quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Os primeiros melhores do ano


Ainda faltam algumas semanas para o final do ano (ou do mundo, se os maias estiverem corretos – neste caso, faltaria só uma!), mas já começam a aparecer as inevitáveis listas de melhores e piores filmes da temporada. Eu só organizo a minha nos primeiros dias do ano seguinte, afinal, por enquanto há tempo para se descobrir uma pérola ou se aborrecer com alguma sandice. A revista Time já saiu na frente e listou os melhores e piores filmes de 2012, alguns ainda inéditos por aqui.

A hora mais escura: um dos melhores, segundo a Time.
Eis os dez melhores do ano para a Time, com o respectivo diretor entre parênteses: Amor (de Michael Haneke, Palma de Ouro em Cannes), Indomável sonhadora (de Benh Zeitlin, prêmio do júri em Veneza), As aventuras de Pi (de Ang Lee, adaptando um romance supostamente plagiado do nosso Moacyr Scliar), Anna Karenina (de Joe Wright), Batman – o Cavaleiro das Trevas ressurge (de Christopher Nolan), A hora mais escura (de Kathryn Bigelow, a ser lançado), Dark horse (de Todd Solondz), Dragon (de Peter Chan, confesso que desconheço detalhes), Frankenweenie (de Tim Burton) e A guerra invisível (documentário de Kirby Dick). Dessa relação, há quatro que acabaram de ser indicados ao Globo de Ouro em alguma categoria. É de se estranhar a ausência de alguns filmes muito badalados neste final de ano, como Argo e Killer Joe – Matador de aluguel, também cotados ao prêmio da Academia. Também é quase certa a inclusão de A guerra invisível entre os finalistas de sua categoria. Ele foi exibido no Festival do Rio, mas só pude vê-lo na repescagem porque a sessão a que estive presente, durante o evento, foi interrompida na metade por uma falha da projeção. Trata-se de um filme corajoso que denuncia os inúmeros casos de estupro ocorridos nas bases militares norte-americanas todos os anos, uma realidade que é convenientemente ignorada pelas altas autoridades que deveriam combatê-lo – claro, porque são os próprios oficiais quem praticam os crimes. Só a sua indicação já servirá para jogar luzes nesse problema, que é muito sério e precisa ser conhecido.

Mais divertida é a lista dos piores. Também há alguns títulos que não saíram aqui. Ei-la: A viagem (no original, Cloud Atlas, de Tom Tykwer, Andy Wachowski e Lana Wachowski, o famoso épico que marca o retorno de Tom Hanks às telas e, ao que parece, também a derrocada de sua carreira), John Carter – Entre dois mundos (de Andrew Stanton, um dos maiores prejuízos do ano), Hyde Park on Hudson (de Roger Michell, inédito), Abraham Lincoln caçador de vampiros (de Timur Bekmambetov), Guerra é guerra (de McG, achei injusto, é bem divertido), O Lorax – Em busca da trúfula perdida (de Chris Renaud e Kyle Balda), À sombra do inimigo (de Rob Cohen, acabou de entrar em cartaz), O que esperar quando você está esperando (de Kirk Jones, com Rodrigo Santoro), A estranha vida de Timothy Green (de Peter Hedges, só saiu em DVD), e Como agarrar meu ex-namorado (de Julie Anne Robinson). O destaque “às avessas” acaba sendo A viagem, um projeto há muito esperado por se tratar da nova empreitada dos Irmãos Wachowski depois de Matrix, inclusive com vistas ao Oscar, mas que, pelo visto, vai disputar só os prêmios ditos menores (técnicos).

A saga Molusco - Anoitecer: o pior.
Claro que é apenas uma lista entre tantas que sairão nos próximos dias. Como qualquer outra, não tem pretensão de ser definitiva, embora indique tendências que a temporada de premiações que já começou se encarregará de confirmar. E se por um lado é cada vez mais complicado listar dez bons ou ótimos filmes feitos em um ano, por outro, também não é possível resumir em apenas dez o número de bobagens rodadas no cinema. Para mim, por exemplo, mesmo ser ter visto a maioria dos títulos indicados na lista da Time, nada foi ou vai ser tão ruim este ano quanto uma coisa chamada A saga Molusco – Amanhecer, paródia da série Crepúsculo. Não é difícil satirizar a “saga”, mas aqui conseguiram errar simplesmente em tudo: elenco péssimo, humor de banheiro, movido a flatulências, insinuações pornográficas e homossexuais, roteiro inexistente, limitando-se a uma sucessão de cenas desconexas, diálogos pavorosos. O horror, o horror. Pessoal da Razzie Award (Framboesa de Ouro), olho vivo neste aqui. Nunca o pote de pudim estará em tão boas mãos.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Curta é a maior curtição


Veja que surpresa. O curta-metragem brasileiro A fábrica, dirigido pelo baiano Aly Muritiba, foi incluído entre os 11 pré-finalistas ao Oscar da categoria, cuja relação dos indicados ao prêmio será divulgada no dia 10 de janeiro. Normalmente seriam 10 selecionados, mas houve um empate entre dois títulos e por isso a Academia de Hollywood aumentou para um o número de candidatos elegíveis. Só o fato de ter sido lembrado e passado na peneira que é a fase de pré-seleção já é uma vitória, e se de fato o curta brasileiro concorrer à estatueta, será a segunda vez que isso acontece. Em 2002, Paulo Machline levou o seu Uma história de futebol à lista final de indicados, mas acabou derrotado pelo espanhol Quiero ser....

Ser finalista nessas categorias de menor visibilidade do Oscar é sempre uma loteria, então, não sei até que ponto isso chega como um reconhecimento à qualidade dos curtas-metragens brasileiros, que atualmente experimentam uma fase de revalorização. Quando a Embrafilme fechou as portas, no começo dos anos 90, foi o formato quem garantiu a sobrevivência da indústria, já que era infinitamente mais barato produzir um curta do que investir quantias elevadas em filmes que, muitas vezes, nem se pagavam nas salas de exibição. Agora, com a nova chamada Lei da TV a Cabo, alguns canais por assinatura, ainda sem produção nacional própria em quantidade suficiente para encher sua programação, estão recorrendo a eles para fazer cumprir a cota devida. Não se espera que vá haver uma nova leva de curtas ruins ou de baixa qualidade como se observava nos anos 80, quando outra lei obrigava os exibidores a apresentar um curta nacional antes dos filmes estrangeiros, a chamada Lei do Curta. Quase ninguém sabe, mas ela continua em vigor – só que, como tantas outras leis mais importantes no país, não é cumprida e sequer fiscalizada. Até onde sei, o único cinema do Rio que cumpre essa determinação é o pequeno Jóia, em Copacabana, que brinda os espectadores com Filho das flores, uma breve animação dirigida pelo cartunista Johandson Rezende (que também dá expediente como bilheteiro da sala!), igualmente responsável pela divertida vinheta de abertura das sessões. Mas é só.

Cena de Ilha das Flores (1989), de Jorge Furtado.
Se antigamente a falta de qualidade dos curtas irritava os espectadores e levavam o público a torcer o nariz para o formato, hoje, com esse problema solucionado, a questão passou a ser de escoamento. A produção de curtas-metragens cresce exponencialmente, até mesmo pelas facilidades tecnológicas oferecidas nos dias atuais, com celulares e câmeras digitais, que não só barateiam o processo, mas também ampliam a rede de realizadores. E o que fazer com tantos títulos? O circuito exibidor não tem como absorver o formato, ainda que a lei fosse cumprida, só alguns filmes poderiam ser apresentados antes das sessões, e certamente haveria decisões políticas para nortear tais escolhas. Algo do tipo: "Vamos exibir curtas feitos na 'comunidade', ou do diretor X, que é meu conhecido...". Há alternativas, como o Curta Cinema, tradicional mostra de curtas-metragens, nacionais e estrangeiros, que acontece no Rio de Janeiro em outubro. A TV Brasil mantém no ar há anos uma sessão dedicada aos curtas brasileiros. O Canal Brasil, historicamente, sempre reservou cotas de sua programação para a exibição desses filmes. E há a internet, que acaba sendo a melhor plataforma tanto para o lançamento quanto para a divulgação e popularização dos curtas.

Chega a ser quase irônico também constatar que, hoje, os curtas também ajudam a formar platéias pelo Brasil. Repare na programação de qualquer evento audiovisual que aconteça em qualquer cidade. Sempre há uma mostra de curtas-metragens. É o melhor cartão de visitas para quem não tem o hábito de ir ao cinema ou não tem tempo para assistir a um longa. Condenados no passado, os curtas brasileiros hoje ganham o mundo pela sua qualidade. Nunca despreze o formato. 

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Confissões de um seriemaníaco - V


AMERICAN HORROR STORY – ASYLUM

Onde e quando: Fox, terça, 23h15; domingo, 00h50.
Elenco: Jessica Lange, James Cromwell, Joseph Fiennes, Evan Peters, Zachary Quinto, Chloe Sevigny, Sarah Paulson.
Sinopse: Nos anos 60, uma instituição para doentes mentais é assombrada pela presença de fantasmas e seres demoníacos.


