Felizmente diminuíram as falhas técnicas e cancelamentos de sessões e a segunda semana do Festival transcorreu sem maiores incidentes. Fechei com 45 filmes, minha segunda melhor marca (teria chegado aos 50 não fossem os problemas). Eis o que vi.
TABU – Filme português. Tem uma estrutura
narrativa interessante, com a história se resolvendo na primeira parte e, na
segunda, retomando a origem dos personagens, justificando e explicando suas
ações. Ao contrário da maioria, gostei mais dessa segunda parte. Um ótimo par
de atrizes (a idosa e sua criada), bela fotografia em preto e branco e um
momento surreal e antológico, com a banda tocando à beira de uma piscina vazia.
* * *
O QUADRO – Muito criativa e original,
essa animação francesa se passa toda dentro de um quadro, com os personagens -
as pinturas - divididos em três castas, os "todopintados" detentores
do poder, os "pelametade" excluídos do "convívio social" e
os rabiscos, que nem são considerados. Nada a ver com Disney-Pixar, mas tem um
visual belíssimo, com uma qualidade impressionante da animação, excelente uso
das cores e uma história que, se peca por não ter tanto humor, traz uma
mensagem moralmente positiva, de aceitação das diferenças e superação dos
preconceitos. Afinal, somos todos iguais, mesmo que às vezes "pela
metade", "incompletos". * * * *
HOJE – Cansativo. O filme parte
de uma premissa absurda (o personagem sabe que vai morrer naquele dia) e não
caminha para lugar algum. É apenas a lenta caminhada de um homem cujo destino
está traçado e revê pessoas e situações pela última vez. Podia ter rendido um
drama eficiente, mas optou pela emoção mínima. *
PENITÊNCIAS – Minissérie da TV
japonesa exibida na íntegra. Gasta 4h30 para decifrar uma charada que poderia
ter sido resolvida na metade do tempo. Misto de drama de suspense com história
de vingança, muito lento, com situações desnecessárias (o caso da boneca) que
só alongam a metragem e humor involuntário inadequado. No fim, a penitência
mesmo é do espectador que assistiu a essa maratona um tanto cansativa. * *
HOLY MOTORS – Um dos títulos mais aguardados do evento. É uma forma original
de falar sobre cinema. Leos Carax cria uma história cuja homenagem é
perceptível a qualquer cinéfilo, transitando por vários gêneros, com inúmeras
autorreferências. Um pouco estranho no princípio, mas depois que o espectador
supera o primeiro momento e percebe a proposta do roteiro, funciona. Mas é meio
ame ou odeie. Eu estava muito cansado e não pude apreciar o filme como deveria,
preciso revê-lo para que a boa impressão se confirme. * *
IMAGINE – Espécie de Sociedade dos poetas mortos da
deficiência visual. Um professor cego chega a uma clínica de cegos e tenta
fazer com que seus alunos adquiram confiança e independência. Usa métodos
inusitados, muitas vezes mal compreendidos, e a história tem algumas soluções improváveis. Mas escapa da
pieguice e dos riscos de fazer comédia que uma história com esse tema poderia
correr. Bem contado, tem boa comunicação com público. * * *
BRANCO COMO NEVE – Bom passatempo
com belas imagens e só. * *
APENAS O VENTO – O filme é o
final. Passa 80 minutos preparando o espectador para ele, e quando surge na
tela, é uma porrada, uma catarse, chega a causar nojo a idéia de preconceito,
de ódio étnico, sem sentido, e no que ele pode causar. Este final redime o
filme, que nada tem de espetacular, mas é muito bem conduzido e interpretado. *
* *
O GORILA – "Oh, céus, mataram o Kenny de novo!". Vou me alongar neste aqui em postagem mais adiante. Sem classificação.
