Pesquisa encomendada pelo Instituto Pró-Livro e publicada semana passada revela aquilo que todo mundo desconfia: o brasileiro lê pouco. Muito pouco. Em média, apenas quatro livros por ano. Pior: só metade deles é lido até o fim.
Embora a pesquisa não represente muita coisa em termos estatísticos – foram ouvidas cinco mil pessoas em apenas 315 municípios – é emblemática da triste realidade cultural do nosso país. Brasileiro parece cultivar certa ojeriza quando o assunto é o trinômio arte-cultura-educação, para mim o alicerce que precisa estar mais firme na construção de qualquer nação que se proponha a ser realmente soberana e respeitável aos olhos do mundo. Não vou comentar outros aspectos que atestam a falência intelectual do Brasil, primeiro por não ser este o assunto em pauta e segundo porque são do conhecimento geral. Ficarei apenas no quesito livro e seus conexos, leitura e literatura. Ao mesmo tempo em que confirma a velha tese de que brasileiro não gosta de ler, o resultado da pesquisa lança ainda um mistério: como pode determinada obra ter 20 mil, 30 mil exemplares vendidos se o povo não gosta de ler? Onde vão parar esses livros? Enfeite de mesa? Peso de papéis? Ou simplesmente apodrecem nas prateleiras das residências, cumprindo sua função de estofo cultural para impressionar as visitas?
O resultado da pesquisa deste ano mostra uma involução no relacionamento do brasileiro com o produto livro em comparação com o ano de 2007, quando foi realizada pela primeira vez. Naquela ocasião, 55% da população era considerada leitora – para isso, deve-se ter lido ao menos um livro nos três meses anteriores à pesquisa. Desta vez, chegou-se à metade perfeita, ou seja, 50% admitiu ter lido no mínimo um livro nos 90 dias antecedentes. Outros fatos puderam ser confirmados. As mulheres lêem mais que os homens – são 57% delas contra 43% deles, uma diferença que pode não parecer, mas chega a ser quase abissal em termos percentuais. É mais uma bola nas costas que nós, machos, levamos. Ficamos preocupados com futebol, cerveja e pelada nos finais de semana enquanto elas estão se instruindo, adquirindo conhecimentos que certamente servirão de diferencial no momento certo (vou resistir à tentação de fazer um comentário que poderia facilmente ser classificado como machista e seguir em frente).
O que também chama a atenção é que religião e literatura podem ser boas companheiras quando caminham lado a lado. Dos títulos mais citados entre aqueles que são mais lidos, a Bíblia segue impávida em primeiro lugar. A seguir, vem A cabana, aquele engodo pretensioso escrito por William P. Young, e Ágape, do Padre Marcelo Rossi. Ou seja, brasileiro lê pouco e de maneira sistemática, buscando algum tipo de conforto espiritual numa atividade que primordialmente deveria servir ao lazer e ao engrandecimento intelectual. Mas tudo bem, é melhor ler um livro de religião do que não ler livro nenhum. É melhor até ler Paulo Coelho do que livro nenhum. De uma forma ou de outra, cultiva-se um hábito, mesmo que não se formem novos leitores (particularmente eu preferia que lessem Animais urbanos). Não acredito que os consumidores de tais, hum, autores se interessem por literatura a ponto de dali passarem a Veríssimo, Fernando Sabino, Guimarães Rosa etc. Embora Machado de Assis seja outro autor muito citado, creio que mais por imposição escolar do que exatamente por preferência popular.
Há muitos anos, o então ministro da Cultura Francisco Weffort declarou, em uma entrevista concedida à revista Veja, que Paulo Coelho prestava um grande bem á formação de novos leitores no país. Segundo ele, “a pessoa que pega um livro do Paulo Coelho para ler está deixando de assistir à televisão”, ou seja, está desenvolvendo um gosto por, vá lá, literatura. Concordo em parte. Não adianta ler só Paulo Coelho nem só livro de religião. Ler a Bíblia não faz de ninguém um leitor em potencial. Seria a mesma coisa que considerar como leitor assíduo uma pessoa que precisa ler manuais técnicos para aprender a operar equipamentos. E se de cada quatro livros dois ficam pelo caminho, não se pode dizer que a tarefa está sendo cumprida de forma satisfatória.
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