Comentários: Embora a primeira temporada tenha sido bastante elogiada, não a achei tão boa assim, basicamente por dois motivos: a excessiva lentidão da narrativa e a fotografia muito escura, que por vezes chegava a tornar impossível identificar o que estava acontecendo em cena. Parece que os produtores também perceberam isso e trataram de corrigir essas falhas. A montagem ganhou mais dinamismo, acelerando o ritmo das ações (até demais), e houve ajustes nas imagens, mantendo o tom soturno que convém à série, mas sem exageros, na medida exata. Esqueça tudo o que você viu na primeira temporada, que transcorria em uma casa que, no passado, havia sido palco de diversos e violentos crimes. A história mudou de endereço e agora se passa em Briarcliff, espécie de clínica/asilo para doentes mentais comandado com mão de ferro pela irmã Jude, auxiliada pelo doutor Arden e o psiquiatra Thredson. A idéia inicial dos criadores da série era essa mesma, ambientar cada temporada em um lugar diferente (uma terceira leva de episódios já está em produção). Naturalmente os personagens são outros, mesmo o de Jessica Lange, que agora faz a freira superiora, sem relação com a vizinha intrometida que interpretou no primeiro ano, e que lhe rendeu um Globo de Ouro de Atriz Coadjuvante em Série Dramática. Mas continua dando um show de composição. A abertura é ainda mais assustadora que a anterior, combinando novamente a música monocórdica e inquietante com imagens perturbadoras, sem dúvida uma das melhores de todos os tempos. Curiosamente, faz pouco uso de efeitos especiais de última geração, optando por um horror calcado mais no clima, no jogo de luz e sombras e na maquiagem. Nesse sentido, outro mérito do roteiro é evitar cenas de sangueira explícita. Também faz um inteligente aproveitamento da clássica canção religiosa francesa “Dominique”, entoada pela voz da própria autora, a belga Jeanine Deckers, ou Irmã Sorriso, estrondoso sucesso daquela época (e que ganhou uma versão brasileira famosa na voz da cantora Giane), que é tocada em todos os episódios, servindo sempre como contraponto sonoro a algum momento perturbador que se vê em cena ou antecipando alguma revelação de impacto.


Por que ver: O gênero é pouco explorado pela televisão, quase sempre relacionado ao universo da fantasia. Aqui é horror sério e cru, na melhor tradição do cinema norte-americano de outrora. Os roteiros são criativos e aproveitam ao máximo as possibilidades oferecidas pelo ambiente. E dá medo. Mesmo.
Por que não ver: Pela natureza do projeto, é uma série voltada para um público específico, aquele que é fã do gênero. Quem não gosta, vai passar longe.


quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Os tons do erotismo

A trilogia: prazer de ler.

Lançado há pouco menos de um mês, o livro Cinqüenta tons de liberdade não demorou nada para chegar ao topo da lista dos mais vendidos da revista Época, sendo seguido pelos outros dois volumes da série, Cinqüenta tons de cinza e Cinqüenta tons mais escuros (oficialmente não há o trema dos títulos, mas já expliquei que me recuso a seguir esse acordinho imposto, a não ser por motivos profissionais). É claro que o sucesso da trilogia já motiva uma nova onda de literatura erótica, gênero que historicamente sempre foi meio relegado por editoras e público em geral, mas que agora, diante do apelo comercial obtido, pode enfim ter a visibilidade que merece. O que o dinheiro não faz, não é verdade? Deixa-se a falsa moral de lado em nome da arrecadação.

Ainda não li nenhum dos livros, coisa que pretendo fazer em breve. Então, não tenho como avaliar a qualidade literária do material, que não deve ser das melhores, a julgar por algumas críticas que já li na mídia, de gente gabaritada, profissionais da escrita. A essa altura todo mundo sabe do que se trata a série. A jovem virgem Anastásia Steele desperta o interesse do bon vivant Christian Grey, que a leva a uma intensa jornada repleta de sexo sadomasoquista. Dizem que o livro tem despertado o lado mais secreto das fantasias femininas e, em casos extremos, até salvado muitos casamentos. Será verdade ou exagero da mídia? O fato é que a história caiu no gosto popular, vemos pessoas empunhando os livros nos ônibus, nos metrôs e em espaços públicos, sempre mulheres, ao que parece, o público-alvo da trilogia, sem medo nem vergonha. Também baseado no que já li em reportagens e entrevistas publicadas na imprensa, parece que o andamento da história é considerado lento para o público masculino, com muita falação, muito tempo gasto até se chegar ao que realmente interessa. Ou seja, mais próximo de fato do erotismo feminino, que gosta desse jogo de conquista, da sedução que vai surgindo aos poucos, ao passo que nós somos mais diretos, não temos paciência para esse envolvimento todo.

A autora E. L. James.
A autora Erika Leonard James (que adotou o pseudônimo E. L. James, não sei se por sugestão do seu editor ou se para aproveitar o uso cabalístico de suas iniciais, como os bem-sucedidos J. K. Rowling ou George R. R. Martin) já declarou que pretendeu reproduzir no livro algumas fantasias que povoavam sua cabecinha. Ela não é uma meninota. Beirando os 50 anos (aparentando menos), essa ex-executiva da televisão inglesa é casada e tem dois filhos. Ela abandonou o emprego para se dedicar à literatura. Fã confessa da série Crepúsculo, diz ter lido os quatro livros da “saga” em apenas cinco dias, o que lhe serviu de combustível para sua história. Ela diz que queria escrever uma espécie de versão alternativa para os personagens, mas inserindo sexo, elemento praticamente ausente do universo imaginado por Stephanie Meyer.

Primeira edição de Jake e Mimi (2002)
O maior mérito da trilogia, no entanto, está fora das “quatro páginas”. De uma hora para outra, a literatura erótica entrou na pauta do dia e passou a ser vendida e consumida pelo público, sobretudo pelas mulheres, que, historicamente, sempre foram as leitoras mais assíduas desse gênero – já escrevi e repito, homem não tem muita paciência com descrições e detalhes, prefere ler pornografia de baixa qualidade nas revistas afins. Há uma mudança de comportamento em curso, com o erotismo sendo enfim debatido e entendido como um ramo natural da humanidade e não como assunto tabu. E vejo com ainda muito otimismo essa suposta popularização do universo BDSM, já que as pessoas têm a oportunidade de conhecer mais e entender que é um estilo de vida, uma preferência sexual como qualquer outra, e que seus praticantes são pessoas comuns, nossos amigos e vizinhos. Podem não se sentir atraídas, o que é normal, mas ao menos tomarão conhecimento e talvez nem olhem torto para o colega de trabalho se ele se declarar fã de amarrações e dominações. A maior herança que a série vai deixar é a redenção dos bondagistas, e a autora corrobora essa posição: “(...) Isso não quer dizer que quem pratica BDSM tem um passado tortuoso, de maneira alguma. Eu acho que, se há uma relação segura e consensual, ótimo. O que acontece na cama, pela casa ou em qualquer lugar, é da conta de cada um, não tenho nada com isso. Esse comportamento de Christian funciona para essa história. Eu não tinha idéia de aonde eu iria chegar quando comecei a escrever. Apenas que o BDSM seria o pano de fundo.” E completa com sua opinião sobre a prática: “É incrivelmente sexy”. (As declarações entre aspas foram retiradas de entrevistas concedidas por E. L. James à imprensa e disponíveis na internet.)

É claro que os direitos já foram vendidos para o cinema e o primeiro filme deve ser lançado em breve. Fala-se em Kristen Stewart como protagonista, certamente para aproveitar o gancho de a autora dos livros ser fã da saga vampiresca, e também capitalizando em cima do sucesso da atriz, que ainda precisa provar que pode sobreviver fora da pele de Bella Swan. Espera-se que não tenha o mesmo destino de outro livro que usava o BDSM como pano de fundo, aliás, muito mal, o policial Jake e Mimi, de Frank Baldwin, publicado em 2002, cujos direitos chegaram a ser negociados e falava-se em Angelina Jolie, mas o projeto implodiu e nunca saiu do papel. Por falar nele, o livro acabou de ser relançado com outra capa e outro título, Algemas de seda, obviamente para surfar na mesma onda da recente trilogia.

Os Cinqüenta tons são erotismo soft para as massas. Quem quiser, pode se arriscar em clássicos do gênero, como A história de O, As onze mil varas, Justine ou Os sofrimentos da virtude ou qualquer título da coleção recém-lançada pela Hedra. Deixe seus preconceitos de lado e vá à livraria mais próxima. Afinal, ler sempre foi um grande prazer.




quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Pânico interminável

Pânico na floresta 5 (2012)

Nem sempre o que vem depois é um progresso. A máxima popular cabe muito bem no cinema, sobretudo quando o alvo são as incontáveis e por vezes eternas franquias de horror. Uma das menos badaladas delas acaba de chegar ao quinto episódio e, como era de se esperar, nada acrescenta aos demais títulos da série, servindo apenas como mais um exercício de sadismo narrativo – tanto para o elenco, que morre das formas mais horríveis, quanto para o espectador que se dispõe a assisti-lo.