SIMON ASSASSINO – Enquanto rumina
o chute que levou da namorada, jovem se esconde em Paris para resolver o que
quer da vida. Lá, se envolve com uma stripper e a usa para cometer pequenos
golpes. Um filme sobre as escolhas que fazemos na vida e as conseqüências que
podem advir delas. Entre as muitas cenas de sexo, uma curiosa que mostra uma
ousada sugestão de inversão sexual. * *
A BELEZA – Apenas mediano. O
contraste entre a perda da cultura da garota índia e a festa da menina branca
filha da patroa é menos impactante do que deveria. * *
O ÚLTIMO ELVIS – Ouvi muitos
elogios favoráveis a este filme antes do festival. Fui cheio de expectativa e
não me arrependi. Um filmaço! Carlos Gutierrez é fanático por Elvis Presley e
trabalha como seu cover em bares e asilos de idosos. Velho e gordo, se acha o
próprio rei do rock, refugiando-se nessa fantasia para se preservar da triste
realidade em que vive.Quando sua esposa sofre um acidente de carro,
"Elvis" Gutierrez resolve tomar a única decisão que vislumbra para
sua vida naquele momento. Ecos de Tony
Manero embalam essa comédia dramática, que mostra como a alienação pode
moldar o destino de uma pessoa comum. A seqüência final é de arrepiar.
Comovente, divertido, imperdível. É torcer para entrar em cartaz e outras
pessoas possam descobri-lo. * * * * *
TERRA DE SANGUE E MEL – A estréia
de Angelina Jolie na direção é uma grata surpresa. Ela optou por tratar de um
tema espinhoso, a guerra na Bósnia (certamente sua atuação como embaixadora da
ONU pesou na escolha do tema), centrando-se em um romance proibido entre um
militar sérvio e uma pintora muçulmana, e ampliando o foco para os terríveis
desdobramentos daquele conflito, que atingiram todas as mulheres locais,
vítimas de constantes estupros. Um tema difícil tratado com segurança e
seriedade. Jolie mostra qualidades na direção (também não inventa nada), não
poupa a heroína de cenas fortes e surpreende com os rumos que dá à história. * * *
O INTERVALO – Casal de
adolescentes confinado em um prédio passa hora e meia de papo furado e abusando
da paciência do espectador. Um filme sem interesse. *
STARLET – No começo, parece mais
um retrato daqueles "junkiezinhos" perdidos na vida, mas há o
diferencial de mostrar a garota com bom coração. O roteiro quase abandona o
ponto de partida, que mesmo assim não chega a ser bem explorado. A amizade
entre as duas mulheres soa forçada e algo improvável. Mas a cena final dá outra
dimensão à história. Starlet é o nome do cachorrinho da protagonista Independente até a medula. * *
PAULINE DETETIVE – Comédia
policial francesa francamente comercial, dá até para imaginar a refilmagem
americana. É valorizada por uma montagem ágil que confere fluência á narrativa,
diálogos inspirados e um roteiro redondinho, com tudo no lugar. Nada especial,
mas é ótima diversão. * * *
O CLUBE DO
VAMOS-FAZER-A-PROFESSORA-ABORTAR – Até agora não entendi a proposta do roteiro.
Não sei se a intenção foi fazer uma comédia trash de humor negro ou um suspense
baseado em um fato supostamente real. Funciona como comédia, mas fazer graça
com sangue e aborto, convenhamos, é meio pesado. Uma bizarrice mal-feita. *
O SOM AO REDOR – Kléber Mendonça
Filho estréia no formato longa com a mesma genialidade de seus curtas. É o
melhor diretor do Brasil. Com uma engenhosa carpintaria de imagens, aprisiona
seus personagens nos enquadramentos e faz do espectador cúmplice de todas
aquelas ações, como se fôssemos todos vizinhos, testemunhas silenciosas do que
acontece no nosso bairro. Inteligente uso do som, que comenta os fatos com
precisão cirúrgica. Uma crônica urbana margeada pelo pesadelo. Um filme quase
perfeito, que só erra por ser um pouco longo demais. * * * *
A RAINHA DE VERSALHES – No
futuro, este será o registro documental de uma época difícil marcada pela
recessão econômica. O filme acompanha uma família que faz o caminho oposto ao
sonho americano e vai da riqueza à bancarrota em pouco tempo. Mesmo assim, o
casal e seus sete filhos tentam manter as aparências, mesmo que para isso vivam
se endividando. Cena surreal: a mulher (a tal rainha do título) enchendo três
carrinhos de supermercado só com brinquedos e bugigangas, mesmo sem ter
condições de arcar com todas as despesas. * * *
COLEGAS – Marcelo Galvão volta a
provocar com um tema incômodo. Aqui, escala três atores com síndrome de Down
que fogem do orfanato onde vivem e caem na estrada em busca de liberdade. O
trio central está ótimo e o filme é narrado em tom de fábula, com diversas
referências que os cinéfilos identificarão. Respeitoso e engraçado, é meio
travado no meio, mas depois segue fluente até o final. * * *
WOODY ALLEN, O DOC – Tipo mingau
às avessas: o quente está nas bordas – no caso, nos primeiros e últimos 20
minutos, quando Allen revela detalhes familiares, inclusive com fotos da
infância, e mostra seu processo criativo. No meio, morno, críticos e produtores
analisam sua obra. Fartamente ilustrado com cenas de quase todos os seus
filmes. Um pouco cansativo, mas os fãs gostarão bastante. * * *
FOXFIRE – Não consegui simpatizar
com nenhuma daquelas meninas, que se revoltam com o tratamento que recebem da
sociedade, mas sempre tomam as atitudes erradas. O feminismo latente do roteiro
resulta equivocado. Elas querem respeito, mas saem barbarizando pela cidade
onde vivem. Precisam de dinheiro e aplicam golpes em homens para subtraí-los.
