como adversária levando dribles – Margaret Tatcher, príncipe Charles, a rainha-mãe e até Ronald Reagan. Os momentos mais engraçados mostram os devotos da Igreja Maradoniana, em Rosário, que celebram a figura do craque como se deus de fato fosse: há hino, “golário” (uma espécie de rosário formado por 35 bolas, representando o número de tentos que ele marcou com a camisa da seleção), bíblia (a biografia Yo soy Diego, não lançada por aqui) e ritos de admissão, em que os pretendentes devem demonstrar seus conhecimentos sobre a vida de Maradona. Uma pena que um material tão farto tenha resultado em um filme que é menos que convencional, resumindo-se a uma indisfarçável bajulação ao jogador. Ainda não é o documentário definitivo sobre Maradona. Mas dá para ver. Quem gosta de futebol vai gostar. Quem não gosta, evite. * *

MEU RAIO DE SOL – Dos seis filmes programados para a mostra Imagens da Turquia, este foi o único que assisti. O cinema daquele país é apontado hoje como o mais emergente da Europa, posto que até o ano passado era ocupado pela Romênia (ano que vem, qual será? O da Bulgária? Do Chipre? Do Azerbaijão?). Mas não há de ser por esta produção, que acompanha o despertar para a vida de uma adolescente, Hayat, de 13 anos, entre os problemas típicos de sua idade, envolvendo um pai ausente e que faz contrabando, um avô constantemente acamado, colegas de escola, a primeira menstruação etc. Mas não há romance nem descobertas sexuais. Um filme de visual belíssimo, com fotografia luminosa e uma ótima protagonista, transmitindo toda a inquietude e o desespero silencioso da adolescência – a garota praticamente só diz três ou quatro frases ao longo da narrativa, expressando-se por gestos e olhares. Porém, embora a metáfora entre uma Turquia incerta sobre os novos rumos a seguir e desejosa de romper com as tradições milenares (representadas pelo avô moribundo) fique evidente, o filme é desperdiçado por um roteiro vazio (nenhum conflito se impõe verdadeiramente) e duração excessiva. Uma pena. Mesmo assim, vale a pena ser conhecido. * *

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