A franquia em questão é Pânico na floresta, cujo primeiro filme, de 2003, chegou a colher elogios por reaproveitar um tema clássico do gênero que foi muito popular nos anos 70, o horror rural. Na fórmula, consagrada em O massacre da serra elétrica, um grupo de jovens urbanos se embrenhava no mato e acabava sendo perseguido, e conseqüentemente assassinado, por bestas deformadas. Uma irônica oposição campo x cidade, na qual o lócus consagrado como o idílio por excelência, ainda intocado pela ação humana, revela-se mais assustador e perigoso do que o cotidiano concretado das selvas urbanas. Único da franquia lançado nos cinemas, o filme foi favorecido por uma direção inventiva de Rob Schmidt e teve ainda o mérito de enfileirar no elenco algumas jovens estrelas ainda em formação: Eliza Dushku, Emanuelle Chriqui, Jeremy Sisto, Kevin Zegers e Desmond Harrington. Todos, de certa forma, seguiram fazendo alguma coisa importante depois. Coisa que as "vítimas" atuais dificilmente conseguirão.

É claro que os produtores farejaram uma vida longa para a série e, ao contrário do que reservam para seus  personagens, resolveram dar vida a outras versões, que no fundo, eram sempre a mesma coisa. Jovens estudantes motorizados que, por algum motivo (ou às vezes por idiotice mesmo), acabam errando uma curva (é preciso justificar o título original, Wrong turn), entram onde não devem e, no meio do mato, longe da civilização e das facilidades tecnológicas cotidianas, se defrontam com assassinos sedentos de sangue. Repetir a fórmula duas vezes ainda dá para aceitar, mas depois disso é forçar muito a barra. E é assim, aos trancos e barrancos, que chegamos ao quinto volume da franquia, que tanto aqui quanto lá fora só foi lançado em DVD, o que é sempre um mau sinal.

Maynard (Doug Bradley): o mal tem um rosto.
Aqui o erro já começa na ambientação, pois não há nem floresta nem exatamente uma curva errada. Toda a ação se passa em uma pequena cidade da Virginia Ocidental, na noite de Halloween. Na data, festeja-se a tradicional Noite do Homem da Montanha, que celebra um histórico massacre local, ocorrido em 1817 - fazer festa a partir de uma matança já é algo igualmente imbecil. Dirigindo-se para a cidade, um grupo de jovens causa um acidente involuntário, ao se desviar de um estranho parado no meio da pista. Ele tenta atacá-los, a polícia chega na hora e todos vão em cana, os jovens sobretudo por levarem uma farmácia no carro. O estranho, Maynard (Doug Bradley, veterano de fitas do gênero), é, na verdade, o líder de um bando de aberrações deformadas, descendentes dos sobreviventes do massacre original (na verdade, os mesmos dementes do primeiro filme, os anos passam e eles continuam firmes e fortes), e ameaça a todos na pequena delegacia com a chegada de seus “meninos”. Até que os monstros invadam o local, muito sangue vai rolar.

Os cinco jovens: por enquanto, é só diversão.
Se há criatividade nesse tipo de filme, e isso não se pode negar, é nas formas de matar. Os roteiristas do gênero parecem disputar uma competição pessoal para ver quem consegue criar a cena mais repulsiva ou cruel de assassinato. Uma lourinha é esfaqueada e tem as tripas enfiadas na boca; um dos rapazes é enterrado até a cabeça e depois decapitado por uma ceifadeira conduzida por um demente risonho; um bêbado que vira ajudante da delegada local (sic) é incinerado vivo; e por aí vai. Lógica e bom senso também passam longe dos personagens, que sabem os riscos que correm e mesmo assim insistem em bancar os heróis. Vai ver é a mensagem implícita do roteiro: "Quem usa drogas fica idiota que nem os jovens deste filme". Nesse sentido, a mais pateta do grupo é Lita (Roxanne McKee, que esteve em Game of thrones), uma das estudantes de fora. Ela até começa bem, reagindo ao ataque de um dos monstros, mas depois sucumbe à imbecilidade geral, ajudando Maynard (achando que ele é bonzinho para salvá-la, oh, a pureza da juventude!). Termina com os olhos furados, sozinha na escuridão, seqüestrada pelos algozes. Mas o mais aterrorizante do final é a possibilidade de uma seqüência.

Quando do lançamento de O albergue, em 2004, escrevi que já não tinha mais estômago para ver tanta crueldade, tanta violência despropositada. O nível do que ainda é chamado “cinema de horror” (na verdade é cinema de tortura, sem clima nem susto) caiu ainda mais desde então. Não sei quem consegue se divertir vendo gente sendo trucidada como se fosse um passatempo rotineiro. Talvez isso explique muito do mundo em que vivemos hoje. Mas há gosto para tudo.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Os jogos de Truman

13 desafios (2006)

Não é um filme exatamente novo (foi rodado em 2006) e já recebeu inúmeras críticas e resenhas em diversos sites e blogues espalhados pelo ciberespaço. Mas só fui descobri-lo agora (eu sempre tenho a impressão de que sou o último a saber de certas coisas) e o efeito me foi tão devastador que achei justo dividi-lo com os eventuais leitores deste espaço, que também já devem conhecê-lo. O fato é que este 13 desafios, mais do que uma gratíssima surpresa, foi também outra prova de vitalidade do cinema tailandês, que raramente dá as caras por aqui, mas é um dos mais intensos do mundo hoje.

O que você faria para ganhar uma alta quantia em dinheiro? Com este princípio mais do que surrado, o roteiro desenvolve uma espiral de acontecimentos de tirar o fôlego, garantindo o suspense até a última cena. Puchit é um jovem que atravessa uma fase conturbada em sua vida. Acabou de ser demitido, terminou o namoro com uma cantora e ainda sofre pressão financeira da família. Sem perspectivas, vê sua vida mudar quando atende despreocupadamente a um telefonema. Do outro lado da linha, um interlocutor misterioso avisa que ele foi escolhido para participar de um game show e que se realizar 13 tarefas, cada uma com grau de dificuldade mais elevado que a anterior, ao final, receberá em sua conta o montante de cem milhões em dinheiro (o depósito dos prêmios é confirmado pelo visor do celular). Puchit pode desistir do jogo a qualquer momento... Mas ele segue em frente, mesmo diante dos absurdos que vai encontrando pelo caminho. Começa de forma inocente, quando lhe é pedido que mate uma mosca. Depois, a coisa vai piorando, envolvendo bizarrices (como, literalmente, comer merda em um restaurante chique) e assassinatos.

Quando a gente se depara com um bom filme realizado em outro país, sempre imagina que vai haver e fica esperando a refilmagem norte-americana. Neste caso, porém, parece que a idéia original já foi feita antes, e justamente em Hollywood. A primeira referência que vem à cabeça é Vidas em jogo (1998), de David Fincher, em que Michael Douglas participa meio sem querer de uma competição mortal comandada por um ensandecido Sean Penn. Mas no caso de 13 desafios a coisa vai ainda mais além, mesclando de forma radical os limites entre realidade e ficção. Ficamos nos perguntando o tempo todo se o que estamos vendo é mesmo só um jogo ou se o protagonista enveredou por algum tipo de loucura auditiva, transformando sua própria vida em uma competição sem garantia alguma.

Puchit topa tudo por dinheiro. Até matar.
A engenhosidade do roteiro também me fez estabelecer outras equivalências. Pela natureza narrativa e a forma como a história se desenvolve, é como se houvesse uma combinação dos elementos centrais de O show de Truman com o sadismo do primeiro Jogos mortais (vale lembrar que o filme inicial da série foi saudado como renovador do gênero, pleno de criatividade e tensão, depois é que a fórmula se esgotou). Puchit é alertado o tempo todo de que está participando de um jogo, um reality game, com direito à platéia. Ou seja, tem sua vida constantemente monitorada e, em tese, transmitida para uma audiência ávida pelo seu próximo passo. Ao mesmo tempo, ele precisa superar etapas que se revelam exercícios de sadismo e violência, jogando também com a vida de outras pessoas. Há ainda pinceladas de Oldboy, na medida em que acontecimentos do passado influem e justificam certas escolhas do personagem.

A montagem dinâmica garante a fluência da narrativa, que é valorizada pela trilha sonora climática e a fotografia contrastante, que opõe os ambientes claros e limpos da “vida real” (no escritório, na rua) com outros escurecidos e sujos do “jogo” (casos da seqüência na casa e da estrada, à noite). O roteiro só derrapa um pouquinho quase no final, com a revelação da estrutura do jogo, mas isso não empana o brilho de 13 desafios. No fundo, a mensagem é clara e aterradora. Somos, todos nós, jogadores involuntários, que alimentamos a violência e a crueldade do mundo, de uma forma ou de outra. Um filmaço para fazer pensar. 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Billy The Kid encontra o Pernalonga


Talvez por estar intimamente ligado à idéia de construção da identidade nacional norte-americana, o filme de faroeste seja normalmente associado a um tipo de narrativa mais sóbria, solene, com espaço para a construção psicológica de seus personagens e humor quase inexistente. Mas é claro que há exceções. Faroestes cômicos podem ser tão interessantes quanto os mais sérios. Este Cactus Jack, o vilão se apropria do universo do tradicional bangue-bangue para contar uma comédia alucinante. Acaba sendo mais próximo às narrativas amalucadas de Chuck Jones do que à poesia contemplativa de Sérgio Leone.