Ser mulher é isso? A sugestão final de fábula política é uma piada. Só não é um
desastre completo por causa da boa reconstituição de época, expressa na
cenografia e nos figurinos. * *
PUSHWAGNER, A IRA DO ARTISTA –
Foca-se no processo judicial movido pelo artista contra um ex-colaborador (não
se explica direito a razão). Pouco se fala sobre sua carreira e sua vida, ao
que parece regada a drogas e álcool. Pushwagner é um artista no sentido
romântico do termo, muito excêntrico, desbocado, polêmico. O estilo visual do
filme acompanha a personalidade do biografado. Mas fiquei com vontade de
conhecer mais sobre ele e entender sua obra. E isso, para mim, é o motor de
qualquer documentário. * *
A FLORESTA DE JONATHAS – “Muito
prazer, Brasil, eu sou o Amazonas”, é o que parece saltar de cada fotograma
dessa produção local. De fato, às vezes parece que estamos mesmo assistindo a
um desses filmes de arte feitos no Camboja ou em Cingapura, que os críticos
adoram. É quase um
Tio Boonmee... tropical.
O roteiro se alonga na completa falta de assunto, com diálogos péssimos e furos
na história. O diretor parece mais preocupado em mostrar exotismos visuais do
que contar uma trama minimamente consistente. Só vale pela curiosidade de ver
um filme feito no Amazonas e pela linda atriz ucraniana. *
JOVEM E LOUCA – AS AVENTURAS DE
UMA NINFOMANÍACA – A grade ousadia dessa comédia chilena é a coragem de fazer
piada com a religião evangélica, o que lhe renderá a condenação de jamais ser
exibida no circuito nacional. Mas o filme tem pouca graça e o roteiro peca pela
inconclusão. A julgar pelas atrizes, o Chile tem as mulheres mais lindas e
interessantes da América do Sul. * *
A REPÚBLICA DE MININUS – Alegoria
política que parece inspirada no “Gbala”, um antigo samba-enredo da Vila
Isabel. A presença de Danny Glover é a marca de qualidade de um projeto mais
voltado às crianças. Adultos podem se aborrecer com a ingenuidade da história.
* *
MANÍACO – Desnecessária refilmagem
de uma fita obscura e ruim dos anos 80, da qual pouca gente se lembra. O
diretor Aja imprime maneirismos visuais graças à opção da câmera subjetiva, que
reforça o impacto de algumas cenas. O atropelamento é especialmente engraçado.
Diversão trash melhor que o original, o que não significa muito. Elijah Wood já
condenado a viver personagens malucos. * *
UMA HISTÓRIA DE AMOR E FÚRIA – O ousado
roteiro do diretor Luiz Bolognesi cobre 600 anos da história do Brasil, desde a
era pré-descoberta até o ano de 2096, quando imagina um futuro assustadoramente
possível, sobretudo para o Rio de Janeiro. A qualidade da animação é ótima,
embora eu ache os personagens graficamente mal resolvidos. Inteligente e
engenhoso, lembra um pouco Fonte da vida
por tratar de um romance que atravessa os tempos. * * * *