segunda-feira, 9 de abril de 2012

Por um lugar no mundo

A chamada “maldição do Oscar” é um fato. Depois de ganharem o prêmio, alguns atores / atrizes, em vez de verem suas carreiras deslanchar, acabam embarcando em uma frota de canoas furadas e vão parar no fundo do poço. Aconteceu com Mira Sorvino (nunca mais fez nada relevante) e Cuba Gooding Jr. – este, coitado, se enterrou de vez por conta de vários projetos equivocados. Alguns dão seqüência à carreira, mas só conseguem papéis ridículos, ainda que façam filmes decentes. Só um ator de verdade seria capaz de encarnar um tipo esquisito e manter a dignidade intacta. Este ator é Sean Penn. Este personagem é Cheyenne. O filme é Aqui é o meu lugar, estréia em terras norte-americanas do diretor italiano Paolo Sorrentino, logo após ter feito sucesso com a tensa comédia política O divo.



Fosse outro ator e o personagem cairia facilmente na caricatura, no grotesco e no completo ridículo. Penn imprime humanidade e um contido sofrimento a um tipo quase almodovariano, que causa estranheza por sua simples caracterização. Com quase 50 anos, Cheyenne é um ex-astro do rock que vive dos direitos autorais de suas músicas. Não trabalha, não tem filhos e mantém um casamento asséptico com sua esposa frígida (Frances McDormand). Mesmo que seu tempo já tenha passado, ele insiste em se vestir como se ainda estivesse no auge da carreira, com visual gótico, roupas escuras, coturno, unhas pintadas de preto e uma peruca doida que realça seu aspecto sorumbático. De poucas palavras, parece viver isolado em seu mundo de desilusões. Um dia, recebe a notícia de que seu pai, com quem não tem contato há 30 anos, está à beira da morte. Cheyenne sai de sua fortaleza de cristal para revê-lo, mas chega tarde e o encontra já morto. Porém, resolve concretizar o desejo final do pai: encontrar um antigo criminoso nazista que o humilhou em Auschwitz e vingar-se. Não há alternativa. Tem início uma longa e dolorida busca ao algoz, mas não apenas isso: é a grande oportunidade de Cheyenne espantar fantasmas do seu passado. A cada cidade que vai parando pelo caminho, vai descobrindo um pouco daquele homem que não chegou a conhecer – saiu de casa aos 13 anos porque o pai não gostava que ele usasse maquiagem e desaprovava seu modo de vestir e de ser.

Talvez seja difícil para o espectador simpatizar com Cheyenne porque ele é uma figura muito estranha. Um bafejo de uma vida que ficou no passado, à qual se agarra para continuar vivendo uma existência vazia, sem propósito, como se tivesse se fechado para qualquer tipo de vida exterior, de mudança. Fala baixo, quando fala, não se interessa por mulheres, não expressa emoções, mantém o olhar parado, perdido em algum ponto que só ele enxerga, parecendo agir mais por automatismo que outra coisa. É um fantasma, ele próprio, vagando pelo mundo sem um sentido concreto. É um ser em desordem. No entanto, há uma motivação forte para seu comportamento, uma ferida aberta, que somente poderá ser cicatrizada não pela ação do tempo, mas por um exercício de autoconhecimento. Quando Cheyenne sai em busca do algoz de seu pai, ele busca mais do que isso: busca uma identidade, um reencontro consigo mesmo, a reconstrução de sua história. Busca a redenção.

É um grande trabalho de interpretação, uma caracterização memorável, a qual Penn enriquece com alguns tiques, como soprar a mecha de cabelos que lhe cai diante dos olhos de vez em quando. Também tem ótimas tiradas, como quando explica por que não quis ter filhos: “O risco de um roqueiro ter filhos é que, se for uma menina, ela pode se tornar estilista de gosto duvidoso” (uma óbvia provocação a Stella McCartney, filha de Paul). Ele, que já ganhou dois Oscars, merecia ter sido lembrado pela Academia, assim como o filme, que acabou esnobado em um dos anos mais fracos do cinema norte-americano.

O roteiro deste road-movie existencial equilibra doses equânimes de drama e comédia, abrindo espaço para outros personagens igualmente interessantes – um caçador de nazistas, a garçonete que tem um filho gordinho com veleidades musicais, a fã gótica que sabe tudo sobre a carreira de Cheyenne. Na ótima trilha sonora, o destaque é para a canção-tema “This must be the place”, dos Talking Heads, executada várias vezes ao longo do filme, em diversos tons.

A mim, o filme foi conquistando aos poucos, depois que deixei a estranheza por Cheyenne de lado e me deixei levar pela poesia depressiva de suas imagens e de sua proposta. No começo, achava que era só uma comedinha com pinta de independente meio boboca; no final, me deu vontade de aplaudir de pé. É um filme de forte potencial cult, para ser descoberto, mas, para isso, é preciso esperar que seja lançado por aqui, mesmo que em DVD – só foi exibido no Festival do Rio, onde foi um dos títulos mais disputados.

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