A primeira aproximação entre estes dois universos já começa pelo enredo, que nada tem de original e, de tão surrado, já foi até mesmo parodiado em desenhos do Pica-Pau passados no velho oeste. Um jovem recebe do prefeito a missão de levar uma donzela até outra cidade. Ela é filha de um mineiro que tem negócios com o alcaide e, se não conseguirem chegar ao destino, é ele quem vai herdar a grana que está na diligência. Para impedir que o casal cumpra sua jornada, o prefeito contrata os serviços de um mercenário atrapalhado, o tal Cactus Jack. De armadilha em armadilha, todos os planos do bandido para surpreender o casal acabam frustrados. Até que chega um dos finais mais doidos e caricatos já vistos em um faroeste. É diversão garantida, mas para isso o espectador deve aceitar que está vendo uma comédia ambientada nas paisagens desérticas e poeirentas das pradarias ianques, e não um representante legítimo da escola de faroestes do cinema norte-americano.

A abertura até faz pensar que se trata mesmo de um filme sério. Começa de forma clássica, com belas imagens aéreas das paisagens tradicionais do velho oeste, sustentadas por uma trilha sonora semelhante a que se ouve em produções do gênero. Mesmo as cenas iniciais, mostrando as ações fracassadas do vilão Cactus Jack, seguem a cartilha do faroeste. Depois de 20 minutos, porém, a coisa muda e o estilo passa a ser o dos desenhos animados. A citação ao Pica-Pau ali em cima não é gratuita. Repare na caracterização do vilão, que em tudo lembra o Zeca Urubu: o figurino, todo preto dos pés à cabeça, a risadinha de canto de boca, o jeitão atrapalhado. Mas são as piadas visuais que mais aproximam o filme de um divertido cartoon. Há sacadas que já vimos nas aventuras do Pica-Pau e aqui são encenadas “ao vivo”: a pedra gigante que rola e esmaga o vilão; o falso túnel pintado na rocha que engole a diligência dos heróis, mas não permite a passagem do bandido; a camada de cola lançada na ponte para que o casal fique preso, com as previsíveis e naturais conseqüências; os preparativos para explodir o galpão; e a figura do cavalo de Cactus Jack, quase um Pé-de-Pano (a montaria do Pica-Pau) da vida real. É um dos melhores “atores animais” já vistos em cena. A cena final com as acrobacias ao som da música original do Looney Tunes não deixa dúvida sobre a grande brincadeira que o competente diretor Hal Needham quis fazer.

E ele foi bem-sucedido, não só pelo resultado final, mas também por contar com um elenco que entendeu o espírito da coisa e parece se divertir ao longo do filme. No papel principal, Kirk Douglas atua com indisfarçável gaiatice compondo um personagem que, de certa forma, é uma paródia a tantos outros que ele já interpretou em faroestes de verdade, como Duelo de titãs e A um passo da morte. Um ainda muito jovem Arnold Schwarzenegger faz Handsome Stranger, um sujeito inocente e de bom coração que recebe a missão de conduzir a insinuante filha do mineiro, vivida com contida sensualidade por Ann Margret, que passa o filme inteiro tentando seduzir o grandalhão. Consagrado nos anos 80 por seus papéis em fitas de ação, Schwarzenegger começou a carreira fazendo comédias involuntárias (estreou em Hércules em Nova York, 1970) e aqui repete o tipo de poucas palavras, um simplório apatetado. Só em ver o futuro ex-governador da Califórnia no desabrochar de seu estrelato já é uma curtição.

Embora nunca tenha sido lançado em VHS, o filme se tornou conhecido no Brasil graças a suas reprises regulares na TV aberta, entre meados dos anos 80 e dos 90. Virou cult e depois sumiu. Agora, acaba de ser redescoberto em DVD pela Paragon, um dos selos do grupo Continental.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Grande Prêmio Cinema Brasil 2012 - A noite do palhaço

Realizada no último dia 15 de outubro, a entrega do Grande Prêmio Cinema Brasil 2012 - Troféu Grande Otelo consagrou O palhaço, segundo longa dirigido por Selton Mello. O filme recebeu 11 das 13 estatuetas a que concorria, perdendo apenas nas categorias de Atriz Coadjuvante e Som. Arrebatou ainda o Prêmio pelo Voto Popular (categoria na qual a animação Rio recebeu o troféu de Filme Estrangeiro). É um recorde na história do prêmio e podem estar certos de que vai levar muito tempo até que seja superado. A vitória dá mais força ao filme, oficialmente indicado pelo Brasil para concorrer ao Oscar de Filme Estrangeiro no ano que vem - e finalmente a Ancine fez a escolha certa, depois de anos se restringindo aos "favela-movie" e quejandos, como se cinema brasileiro fosse só violência.

A essa altura, todo mundo já sabe quais foram os premiados nas demais categorias. Mas como informei aqui no blog no dia em que os concorrentes foram anunciados, em junho, segue abaixo a lista completa de todos os vencedores do Grande Prêmio Cinema Brasil 2012.


FILME: O palhaço
DIRETOR: Selton Mello (O palhaço)
ATOR: Selton Mello (O palhaço)
ATRIZ: Deborah Secco (Bruna Surfistinha)
ATOR COADJUVANTE: Paulo José (O palhaço)
ATRIZ COADJUVANTE: Drica Moraes (Bruna Surfistinha)
ROTEIRO ORIGINAL: Selton Mello e Marcelo Vindicatto (O palhaço)
ROTEIRO ADAPTADO: Antônia Pellegrino, Homero Olivetto e José Carvalho (Bruna Surfistinha)
DOCUMENTÁRIO: Lixo extraordinário
FILME ESTRANGEIRO: Meia-noite em Paris (EUA)
FILME INFANTIL: Uma professora muito maluquinha
FILME DE ANIMAÇÃO: Não houve premiação
DIREÇÃO DE ARTE: O palhaço
FOTOGRAFIA: O palhaço
FIGURINOS: O palhaço
MAQUIAGEM: O palhaço
SOM: O homem do futuro
TRILHA SONORA ORIGINAL: O palhaço
TRILHA SONORA: Rock Brasília – era de ouro
MONTAGEM: O palhaço
MONTAGEM DE DOCUMENTÁRIO: Lixo extraordinário
EFEITOS ESPECIAIS: O homem do futuro
CURTA-METRAGEM: Pra eu dormir tranqüilo
CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO: O céu no andar de baixo
DOCUMENTÁRIO DE CURTA-METRAGEM: A verdadeira história da bailarina de vermelho
FILME - VOTO POPULAR: O palhaço
FILME ESTRANGEIRO - VOTO POPULAR: Rio (EUA)

Por coincidência, está chegando às lojas uma edição especial do filme, em DVD duplo, trazendo um disco só de extras, incluindo o documentário Palhaço.doc, cenas de bastidores e entrevistas. Uma edição à altura da qualidade do filme.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Um mundo além de palavras


Assiste-se muita coisa ruim no Festival do Rio, mas é possível também se encantar com pérolas que justificam a cinefilia de qualquer um. Foi assim que descobri esse pequeno drama rodado no Canadá, Tudo que você tem, que não estava na minha programação original e acabou entrando meio de improviso, para encher o tempo entre uma sessão e outra. Ou seja, o tipo de tesouro escondido que nos dá prazer dobrado em descobrir.

Objeto de uma mostra há alguns anos no Festival do Rio, o cinema canadense costuma reservar boas surpresas aos cinéfilos. Poucos são os filmes a chegar até o circuito da cidade, mas, quando isso acontece, vale ficar atento. Ano passado, tivemos o devastador Incêndios, cujas imagens até hoje, muitos meses depois de assisti-lo, ainda ressoam na minha cabeça. Também quem teve a paciência de descobrir um pequeno drama nostálgico de nome gaiato, Mamãe foi ao salão, da diretora Lea Pool (cultuada pelo mundo, mas pouco conhecida aqui), se deparou com uma história forte e sensível ao mesmo tempo. Este aqui é outro filme sem qualquer apelo exibidor, mas até que pode ter chance no circuito alternativo, dada a boa repercussão que gerou no boca-a-boca.

