terça-feira, 10 de abril de 2012

Boa de briga

Não consigo entender a lógica de trabalho desse Steven Soderbergh. Ele deve ter atingido um patamar tal na carreira em que não precisa mais se preocupar com dinheiro e pode se dar ao luxo de fazer filmes por diversão, sem compromisso com nada, o que talvez explique porque alterna tanto entre filmes mais sérios e autorais (Traffic, Contágio), outros que mais parecem brincadeira comercial entre amigos (a série dos homens e segredos, o intragável Full frontal, O desinformante) e projetos quase experimentais (Bubble, Confissões de uma garota de programa). A este último pertence seu novo filme, A toda prova, que foi exibido em Berlim e tem data de estréia marcada para o dia 20 de abril (mas pode mudar). Só mesmo a assinatura do diretor para justificar seu lançamento nos cinemas do país, ainda que provavelmente fique restrito às salas alternativas. Fosse outro pobre coitado e iria diretamente para o mercado de homevídeo.

A história começa in media res, numa lanchonete de beira de estrada, onde está Mallory Kane. No local, ela terá um encontro inesperado com um homem que não esperava ver. Eles discutem, ela dá uma rasteira e deixa o sujeito desacordado e foge pegando um zé-mané como refém. Enquanto dirige o carro dele, vai contando a sua história e explicando como chegou até ali. A maior parte do filme é, portanto, um grande flashback, onde então ficamos sabendo que ela é agente de um órgão secreto do governo e que foi traída pelos seus companheiros após libertar um chinês do cativeiro em uma missão em Barcelona. Todos tentam matá-la, mas, graças a suas habilidades físicas e de luta, ela vai escapando, de armadilha em armadilha, sempre na base do sopapo e das pernadas. E é assim que a valente Mallory aniquila um a um de seus perseguidores, até um encontro decisivo com seu ex-chefe, e a vingança final, em cena que não vemos, mas podemos imaginar o que acontece.

A exemplo do que já havia feito outras duas vezes, Soderbergh volta a creditar o papel principal a uma atriz sem experiência no meio cinematográfico profissional. Em Bubble, experimentou com Debbie Doebbereiner (que nunca mais fez nada, não era mesmo atriz) e mais recentemente escalou a musa do cinema pornô Sacha Grey como estrela em Confissões de uma garota de programa, em escolha que deu o que falar. A bola da vez é Gina Carano, campeã norte-americana de MMA (sim, existe uma versão feminina daquilo! – onde esse pobre mundo vai parar?). Vendo o filme, dá para entender o motivo de uma lutadora ter sido escalada para o papel. Não sei se alguma outra atriz de gabarito, mesmo com um mínimo de treino e preparação, agüentaria o tranco nas cenas de luta, que são razoavelmente violentas – leva soco na cara e tudo – mas também divertidas. Nunca esquecendo que são sempre combates entre ela e algum homem, ou seja, fazia-se necessário uma atriz que passasse credibilidade, se mantivesse em igualdade de condições. Neste sentido, Gina convence inteiramente, não precisa se esforçar muito, ela dá o recado e pronto. E ainda apresenta algumas qualidades interpretativas – embora seja sempre meio complicado avaliar a atuação de astros de fitas de ação porque não precisam fazer muito, uma pernada aqui, uma cotovelada ali, uma joelhada acolá, não sei como podemos medir o talento de um intérprete nesses casos. Mas, no que lhe é proposto, Gina se sai bem, favorecida pela maquiagem que a deixa realmente atraente em algumas cenas. Se um dia quiser abandonar o octógono e se arriscar na frente das câmeras, pode ter futuro, desde que não precise decorar muitas falas nem seja escalada fora de posição, ou seja, não a deixem fazer comédia, drama, nada que exija esforço.

Não são comuns mulheres protagonistas de filmes de ação em que saem dando bordoada no elenco masculino. De cabeça, só me lembro de Cynthia Rothrock, uma loirinha corpulenta que chegou a fazer relativo sucesso no começo dos anos 90, apontada como um “Dolph Lundgren de saias”! Ainda trabalha no seu estilo, mas perdeu o interesse. Mesmo porque, a exemplo dos astros masculinos do gênero, a idade chegou também para ela e ficou difícil convencer nas cenas de pancadaria.

O roteiro do filme é primário, não há qualquer novidade na forma como o tema é tratado. Mas Soderbergh é um artesão das imagens e consegue ótimos ângulos nas cenas de luta e perseguição. O encontro entre Gina e Ewan McGregor numa praia deserta é mostrado como se fosse um recurso multi-ângulo de algum DVD, com cortes rápidos e uma montagem que aumenta a adrenalina do embate, também favorecido por uma boa fotografia. Também ajudam as locações autênticas em Barcelona e Dublin, conferindo maior veracidade à narrativa. Como tem muito prestígio na indústria, Soderbergh conseguiu reunir astros de peso para gravitar em torno de Gina Carano, alguns em papéis pequenos. Assim, o elenco traz, além do citado McGregor, Michael Douglas, Antonio Banderas, Michael Fassbender (de novo!), Bill Paxton, o sumido francês Matthieu Kassowitz. Ou seja, coadjuvantes de luxo para mais uma brincadeira descompromissada, sendo que especialmente Banderas, de barba grisalha e ar cansado, parece estar se divertindo bastante.

No fundo, é uma fitinha banal de vingança, dessas que os americanos produzem às pencas e que servem para atulhar as prateleiras das locadoras, o tipo de filme que faz a alegria do espectador macho e pouco avesso ao uso dos neurônios. Não sei se justifica pagar ingresso. Mas comprova que Soderbergh, mesmo quando brinca de fazer cinema, ainda pode ser melhor do que a média atual.

Nenhum comentário:

Postar um comentário