O reservado Pierre é um jovem professor de literatura desencantado com o universo acadêmico. Ele resolve tirar licença por tempo indeterminado e se dedicar a traduzir poemas de um autor polonês pouco conhecido, mas adorado por ele, chamado Edward Stachura. Ao mesmo tempo, passa por um drama pessoal, já que seu pai, com quem nunca manteve boas relações, está moribundo de câncer. Ele recusa o dinheiro da herança que o pai lhe deixa por considerá-lo fruto de negócios escusos, mas é obrigado a aceitar por uma cláusula testamental. Um dia, voltando de um sebo para onde fora vender alguns livros, Pierre reconhece uma mulher em um restaurante. É uma namorada dos tempos da faculdade, a quem abandonou 12 anos atrás, quando ela ficou grávida. Junto a ela, está a menina, sua filha, que ele não conheceu nem sabia de sua existência (havia pedido que a namorada fizesse um aborto). Pierre foge, mas a menina segue seus passos, descobre onde ele mora e tenta se aproximar. Ele reluta, a princípio, mas, quando resolve se abrir para a nova vida que tem diante de si, seus erros do passado vêm à tona. O mundo do professor, que começava a se abrir, volta a encolher.

O temperamento do personagem acaba sendo moldado de certa forma pelos poemas que ele traduz. Fui pesquisar e descobri que o poeta em questão, Edward Stachura, realmente existiu, embora me pareça que seja mais um gosto adquirido por pequeno número de leitores que conhecem seu estilo muito triste, de versos que falam de perdas, renúncias, dores de existir, ou seja, quase uma antipoesia. Todo o filme é pontuado por esses versos, que conferem ainda mais melancolia ao roteiro. O maior acerto é que todos os poemas que aparecem na tela combinam com o estado de espírito do personagem. Criminosamente, não há nada em português de Stachura, que pelo visto continuará desconhecido do público – a menos que o filme entre em cartaz, seja um grande sucesso de público e chame a atenção de alguma editora para sua obra. Um processo muito hipotético e mesmo assim lento. O jeito é se contentar com suas traduções em inglês ou espanhol. Descobri um site no qual é possível conhecer um pouco mais de sua vida e obra, bem como ler alguns de seus poemas: http://duszenko.northern.edu/stachura/. Atenção para o belíssimo "A letter to the remaining", que conclui o filme de forma brilhante.

O filme sequer possui registro no IMDB, embora seja possível localizar seu ator principal, Patrick Drolet (foto à esquerda), e o diretor, Bernard Émond, também autor do roteiro. Ambos têm certa experiência no cinema local, Drolet com mais créditos, inclusive aparece em ponta em uma produção obscura, Resgate de alto risco, lançada em DVD no Brasil (vá entender). Já Émond dispõe de seis trabalhos (com este, sete), basicamente rodados de 2001 para cá, mas nenhum também conhecido do público brasileiro. Então, fica difícil avaliar se seu estilo é assim mesmo ou se é uma obra diferenciada dentro de sua carreira. Centrando-se apenas no drama em questão, é um nome a ser conhecido.

Só resta torcer para que alguma distribuidora se anime e lance o filme por aqui.



quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Pílulas do Festival do Rio 2012 - segunda parte

Felizmente diminuíram as falhas técnicas e cancelamentos de sessões e a segunda semana do Festival transcorreu sem maiores incidentes. Fechei com 45 filmes, minha segunda melhor marca (teria chegado aos 50 não fossem os problemas). Eis o que vi.

TABU – Filme português. Tem uma estrutura narrativa interessante, com a história se resolvendo na primeira parte e, na segunda, retomando a origem dos personagens, justificando e explicando suas ações. Ao contrário da maioria, gostei mais dessa segunda parte. Um ótimo par de atrizes (a idosa e sua criada), bela fotografia em preto e branco e um momento surreal e antológico, com a banda tocando à beira de uma piscina vazia. * * *

O QUADRO – Muito criativa e original, essa animação francesa se passa toda dentro de um quadro, com os personagens - as pinturas - divididos em três castas, os "todopintados" detentores do poder, os "pelametade" excluídos do "convívio social" e os rabiscos, que nem são considerados. Nada a ver com Disney-Pixar, mas tem um visual belíssimo, com uma qualidade impressionante da animação, excelente uso das cores e uma história que, se peca por não ter tanto humor, traz uma mensagem moralmente positiva, de aceitação das diferenças e superação dos preconceitos. Afinal, somos todos iguais, mesmo que às vezes "pela metade", "incompletos". * * * *

HOJE – Cansativo. O filme parte de uma premissa absurda (o personagem sabe que vai morrer naquele dia) e não caminha para lugar algum. É apenas a lenta caminhada de um homem cujo destino está traçado e revê pessoas e situações pela última vez. Podia ter rendido um drama eficiente, mas optou pela emoção mínima. *

PENITÊNCIAS – Minissérie da TV japonesa exibida na íntegra. Gasta 4h30 para decifrar uma charada que poderia ter sido resolvida na metade do tempo. Misto de drama de suspense com história de vingança, muito lento, com situações desnecessárias (o caso da boneca) que só alongam a metragem e humor involuntário inadequado. No fim, a penitência mesmo é do espectador que assistiu a essa maratona um tanto cansativa. * *

HOLY MOTORS – Um dos títulos mais aguardados do evento. É uma forma original de falar sobre cinema. Leos Carax cria uma história cuja homenagem é perceptível a qualquer cinéfilo, transitando por vários gêneros, com inúmeras autorreferências. Um pouco estranho no princípio, mas depois que o espectador supera o primeiro momento e percebe a proposta do roteiro, funciona. Mas é meio ame ou odeie. Eu estava muito cansado e não pude apreciar o filme como deveria, preciso revê-lo para que a boa impressão se confirme. * *

IMAGINE – Espécie de Sociedade dos poetas mortos da deficiência visual. Um professor cego chega a uma clínica de cegos e tenta fazer com que seus alunos adquiram confiança e independência. Usa métodos inusitados, muitas vezes mal compreendidos, e a história tem algumas soluções improváveis. Mas escapa da pieguice e dos riscos de fazer comédia que uma história com esse tema poderia correr. Bem contado, tem boa comunicação com público. * * *

BRANCO COMO NEVE – Bom passatempo com belas imagens e só. * *

APENAS O VENTO – O filme é o final. Passa 80 minutos preparando o espectador para ele, e quando surge na tela, é uma porrada, uma catarse, chega a causar nojo a idéia de preconceito, de ódio étnico, sem sentido, e no que ele pode causar. Este final redime o filme, que nada tem de espetacular, mas é muito bem conduzido e interpretado. * * *

O GORILA – "Oh, céus, mataram o Kenny de novo!". Vou me alongar neste aqui em postagem mais adiante. Sem classificação.

SIMON ASSASSINO – Enquanto rumina o chute que levou da namorada, jovem se esconde em Paris para resolver o que quer da vida. Lá, se envolve com uma stripper e a usa para cometer pequenos golpes. Um filme sobre as escolhas que fazemos na vida e as conseqüências que podem advir delas. Entre as muitas cenas de sexo, uma curiosa que mostra uma ousada sugestão de inversão sexual. * *

A BELEZA – Apenas mediano. O contraste entre a perda da cultura da garota índia e a festa da menina branca filha da patroa é menos impactante do que deveria. * *

O ÚLTIMO ELVIS – Ouvi muitos elogios favoráveis a este filme antes do festival. Fui cheio de expectativa e não me arrependi. Um filmaço! Carlos Gutierrez é fanático por Elvis Presley e trabalha como seu cover em bares e asilos de idosos. Velho e gordo, se acha o próprio rei do rock, refugiando-se nessa fantasia para se preservar da triste realidade em que vive.Quando sua esposa sofre um acidente de carro, "Elvis" Gutierrez resolve tomar a única decisão que vislumbra para sua vida naquele momento. Ecos de Tony Manero embalam essa comédia dramática, que mostra como a alienação pode moldar o destino de uma pessoa comum. A seqüência final é de arrepiar. Comovente, divertido, imperdível. É torcer para entrar em cartaz e outras pessoas possam descobri-lo. * * * * *

TERRA DE SANGUE E MEL – A estréia de Angelina Jolie na direção é uma grata surpresa. Ela optou por tratar de um tema espinhoso, a guerra na Bósnia (certamente sua atuação como embaixadora da ONU pesou na escolha do tema), centrando-se em um romance proibido entre um militar sérvio e uma pintora muçulmana, e ampliando o foco para os terríveis desdobramentos daquele conflito, que atingiram todas as mulheres locais, vítimas de constantes estupros. Um tema difícil tratado com segurança e seriedade. Jolie mostra qualidades na direção (também não inventa nada), não poupa a heroína de cenas fortes e surpreende com os rumos que dá à história. * * *

O INTERVALO – Casal de adolescentes confinado em um prédio passa hora e meia de papo furado e abusando da paciência do espectador. Um filme sem interesse. *

STARLET – No começo, parece mais um retrato daqueles "junkiezinhos" perdidos na vida, mas há o diferencial de mostrar a garota com bom coração. O roteiro quase abandona o ponto de partida, que mesmo assim não chega a ser bem explorado. A amizade entre as duas mulheres soa forçada e algo improvável. Mas a cena final dá outra dimensão à história. Starlet é o nome do cachorrinho da protagonista Independente até a medula. * *

PAULINE DETETIVE – Comédia policial francesa francamente comercial, dá até para imaginar a refilmagem americana. É valorizada por uma montagem ágil que confere fluência á narrativa, diálogos inspirados e um roteiro redondinho, com tudo no lugar. Nada especial, mas é ótima diversão. * * *

O CLUBE DO VAMOS-FAZER-A-PROFESSORA-ABORTAR – Até agora não entendi a proposta do roteiro. Não sei se a intenção foi fazer uma comédia trash de humor negro ou um suspense baseado em um fato supostamente real. Funciona como comédia, mas fazer graça com sangue e aborto, convenhamos, é meio pesado. Uma bizarrice mal-feita. *

O SOM AO REDOR – Kléber Mendonça Filho estréia no formato longa com a mesma genialidade de seus curtas. É o melhor diretor do Brasil. Com uma engenhosa carpintaria de imagens, aprisiona seus personagens nos enquadramentos e faz do espectador cúmplice de todas aquelas ações, como se fôssemos todos vizinhos, testemunhas silenciosas do que acontece no nosso bairro. Inteligente uso do som, que comenta os fatos com precisão cirúrgica. Uma crônica urbana margeada pelo pesadelo. Um filme quase perfeito, que só erra por ser um pouco longo demais. * * * *

A RAINHA DE VERSALHES – No futuro, este será o registro documental de uma época difícil marcada pela recessão econômica. O filme acompanha uma família que faz o caminho oposto ao sonho americano e vai da riqueza à bancarrota em pouco tempo. Mesmo assim, o casal e seus sete filhos tentam manter as aparências, mesmo que para isso vivam se endividando. Cena surreal: a mulher (a tal rainha do título) enchendo três carrinhos de supermercado só com brinquedos e bugigangas, mesmo sem ter condições de arcar com todas as despesas. * * *

COLEGAS – Marcelo Galvão volta a provocar com um tema incômodo. Aqui, escala três atores com síndrome de Down que fogem do orfanato onde vivem e caem na estrada em busca de liberdade. O trio central está ótimo e o filme é narrado em tom de fábula, com diversas referências que os cinéfilos identificarão. Respeitoso e engraçado, é meio travado no meio, mas depois segue fluente até o final. * * *

WOODY ALLEN, O DOC – Tipo mingau às avessas: o quente está nas bordas – no caso, nos primeiros e últimos 20 minutos, quando Allen revela detalhes familiares, inclusive com fotos da infância, e mostra seu processo criativo. No meio, morno, críticos e produtores analisam sua obra. Fartamente ilustrado com cenas de quase todos os seus filmes. Um pouco cansativo, mas os fãs gostarão bastante. * * *

FOXFIRE – Não consegui simpatizar com nenhuma daquelas meninas, que se revoltam com o tratamento que recebem da sociedade, mas sempre tomam as atitudes erradas. O feminismo latente do roteiro resulta equivocado. Elas querem respeito, mas saem barbarizando pela cidade onde vivem. Precisam de dinheiro e aplicam golpes em homens para subtraí-los. Ser mulher é isso? A sugestão final de fábula política é uma piada. Só não é um desastre completo por causa da boa reconstituição de época, expressa na cenografia e nos figurinos. * *

PUSHWAGNER, A IRA DO ARTISTA – Foca-se no processo judicial movido pelo artista contra um ex-colaborador (não se explica direito a razão). Pouco se fala sobre sua carreira e sua vida, ao que parece regada a drogas e álcool. Pushwagner é um artista no sentido romântico do termo, muito excêntrico, desbocado, polêmico. O estilo visual do filme acompanha a personalidade do biografado. Mas fiquei com vontade de conhecer mais sobre ele e entender sua obra. E isso, para mim, é o motor de qualquer documentário. * *

A FLORESTA DE JONATHAS – “Muito prazer, Brasil, eu sou o Amazonas”, é o que parece saltar de cada fotograma dessa produção local. De fato, às vezes parece que estamos mesmo assistindo a um desses filmes de arte feitos no Camboja ou em Cingapura, que os críticos adoram. É quase um Tio Boonmee... tropical. O roteiro se alonga na completa falta de assunto, com diálogos péssimos e furos na história. O diretor parece mais preocupado em mostrar exotismos visuais do que contar uma trama minimamente consistente. Só vale pela curiosidade de ver um filme feito no Amazonas e pela linda atriz ucraniana. *


JOVEM E LOUCA – AS AVENTURAS DE UMA NINFOMANÍACA – A grade ousadia dessa comédia chilena é a coragem de fazer piada com a religião evangélica, o que lhe renderá a condenação de jamais ser exibida no circuito nacional. Mas o filme tem pouca graça e o roteiro peca pela inconclusão. A julgar pelas atrizes, o Chile tem as mulheres mais lindas e interessantes da América do Sul. * *

A REPÚBLICA DE MININUS – Alegoria política que parece inspirada no “Gbala”, um antigo samba-enredo da Vila Isabel. A presença de Danny Glover é a marca de qualidade de um projeto mais voltado às crianças. Adultos podem se aborrecer com a ingenuidade da história. * *

MANÍACO – Desnecessária refilmagem de uma fita obscura e ruim dos anos 80, da qual pouca gente se lembra. O diretor Aja imprime maneirismos visuais graças à opção da câmera subjetiva, que reforça o impacto de algumas cenas. O atropelamento é especialmente engraçado. Diversão trash melhor que o original, o que não significa muito. Elijah Wood já condenado a viver personagens malucos. * *

UMA HISTÓRIA DE AMOR E FÚRIA – O ousado roteiro do diretor Luiz Bolognesi cobre 600 anos da história do Brasil, desde a era pré-descoberta até o ano de 2096, quando imagina um futuro assustadoramente possível, sobretudo para o Rio de Janeiro. A qualidade da animação é ótima, embora eu ache os personagens graficamente mal resolvidos. Inteligente e engenhoso, lembra um pouco Fonte da vida por tratar de um romance que atravessa os tempos. * * * *

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Pílulas do Festival do Rio 2012 - primeira parte

Muitas falhas técnicas à parte, com sessões canceladas e suspensas em profusão (merece até uma coluna só sobre isso), o Festival do Rio vem cumprindo seu papel de apresentar o que de melhor e pior se faz nos cinemas do mundo. Em vez de postar diariamente, artifício que se revelou inútil em 2009, quando cobri o evento aqui no blog, achei melhor dividir os comentários sobre os filmes vistos em duas partes, esta e a outra, quando ele se encerra. Por conta das falhas, não estou vendo tantos filmes quanto gostaria e planejei. Vamos ao que vi na primeira semana.

18 COMIDAS – O cinema espanhol parece gostar de histórias que tenham a comida como elemento central (Dieta mediterrânea, Bom apetite). O problema é que são todos insossos. Aqui são várias histórias que se cruzam tendo como ponto de partida alguma refeição específica: café da manhã, almoço e jantar. Mas com tanta fartura gastronômica na tela, o roteiro não tem sabor nenhum. São tramas paralelas que se encontram em algum ponto, mas só uma (a dos irmãos) é resolvida a contento. E o casal de idosos, o que faz ali? Estrategicamente programado para o primeiro dia da maratona, mas não me abriu o apetite. * *

TUDO QUE VOCÊ TEM – Professor se desencanta do universo acadêmico e se isola para traduzir um poeta polonês que ninguém conhece. Vive melancólico até descobrir que tem uma filha pré-adolescente, fruto de relacionamento da juventude. Isso abala seu mundo, mas os erros do passado cobrarão seu preço. Belo, triste e dolorido. Adorei, talvez por certa identificação com o protagonista. Voltarei a este aqui mais adiante. * * * *

A VIRGEM, OS COPTAS E EU – O diretor resolve fazer um filme sobre aparições da Virgem Maria em um vilarejo do Irã, das quais sua mãe teria sido testemunha. Exercício de intimismo pessoal, sem interesse para o espectador em geral. O filme é salvo da irrelevância absoluta pelo bom humor que o próprio diretor imprime à narrativa, sobretudo na parte final, a da encenação das aparições da virgem. A mãe do rapaz é uma grande figura e critica o filho o tempo todo por só fazer filmes ruins. * *

SONHOS DE UMA VIDA – A história era intrigante. Uma mulher morre sozinha em casa e só três anos depois descobrem o corpo, sem que ninguém tenha dado pela falta dela. A diretora investiga o que levou a tamanha indiferença. Por que ninguém procurou aquela mulher, nem sentiu sua falta ao longo de três anos? O problema foi a opção de mesclar documentário (entrevistas com pessoas que conheceram e conviveram com ela) e ficção (recriação dramatizada de alguns fatos descritos), que prejudicou o resultado final. Podia ter sido um belo estudo sobre a invisibilidade que a vida urbana confere a todos nós. * *

MONTY PYTON - A AUTOBIOGRAFIA DE UM MENTIROSO – A grande sacada foi contar a biografia de Graham Chapman no estilo das animações que nos acostumamos a ver nos filmes do grupo e em forma de esquetes, ou seja, total identificação com o biografado. O estilo das animações muda de acordo com o momento descrito na tela, indo do mais infantil ao visualmente rebuscado. O melhor momento é a luta de boxe simbólica para representar os problemas de alcoolismo enfrentados pelo comediante. Final emocionante. Inteligente, ousado e criativo, mas não exatamente original. Pena que o excesso de humor, às vezes, prejudique o resultado e comprometa o aspecto documental. * * * *

BAIKONUR – Filme do Cazaquistão. Jovem acolhe em sua casa uma cosmonauta francesa que se acidentou e se esqueceu quem era. Ele então a convence de que são noivos e estão para casar. Comédia simpática, que tem bons momentos na primeira parte, mas descamba para uma fantasia romântica improvável na segunda metade. O roteiro poderia ter explorado mais o choque de culturas entre a jovem francesa e a aldeia cazaque no meio do nada onde ela vai parar. Lembrei de Tulpan, outra comédia singela feita naquele país há alguns anos e que chegou a passar nos cinemas daqui. * *

SALA 514 – Uma jovem oficial do exército israelense interroga um general acusado de cometer abuso contra uma família. Aos poucos, vai percebendo que a verdade pode não ser aquilo em que ela acredita. Praticamente todo rodado em um único ambiente, a tal sala do título, onde acontecem os interrogatórios, sempre carregados de agressividade e sarcasmo. Tenso, seco e claustrofóbico. * * *

SELVAGENS – Podem acusar Oliver Stone de ser exagerado e descontrolado, mas não há como negar sua habilidade na condução de uma história. Bem ao seu estilo, tem muita violência, mas é valorizado pelo ritmo incessante, pela fotografia contrastante em cores quentes e pela excelente direção de arte. Benício Del Toro assustador. Salma Hayek tenta, mas não consegue passar toda a suposta vilania de sua personagem, a madrinha de um império mexicano das drogas. Já o trio central é de uma inexpressividade notável. Em cartaz nesta sexta-feira. * * * *

AS SESSÕES – A primeira obra-prima do festival até aqui. O jornalista Mark O'Brian passou seus 38 anos de vida imobilizado a uma maca, vítima de poliomielite. Sabendo que seu tempo de vida é curto, resolve perder a virgindade. Para isso, contrata os serviços de uma terapeuta sexual para deficientes, a quem aos poucos vai se afeiçoando. Uma história quase inacreditável (baseada em fatos reais) que tinha tudo para afundar na pieguice e na grosseria é contada em ritmo de alto astral, com o bom humor transparecendo em ótimos e inspirados diálogos. John Hawkes esplêndido no papel principal e Helen Hunt em atuação corajosa, aparecendo em várias cenas de nu frontal. Olho neste aqui que pode ser lembrado no Oscar em algumas categorias. Lição de vida e humanidade. Imperdível. * * * * *

MOONRISE KINGDOM – Este é um dos filmes mais elogiados por quase todo mundo que o viu. Permitam-me o direito de discordar. Pra começar, não gosto do diretor Wes Anderson, então, já fica difícil logo de cara apreciar alguma coisa que ele faz (gosto muito de O fantástico Sr. Raposo e só). Não sei dizer exatamente o porquê. Talvez não curta seu humor, que acho meio bobinho, pretensioso, meio triste. O fato é que tenho dificuldade para embarcar nos seus filmes, "comprar" a proposta. Esse Moonrise kingdom não me comoveu nem me tocou em momento algum, bem como a história não me disse nada. OK, para uma trama ambientada nos anos 60, é claro que tinha de haver a idéia de liberdade, de mudanças, no caso representada pelo casal pré-adolescente que tem problemas pessoais parecidos: ele órfão, ela reprimida, se apaixonam (do nada) e resolvem fugir juntos. Acabam capturados e pra mim a história acaba aí. A segunda metade, quando as autoridades constituídas tentam afastar o casalzinho, chegou a ser penosa de assistir, uma enrolação com algumas piadinhas visuais, até bem sacadas. Difícil dar ao menos um sorriso. É uma aventurinha infanto-juvenil que se fosse dirigida por outro diretor, nem passaria por aqui. De que adianta reunir um elenco tão competente? Bruce Willis regular, até contido demais, Edward Norton tentando fazer graça, Bill Murray desperdiçado, Tilda Swinton e FrancesMcDormand sem o que fazer. Os dois protagonistas pioram as coisas. O menino ainda tem certa expressividade, mas a menina passa o filme todo com uma única expressão de tédio, em qualquer situação. Respeito muito a opinião dos colegas que gostaram, mas sinceramente não sei o que viram tanto aqui - e os aplausos muito tímidos no final da sessão podem indicar que a maioria também se decepcionou. Ou vai ver sou eu mesmo que tenho má vontade com Wes Anderson. Mesmo assim, está sendo apontado como possível finalista em várias indicações ao Oscar. * *

A PINTURA DE GEHRARD RICHTER – Eu ia ver outro filme, mas uma falha na produção (foram muitas até agora, chega a irritar) trocou os arquivos de vídeo e acabou exibindo esse documentário sobre um pintor alemão do qual, perdoem-me a ignorância, nunca tinha ouvido falar. Parece que ele é meio recluso e só por isso o filme tem lá seu valor histórico, já que Richter aparece dando entrevistas e comentando seu processo criativo. Para quem conhece o artista, um prato cheio. Para mim, um tapa-buraco com gosto de pepino. * *

DEPOIS DE LÚCIA – Vencedor do Câmera D’Or em Cannes. Pai e filha pré-adolescente se mudam para a Cidade do México e tentam reconstruir suas vidas após a morte da esposa/mãe. Enquanto ele se refugia no trabalho duro, ela sofre bullying na escola. As cenas de bullying são cruéis e difíceis de ver. Nada especial, mas com ótimo final. * * *

9,79 – Documentário convencional que parte da final dos 100m rasos nas Olimpíadas de 1988 para apresentar um panorama sobre a onda de doping que assombrou o atletismo entre as décadas de 70 e 90. Todos os finalistas daquela prova são entrevistados nos dias atuais e dão suas versões para o caso. Curiosidade: dos oito atletas em questão, cinco tiveram problemas com doping e alguns foram banidos para toda a vida, como o vencedor daquele ano, Ben Johnson, num dos maiores escândalos esportivos de todos os tempos. O título é a marca estabelecida por Johnson, que não foi homologada e hoje já foi muito superada por Usain Bolt. Produção da ESPN Filmes, brevemente na sua TV a cabo. * *

PIETÁ – Este era o filme mais aguardado da primeira semana do festival. Todas as sessões lotadas. Mas o vencedor do Festival de Veneza é um pouco frustrante. Um cobrador de dívidas para agiotas que usa métodos violentos para fazer seu trabalho se surpreende com a aparição de uma mulher que diz ser sua mãe. O estilo contemplativo do diretor temperado com pitadas de sangue e violência, mas em proporção bem menor do que fez supor a imprensa. Para mim, pareceu uma mistura entre Mother e Oldboy, com algumas referências de outros filmes recentes, inclusive a Trilogia da Vingança de Park Chan-Wook. Quem conhece o estilo de Kim Ki-Duk vai estranhar o visual do filme, que é sujo, degradado e triste. É bom, mas fica abaixo do que se esperava. * * *

VIOLA – Não adianta o festival fazer estardalhaço de 450 filmes na programação se pega qualquer coisa produzida em audiovisual e joga na tela. Os incautos compram e embarcam na maior canoa furada. Começa com um exaustivo ensaio de peça de Shakesperare, vira uma breve historinha sobre amizade feminina e termina sem conclusão. Um filme absolutamente inútil, que não diz nada e nunca deixa clara sua proposta. Desperdício de tempo. Prova que o Festival do Rio está se afundando num gigantismo desnecessário, graças a exibição de fitas ridículas como esta. Embora muito curto, é cansativo e repetitivo. Sem classificação.

QUARTO 237, TEORIAS LOUCAS SOBRE "O ILUMINADO" – Historiadores, pesquisadores e fãs do clássico de Kubrick expõem suas teorias acerca das mensagens e símbolos ocultos que o diretor espalhou ao longo dos 144 minutos de seu filme. Inteiramente editado com cenas de filmes do diretor; os entrevistados nunca aparecem, só se ouve suas vozes. Algumas teorias são perturbadoras, outras ridículas. Dá vontade de rever O iluminado para conferir - e formular as próprias. Divertido, mas um pouco longo demais. * * *

PLANETA SOLITÁRIO – Jovem casal perto de se casar sai em excursão pelas montanhas da Geórgia tendo a companhia apenas de um guia local. Planos longos, poucos e irrelevantes diálogos, algumas cenas constrangedoras. Gael García Bernal arranha mais uma vez sua condição de estrela e se mete numa produção sem muito sentido. Salvam-se as belas locações, a atriz ruiva (Hani Furstenberg) e a musiquinha vibrante que toca logo no começo. * *

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Outros mundos, outras vidas


Há alguns anos, escrevi um conto intitulado “Não estamos sós”. Nele, um rapaz descobria a existência de um outro planeta Terra, em tudo igual ao nosso, inclusive habitado por versões mais evoluídas e bem-sucedidas de nós mesmos. Esta era a diferença: lá, os “outros eus” levavam a vida que nós gostaríamos de levar, se todos os nossos planos tivessem se concretizado de forma satisfatória. Perturbado com essa descoberta, passa a viver segundo o que considera auspícios astrais, influenciado (sem se dar conta) por ações de seu “duplo” no outro planeta. Como esse conto nunca foi publicado em lugar nenhum, só pode ter sido uma grande coincidência que o diretor Mike Cahill tenha realizado um filme que é praticamente a versão em celulóide do que escrevi. Infelizmente, o resultado ficou aquém do que poderia – e se me permitem um raro exercício de pretensão, não é a adaptação que eu gostaria de ver de um conto meu.

A jovem Rhoda Williams (Brit Marling, também roteirista, junto com o diretor) tem um futuro promissor. Aos 17 anos, acaba de ingressar em uma das mais prestigiadas instituições de ensino tecnológico dos Estados Unidos. Na mesma noite em que fica sabendo disso, causa um acidente enquanto guia seu carro e provoca a morte da mulher e do filho do professor John Burroughs (William Mapother, de Lost). Fica presa por quatro anos, o mesmo tempo que teria passado na universidade, e, ao ser libertada, não tem mais alternativas. Vai trabalhar como faxineira em uma escola, mas ganha um novo alento ao descobrir o endereço do professor. Consegue se aproximar, oferecendo-se para limpar sua casa uma vez por semana. Ele não sabe quem ela é, e os dois acabam se envolvendo afetivamente. Mas o passado cobra um preço e Rhoda precisará renegar seu futuro pela segunda vez. Agora, em nome de sua redenção.

Paralelamente, a ciência anuncia a descoberta de outro planeta Terra, logo chamado de Terra II, no qual, acredita-se, vivam duplos de todos os habitantes do nosso pobre e doente planetinha. Essa revelação servirá para abalar o frágil equilíbrio emocional que sustenta Rhoda em sua zona de conforto. Ela se sente responsável pelas vidas que destruiu e crê que em algum lugar da galáxia possa remediar seu erro. Assim, se inscreve em um concurso lançado pelo governo norte-americano para viajar para a Terra II (sic), já que somente lá será possível um recomeço.

O ritmo lento da narrativa ajuda a inserir o espectador no universo solitário e melancólico de Rhoda, uma mulher que desperdiçou sua vida e agora passa seus dias assombrada pela culpa. A monotonia de seu cotidiano é traduzida em imagens que dissecam uma existência vazia, que se arrasta na monocórdia batida da trilha sonora, com especial acompanhamento da canção instrumental “The first time I saw Júpiter”, do grupo Fall On Your Sword. Enquanto isso, o agora ex-professor Burroughs se enclausura em sua casa, afastada do centro urbano, jogando videogame, também sem perspectiva. Do encontro entre esses dois personagens destroçados pelo destino comum surgirá uma centelha de esperança.

O roteiro poderia ter explorado mais o sugerido paralelismo existente entre os dois planetas. Assim, as ações de uma segunda Rhoda influenciariam, e estariam diretamente relacionadas a, suas ações na nossa Terra. Mas o diretor preferiu seguir por uma trilha mais metafísica, não aprofundando os pontos em comum que poderiam surgir dessa duplicata planetária. O resultado não chega a empolgar, embora no todo o filme não desagrade. Ficou no meio do caminho. No meu conto, optei exatamente por essa alternativa que o diretor descartou.

A edição em DVD é melhor do que a média que vem sendo lançada, já que há tempos as distribuidoras desistiram de caprichar nos bônus e limitam-se ao trivial. Traz cenas eliminadas, algumas com comentários do diretor, que explica as razões para o corte, duas breves entrevistas (muito curtas, podiam ser mais extensas), clipe da música principal e trailer, este sem legendas.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A câmera nas mãos do idiota


Nunca entendi esse fanatismo religioso que caracteriza alguns povos ao redor do mundo. Talvez por ser ateu ou viver em um país que permite a livre expressão de credos e crenças, onde umbandistas, católicos e evangélicos convivem em harmonia, desde que, logicamente, respeitadas as convicções de cada um. Na Escócia, por exemplo, de tão inflamadas, as diferenças religiosas chegam a extrapolar e invadir o campo esportivo. O clássico nacional entre Celtic e Glasgow Rangers é mais do que um jogo de futebol. Para muitos torcedores, é a oportunidade de provar no gramado a superioridade de uma religião sobre outra, já que os times são historicamente identificados com protestantes e católicos, respectivamente. Não raro os encontros terminam em pancadaria e violência generalizada.

No Oriente Médio, nem é preciso falar. Como, repito, não entendo esse fanatismo que move as ações de judeus, árabes e israelenses uns contra os outros, fico me perguntando para que tanta guerra, tanta intolerância, por que essa necessidade quase animalesca de eliminar os devotos de uma e de outra religião. Ouço falar em guerra santa desde que eu era pirralho e a cada semana surge “mais do mesmo”: atentados, homens-bomba, destruição de templos etc. Será que esse povo nunca se cansa? Será que isso nunca vai ter fim? Mata-se mais em nome de Deus do que se vive sob seus princípios. Se essa matança infinda ocorre por ordens dele, então é muita sorte que o resto da humanidade ainda não tenha sucumbido, porque um Deus assim, que prega a destruição, é de meter medo!

O leitor eventual do espaço deve estar se perguntando o que esse assunto tão pesado está fazendo no blog que tem, por princípio, ocupar-se de temas voltados à cultura. Explico. Há alguns dias, várias embaixadas norte-americanas no Oriente Médio foram atacadas por fundamentalistas islâmicos, resultando em mortes, incluindo alguns diplomatas ianques. O estopim teria sido a veiculação de um filme que conteria diversas injúrias contra o islamismo. Algumas: mostra-se Maomé em forma humana, interpretado por um ator, conferindo-lhe, portanto, um rosto, o que é proibido pelas leis islâmicas. Mais grave: esse próprio “Maomé” afirmaria que tal religião é um câncer, exorta seus seguidores a assassinar crianças e escravizar pessoas, além de fazer piada com outros dogmas sagrados das crenças locais.

O filme em questão se chama A inocência dos muçulmanos, na verdade um curta-metragem de 14 minutos de duração, que até a semana passada estava disponível em diversos sites de compartilhamento – hoje já foi varrido de quase todos eles, mas o leitor que tiver interesse pode procurar na rede que talvez encontre; assista por sua conta e risco. Trata-se de uma patetice despropositada, visivelmente amadora, levada em tom de comédia, com o único objetivo de debochar do islã, chamando-os de terroristas que propagam o mal e espalham destruição. O escritor Salman Rushdie classificou o vídeo como “um lixo”. Outras autoridades condenaram a produção tanto pela pobreza da realização quanto pela gratuidade das ofensas proferidas. Atores e equipe técnica que participaram do filme se disseram enganados pelos produtores, pois haviam sido contratados para rodar um épico chamado Guerreiro do deserto e se surpreenderam ao ver o resultado. Nem vale a pena comentar outros aspectos dessa sandice.

Sou inteiramente a favor da liberdade de expressão. Cada um tem o direito de se manifestar a respeito do que bem entender, da forma que quiser. Mas é preciso que haja um propósito, uma mensagem a ser passada. O que se vê nos 14 minutos da produção é um ataque gratuito a uma religião, sem qualquer estofo dramático consistente que o justifique. O diretor disse que fez um filme político, não religioso, mas não é o que se pode constatar. Além disso, é difícil separar uma coisa da outra em uma região como o Oriente Médio, em que ambos os assuntos estão estreitamente ligados.

A identidade do autor de A inocência dos muçulmanos permanece envolta em mistério, embora pipoquem no território livre da internet algumas versões para sua origem. Sabe-se que Sam Bacile, o nome com o qual foi inicialmente identificado, não existe. Este seria um pseudônimo de Nakoula Basseley Nakoula, um judeu copta de 55 anos (algumas fontes citam 45). Mas também não é oficial. Outras versões dizem que o diretor verdadeiro é Alan Roberts, que tem longa carreira no cinema pornô, embora também não conste nada a seu respeito no IMDB. Atores e atrizes que atuam no filmete também seriam egressos do universo de produções adultas, sendo que uma delas, Amina Noir, chegou a ser modelo da TV Playboy. Tudo especulação.

Há muitos outros aspectos mal explicados. Como uma produção amadora, que nunca foi lançada comercialmente, em tese foi pouco ou mal vista, pode ter deflagrado uma onda de violência tão grande? A versão conhecida tem 14 minutos, com cortes evidentes; existe uma versão completa? A montagem feita tira a obra de seu contexto original ou a idéia era mesmo atacar o islã? Por que não há informações concretas sobre os intérpretes? Tudo nebuloso. Essa falta de pistas é de certa forma simbólica. Talvez seja mesmo o melhor destino para essa aberração: o anonimato e a obscuridade eternos.